Algumas atrás semanas participei de um seminário onde o tema era Mulheres, Justiça e Participação Social, numa universidade no norte do país, no coração da Amazônia, para ser mais exata. O evento era aberto para toda a comunidade, acadêmica ou não.
As mulheres ribeirinhas foram convidadas e
estavam em maioria. Muitas alunas também participaram e o seminário foi um
sucesso de público (feminino). Mas e os homens? Pois é. Os professores não
liberaram os alunos para participar e seguiram suas aulas como se nada
estivesse acontecendo, além de outros boicotes que não cabem nesse texto.
Dessa forma, já na abertura do evento, o público
era quase totalmente feminino e não havia um professor sequer na “platéia”. A
mesa era composta somente por mulheres, eu, uma doutoranda em história e uma
doutora em filosofia. Assim que foram abertas as inscrições surgiram falas, de
ambos os sexos, de que os homens deveriam ter sido chamados, que deveriam estar
na mesa de abertura, afinal, é com eles que as mulheres precisam dialogar.
Lindo, só que não.
Nas últimas semanas, em diversas discussões na
Internet, seja por conta da luta pelo compartilhamento do trabalho doméstico,
seja pelo caso do professor pseudo intelectualóide que acha tranquilo enviar
fotos de seu pênis para quem não demonstra nenhuma intenção de vê-lo e a defesa
feita por outros homens que se solidarizam com o pobre professor, um argumento
gêmeo do apresentado no seminário apareceu recorrentemente, o de que não
podemos ser grosseiras com os homens, não podemos ter uma fala ou uma atitude
violenta, pois assim estaríamos agindo como eles e os afastando do debate.
Bueno, o ocorrido na universidade diz muito para
esses dois discursos que questionam a razão pela qual os homens foram
convidados. A universidade inteira foi convidada. Porém, de fato, eles não
foram chamados para as falas acadêmicas de abertura e por isso não foram. Eles
não participaram do seminário porque não havia um deles no lugar de poder, no
lugar de autoridade no assunto. Não participaram porque as glórias do evento
iriam para uma professora, uma mulher jovem que está tendo a ousadia de levar a
população feminina e ribeirinha para dentro da universidade e assim fazê-la
cumprir seu papel social. Eles não foram porque não vêem a fala de mulheres
sobre mulheres como algo que possa contribuir para suas vidas e de seus alunos
e alunas. Mas o discurso construído pelo patriarcado de que as feministas
odeiam homens é tão forte, tão enraizado, que o primeiro pensamento é o da
culpabilização das mulheres, de que elas não haviam convidado os machos,
descumprindo o papel de gentileza e docilidade e de onde nenhuma mulher pode se
retirar.
A mesma lógica opera quando se diz para uma
feminista que ela deve valorizar cada passo que um homem dá para diminuir o seu
machismo, aplaudindo de pé como uma mãe que vê o filho ir ao banheiro sem a sua
ajuda. O feminismo não é um discurso de amor incondicional, materno e amoroso.
É uma luta cotidiana e permanente para construir uma sociedade onde não sejamos
mortas por sermos mulheres, para que possamos nos libertar da escravidão do
trabalho doméstico e onde nós e homens estejamos, de fato, em pé de igualdade,
se relacionando de forma fraterna e solidária. Não queremos matar homens, mas
não queremos ser mortas por eles.
Não podemos colocar as feministas no lugar de
professoras de homens, dizendo “olha querido, vou mostrar pra você, com todo o
amor, como você está errado, não pode bater na coleguinha”, ou “nossa, que
lindo, você aprendeu que mostrar o seu pintinho para as meninas que não querem
vê-lo é feio, mas não se preocupe, não vou contar pra sua mãe”, ou, ainda,
“Joãozinho é tão querido, tem quarenta anos e faz sua própria comida, parabéns Joãozinho”.
Não, né, gente?
Uma mulher é estuprada a cada quatro minutos no
Brasil, a nossa taxa de feminicídio em 2013 foi de 5,82 casos para cada 100
mil. As mulheres trabalham, em média, o dobro do que os homens nos afazeres
domésticos. Nossa representação na política é vergonhosa, eleição se ganha com
recurso financeiro, o que, obviamente, falta às candidatas. Morremos todos os
dias por conta de abortos inseguros. Bolsonaros nos ameaçam todos os dias.
Não estamos espalhando amor pelo mundo. Estamos
lutando para que o mundo seja um lugar onde o amor possa florescer. E essa
luta, às vezes, será dura. Aqueles que nunca nos deram voz terão que ouvir
nossos gritos. O feminismo é uma luta coletiva contra um poder instituído
socialmente. Um poder que mesmo o homem mais parceiro das feministas possui e do
qual, mesmo que queira, não pode abrir mão. Portanto, é gratificante,
maravilhoso quando encontramos homens avançando conosco, lutando conosco,
apoiando sem tentar protagonizar a nossa luta. Mais lindo ainda quando eles
compreendem que a luta é dura e nem sempre mediadora, que avançamos
pressionando um patriarcado violento.
Sou solidária a qualquer ser humano oprimido, seja
quem for. Mas minha aliança fundamental, minha energia vital está com as
mulheres. Seguimos em Marcha!!!!
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