Por Tatau Godinho*
A reivindicação da participação política é uma das lutas fundantes do movimento de mulheres. O feminismo compreendido como uma luta social, como uma ideologia e prática da luta pela libertação das mulheres, tem a sua origem no período da Revolução Francesa, quando pela primeira vez as mulheres se organizaram de forma coletiva para reivindicar o reconhecimento da sua cidadania, inscrevendo-se na história política do Ocidente como sujeito político.
Mas, como toda história regida por relações sociais de opressão, vários dos seus momentos fundamentais são marcados pela derrota. Ou, em uma avaliação mais dialética, e talvez menos influenciada pelos tempos bicudos da nossa atualidade, são momentos marcados pela contradição. A contradição entre a proposta de uma cidadania universal e a exclusão por relações de classe, de sexo e de raça.
Essa exclusão foi muito evidente quando se discutiram direitos formais como o direito de voto, como outros direitos instituídos a partir da legislação. Mas é muito menos perceptível ou admitida quando se tratam de direitos reais, que vão além da simples igualdade formal, jurídica.
A discussão de “direitos reais”, como uma fórmula para simplificar esta contradição entre o que se inscreve na lei e o que nós não temos na prática, nos remete diretamente a várias questões, na esfera da participação política, entre as quais é central mencionarmos pelo menos as seguintes:
- a igualdade efetiva entre mulheres e homens está relacionada à igualdade nos mais diversos âmbitos das relações sociais. Não se trata de uma igualdade formal, mas de conseguir que essa igualdade signifique não apenas o acesso, mas condições efetivas de participação política.
- o questionamento da modalidade atual do poder político, concentrado no Estado ou nas diversas estruturas do Estado, incluindo aí o Legislativo, e a forma de relação do Estado com a sociedade, marcada pelos interesses econômicos dos sujeitos com poder capaz de influir nas decisões das instituições.
O feminismo recente, após os anos 1960 e 1970, é reconhecido por alguns pensadores da esquerda como uma das principais forças que modificaram a esquerda a partir dos anos 70. Geoff Eley, em um texto extremamente interessante sobre a construção da democracia, a partir da história da esquerda na Europa(1), afirma que o feminismo foi com certeza o mais importante dos novos movimentos que emergiram naquele período, forçando uma reavaliação completa de tudo que a política engloba. Ele continua o seu raciocínio mostrando que nada enfatiza tão bem as oportunidades perdidas pela esquerda como as dificuldades experimentadas na relação entre o socialismo e o feminismo. Tergiversação permanente, negação explícita de direitos, dificuldade de questionar não apenas o discurso da transformação política, mas a prática cotidiana que se insere na vida privada e no espaço da vida pública.
Texto publicado em 2007, no site da Fundação Perseu Abramo, mas se encontro super atual.
*Tatau Godinho é Cientista Social.
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