Sirlanda Selau
Publicado em julho 2nd, 2015 | por Sirlanda Selau da Silva
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Esta semana surgiram adesivos de carros, afixados no espaço destinado ao abastecimento do veículo, em que a imagem e o corpo da Presidenta Dilma, restam violados. No ato de abastecimento do veículo, a bomba de combustível é introduzida no corpo, em forma de adesivo, em uma clara alusão a violência sexual.
De onde eu singelamente olho o mundo, tratam-se de adesivos ultrajantes para qualquer mulher. Me senti violentada só de ver. E não é por acaso ou por purismo. A violência sexual está entre as maiores preocupações e medos que permeiam a subjetividade das mulheres. Este ataque vulgar e rasteiro a Presidenta é um ataque a todas as mulheres. E, aqui, não se trata de em quem votamos na última eleição.
Uma propaganda que excede, e muito, ao direito de expressão ou mesmo a esfera da crítica e da disputa política. Não vou nem entrar no mérito, de que dos últimos 6 Presidentes do país, 5 deles homens, nenhum foi objeto deste tipo de propaganda. Nenhum deles teve seu corpo violado. Aliás, para ser coerente, devo lembrar que não é a primeira vez, que o ódio e a desumanidade violam o corpo de Dilma Rousseff.
O Brasil é o país em que a cada 2 minutos, 1 mulher é atendida no Sistema Único de Saúde – SUS
[1], em razão de violência sexual. E que a cada 4 minutos, 1 mulher é estuprada
[2]. E mais, que de cada 5 mulheres, 3 delas já suportou algum tipo de violência por parte de seus companheiros, esposos, namorados
[3]. Logo, falamos de um país em que a violência e a violação dos corpos são intimas e velhas conhecidas das mulheres.
Propagandas deste tipo naturalizam as violências que as mulheres suportam cotidianamente. Reforçam a cultura do estupro e da violência sexual. Arrancam nossa integridade física e nossa dignidade. E fazem retroceder esforços de uma década inteira de combate e enfrentamento a todas às formas de violência contra a mulher. Isso tudo, sob uma suposta crítica ao valor do combustível, suponho.
Aliás, vale dizer, que a liberdade de expressão, como todo direito fundamental, não é irrestrita ou ilimitada. Não há exercício de direito fundamental, às custas de outros direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito. Neste sentido, o direito de crítica, não afasta a inviolabilidade da vida e a dignidade humana.
O Corpo da mulher e sua sexualidade são comumente vilipendiados e ultrajados, seja pela cerveja gelada da propaganda; pelo professor que ensina que leis e mulheres são para isso mesmo: serem violados; pelo combustível que está caro; pelo usuário do trem lotado. Mas que bom, que essa história não pára por aí. Eu gosto da parte da história, em que as mulheres, as diversas mulheres, não se intimidam, resistem, lutam, e mesmo em tempos de tamanha violência, não aceitam colocar na mesma frase: crítica política e violência sexual.
[1] Cf. Ministério da Saúde (2012).
[2] Cf. Anuário de Segurança Pública (2014).
[3] Cf. Balanço Ligue 180 (2014).
Sirlanda Selau da Silva é advogada, formada pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul; especialista em Gestão Estratégica de Políticas Públicas pela UNICAMP; Mestranda do PPG em Ciências Sociais da Unisinos. Feminista. Natural de Porto Alegre, cidade onde vive e que trocaria por poucos lugares no mundo.