quinta-feira, 27 de agosto de 2009
“Estado Brasileiro deixa de ser laico”
Por Lucio Uberdan.
Ontem a noite a Câmara Federal aprovou o acordo internacional entre Brasil e Vaticano (MSC-134/2009), o acordo cria o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, algo justo, muito justo, justíssimo se tivesse como centralidade a liberdade de culto religioso, porém não é isso que faz com que esse texto circule com tanta urgência.
Registro de ante-mão todo o meu respeito aos setores de esquerda católicos, em especial as pastorais que se colocam na luta cotidiana, como a Pastoral Operária, da Juventude e da Terra. Porém esse acordo entre Brasil e Vaticano, através da CNBB, promoverá novamente possíveis crises de orientação religiosa no país.
O tratado é quase que exclusivamente uma peça de negócios, que circula por fórmulas que rumam para a isenção tributária das PUC, consolidam a flexibilização dos direitos dos trabalhadores(as) empregados na igreja, e cria reserva de “mercado” com o ensino religioso nas escolas públicas.
O acordo aventura-se por exemplo “sobre o ensino religioso, o casamento, a imunidade tributária para as entidades eclesiásticas, a prestação de assistência espiritual em presídios e hospitais, a garantia do sigilo de ofício dos sacerdotes, visto para estrangeiros que venham ao Brasil realizar atividade pastoral”.
O texto também causa sérios prejuízos nas relações trabalhistas internas a Igreja, “fica determinado que a atuação de ministros ordenados e fiéis consagrados não geram vínculo empregatício com as dioceses ou institutos religiosos em que exerçam a atividade religiosa”.
Na Câmara a maioria dos partidos vacilou frente a força da Santa Sé, o governo já havia vacilado antes. Entre os Partidos de mais conhecidos, saúdo o PSOL que orientou por NÃO com uma bela defesa do deputado Chico Alencar. Saliento que até onde pude acompanhar, o PSOL foi o único partido que orientou NÃO. O restante dos Partidos foram exclusivamente pragmáticos.
Entre os inúmeros pontos confusos do tratado, cito um dos centrais – A obrigatoriedade de oferecimento de disciplina de ensino religioso nas escolas públicas:
1.1)Ainda que seja facultativo a matrícula, a indução do ensino religioso será muito forte por parte da igreja católica e evangélica que tem a catequização como meta,a primeira a centenas de anos;
1.2)É uma tristeza que o estado Brasileiro funcione na educação induzindo a aceitação religiosa, o papel do estado deveria ser oferecer em mesma condição o direito a uma criança aderir ou não a aceitação religiosa, ou o ateísmo não existe e não deve ser respeitado pelo Estado?
1.3)É público e notório que o exercício da fé religiosa na educação das crianças brasileiras, em especial pelo pensamento hegemônico da igreja Católica, se dará também sobre orientações politizantes, como por exemplo a penalização do aborto e a negação da luta de classes – ainda que tenhamos importantes setores progressistas na Igreja, como a Teologia da Libertação, temos igual clareza que eles são minoritários.
Alguém esquece a fala de Dom Eusébio Acheid, Arcebispo do RJ, um dos 116 Cardeais que participaram do Conclave que escolheu o novo Papa em 2005 para a revista VEJA – “Lula não é católico, é caótico. Ele e o Espírito Santo não se entendem bem. Você acha que o Lula conhece o Espírito Santo?”. Lula “não tem uma fé retilínea” porque “nasceu em um meio operário, com todas as confusões, nunca teve uma formação e um aprofundamento da própria fé”. Falou ainda que “quem é católico não pode ser a favor do aborto. Quem é cristão e quer seguir Cristo não pode estar de acordo com isso. São essas coisas que chamo de caóticas, não há uma linha clara”. O arcebispo chegou ao ponto de comentar um encontro de Lula e Fidel Castro nos seguintes termos: eram “dois bobocas se encontrando”.
1.4)Nenhuma das demais confissões religiosas atuantes no Brasil tem condições estruturais de “competir” com a Igreja Católica e a Igreja Evangélica, igrejas milionárias, o que atingirá fortemente as confissões de menor ou nenhum poder econômico como as Afros;
1.5)A obrigatoriedade rasga muitas das discussões que fundamentaram a LDB, bem como a Constituição Brasileira que defini o estado como Laico, um meio termo entre Estado Confessional e Estado Ateu;
A matéria vai para o combalido Senado Brasileiro, que já deveria ter sido fechado. Lugar onde o texto poderá piorar ainda mais. O Brasil deu dois passos atrás, o Vaticano fez um belo negócio.
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