segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Conferência debate políticas públicas para mulheres rurais

por Nanda Barreto*


A Marcha Mundial de Mulheres participa da I Conferência Temática para Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul, nesta quinta e sexta-feira (dias 20 e 21/10), em Porto Alegre. A luta da MMM-RS está presente no campo e na cidade: o que nos une é a defesa dos direitos de todas as mulheres. No entanto, a realidade das camponesas nos revela características específicas.

Sobreviventes da amnésia coletiva do poder público, as mulheres rurais têm uma longa trajetória de resistência e luta para seu reconhecimento como trabalhadoras e como cidadãs. Há séculos a labuta delas começa cedo: elas cuidam da casa, trabalham na roça, assumem responsabilidades no armazenamento da colheita e atuam, também, na comercialização.

No entanto, esse trabalho permanece invisível e, muitas vezes, a mulher rural resume seu conjunto de tarefas diárias à condição de "ajuda" ao marido. São muitos os entraves que minimizam a importância das camponesas nos contextos socioculturais, econômicos e políticos. A localização geográfica é um elemento dificultador, mas, no fundo, trata-se de uma lógica perversa naturalizada pela sociedade patriarcal, em que a mulher continua sendo vista como inferior e, consequentemente, desconsiderada na construção de políticas públicas.

Ou seja: a divisão sexual do trabalho permanece muito forte e se expressa nas atividades do dia a dia e na manutenção das atribuições de gênero. É a velha história: os guris são ensinados a serem fortes, durões, usarem máquinas e responderem pela gestão econômica da família. As gurias devem ser dóceis, sensíveis, usar fogão e vassouras e responderem pelas atividades do lar e de criação dos filhos.

Avanços e desafios

A MMM-RS reconhece a ampliação da garantia dos direitos das mulheres rurais nos últimos anos, especialmente no que diz respeito à propriedade da terra, acesso ao crédito e qualificação profissional, ações fundamentais iniciadas pelo governo Lula. Um dos principais avanços nesse sentido foi a garantia de documentação para mais de 500 mil trabalhadoras.

Primeiro passaporte para a cidadania, a aquisição da carteira de identidade é uma conquista que deve, sim, ser comemorada. Mas isso nos evidencia também a necessidade de seguir lutando, pois ter documento é um direito elementar, básico, que abre portas para novas reivindicações. Por exemplo: conseguimos criar linhas de crédito específicas, mas ainda há preconceito contra as mulheres por parte dos operadores de financiamento.

O apoio à organização produtiva existe, mas é descontinuado - o que muitas vezes acaba desmobilizando os grupos de mulheres. A atroz violência contra a mulher do campo dificilmente ecoa na cidade. Sem ter a quem recorrer, a camponesa permanece isolada e refém do seu agressor. A lista de débitos do Estado com as camponesas é extensa e urgente: creches no meio rural, direitos previdenciários, reforma agrária, assistência técnica e formação, são alguns deles.

Em debate
No dia 20/10, a MMM-RS irá participar de uma painel sobre "Gênero e Desenvolvimento Rural Sustentável" na Conferência. A nossa posição é clara: não existe sustentabilidade sem justiça social. Acreditamos que os problemas ecológicos resultam de séculos de uma péssima relação entre a civilização e o meio ambiente, centrada em padrões de consumo insustentáveis e na subordinação de todos os aspectos da vida humana aos interesses obscuros do capitalismo.

Na nossa avaliação, os problemas ambientais estão profundamente arraigados aos problemas sociais. Nós, da MMM não defendemos apenas o meio ambiente. Nossa batalha é pelo ambiente inteiro: queremos uma sociedade mais justa e igualitária, baseada na solidariedade entre os povos e assentada em valores éticos de valorização à vida e a ampla soberania de todos os povos. Somos metade da população mundial e essa conquista não virá sem a garantia dos direitos das mulheres.

Defendemos a agroecologia e a economia solidária como bases da organização produtiva camponesa. Estamos de olho na crise alimentar e acreditamos no caminho da produção de alimentos saudáveis, com a adoção de tecnologias que respeitam o meio ambiente e valorizam os saberes locais e as tradições. Lutamos também pela autonomia econômica das mulheres e pelo nosso protagonismo em diferentes espaços.

E depois do debate?
Reivindicação antiga dos movimentos populares, as conferências são importantes instrumentos de debate, de participação popular. Possuem um caráter pedagógico no que tange o exercício democrático e são, ainda, um espaço muito favorável à criação e formação de redes.

Entretanto, nós da MMM-RS, consideramos que é preciso criar mecanismos para dar vida às nossas propostas. As mulheres camponesas não podem mais ficar à mercê da boa vontade dos governantes. Precisamos transformar programas de governos em políticas de Estado.

É insuficiente que a cidadania seja um estado de espírito ou uma declaração de intenções. A cidadania ganha forma e limites na vida prática e cotidiana. Para ser mantida pelas próximas gerações, ela deve ser impressa nas linhas das leis, assegurando, assim, a garantia dos direitos pactuados e sempre que esses direitos forem recusados, teremos uma base legal para reclamarmos e sermos ouvidas.


* Jornalista, militante feminista da Marcha Mundial das Mulheres







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