Mudar o Sistema Político para mudar a vida das mulheres!
* por Daniele Azevedo
Hoje, estou em um daqueles dias em que vem um turbilhão de emoções, lembranças e dor! Depois de 10 anos, e muita resistência, percebo a necessidade de abrir alguns fatos do passado.
No ano de 2005, quando eu tinha 17 anos, conheci uma pessoa que viria se tornar o meu namorado – nossas famílias se conheciam há anos -, ele tinha 21 anos. Após meses de ligações constantes e de alguns encontros começamos a namorar. Ele era o padrão de homem aceitável pela sociedade. Principalmente, ele era aceitável à minha família. Como quase todo começo de relacionamento, tudo parecia normal, até que, com o tempo, ele começou a mostrar-se uma pessoa desequilibrada emocionalmente e, muito pior, agressivo. Passou a ser comum, enquanto falávamos ao telefone, ouvir o barulho de pratos quebrando; Nosso relacionamento começou a mudar, e o que parecia ser solucionável, tornou-se uma cadeia de violências. Lembro-me das nossas saídas e de, de repente, começarmos discussões. A cada briga, por qualquer motivo que fosse, era um acesso de raiva contra mim.
O ciúme e a tentativa de controlar minha vida eram constantes. Desde sair sozinha a estar ao lado de qualquer homem, ainda que fosse um desconhecido, eram motivos para novas discussões. Certa vez, depois de mais uma briga, em pleno Shopping, recebi duas tapas na cara – até hoje me lembro de cada detalhe e das pessoas olhando sem fazerem nada -, ainda assim, ele simulou tentar se jogar do andar que estávamos (era mais uma tentativa de me culpar pelo que ele havia feito). Eu não tinha qualquer reação, só vergonha e raiva por tudo aquilo tá acontecendo. Eu estava no meu 2º relacionamento, nova e sem muita experiência com namoros, insistia em acreditar que as coisas poderiam mudar (engano meu!).
Como a tendência de todo relacionamento abusivo é piorar, com este não foi diferente. Em mais uma saída, na volta pra casa, próxima à estação de transbordo, em plena passarela, ele me segurava pelo braço, gritava comigo e dava a entender que qualquer coisa que eu fizesse seria um motivo para jogar-me da passarela – Até hoje eu não compreendo como consegui sair daquela situação (eu só tinha 17 anos). Pareceu que toda força que eu tinha naquele momento, veio de tudo aquilo que restava a mim: suportar – Meu braço marcado e o pior era o meu equilíbrio emocional, todo aquele abuso minava aos poucos com a minha autoestima. Cada vez mais insegura e sem contar com alguém, tornava-me uma pessoa atormentada pelo medo de terminar o relacionamento. Eu não contava pra ninguém, nem amigas (os) nem família, ninguém sabia. Eu imaginava o que todas as pessoas iriam pensar sobre mim (culpava a mim por tudo) e ainda tinha a preocupação do que poderiam fazer a ele – hoje, parece tão cruel ter me culpado tanto. Ainda aconteceria uma ultima coisa que, me faria repensar aquela relação abusiva: a tentativa de estupro. Como ele morava só, era comum estarmos no apartamento dele.
Em uma tarde, quando havia ido lá, depois de mais uma discussão, ele me segurava forte pelos braços e pescoço, tentava tirar minha roupa, e eu reagia, mas sem qualquer força e capacidade pra tira-lo de cima de mim. Depois que conseguiu tirar minha calça, e eu ainda gritando e tentando empurrá-lo, ele desistiu. Era uma mistura de alívio e de ÓDIO. A atitude dele foi me pedir desculpas, como se fosse mais uma a ser perdoada. Eu não parava de chorar! Fui pra casa completamente desnorteada, sem entender como aquilo aconteceu. Cada vez mais “uma luz acendia” mostrando-me que a qualquer momento eu poderia ser mais uma estatística. Eu decidi (eu precisava): não dava mais! Após um ano de namoro, tive coragem pra terminar o relacionamento – um relacionamento que deixa marcas até hoje!
Depois de quase 10 anos, não possuo qualquer contato com “meu” agressor e, na época, não denunciei; Nesse momento, ao resolver contar cada detalhe, penso que, não posso fugir do que vivi e, que, na verdade, não é só meu cada detalhe, são de outras mulheres, são sobre outros abusos, sobre outros estupros e agressões. Esse texto fala sobre mim, mas também diz sobre Rosilene Rios, estudante da UNIVASF, assassinada dentro da Universidade, na quinta-feira (06/05) por seu ex-marido com 40 facadas, pois não aceitava o fim da relação. Rosilene é mais uma estatística a ser lembrada pelos jornais que, diariamente, anunciam todo crime praticado contra mulheres.
Ninguém pode me culpar, assim como não pode à Rosilene.
Este caso e tantos outros me motivaram a escrever esse relato-denúncia como forma de ajudar outras mulheres a perceberem-se em relacionamentos, também, abusivos. Assim, como a compreenderem que ninguém luta sozinha, que só unidas e organizadas poderemos mudar as nossas realidades. A violência contra nós, mulheres, é estruturada por um Sistema, Patriarcal-Capitalista-Racista, que, cotidianamente, através do controle dos nossos corpos, da naturalização da violência e da divisão racial e sexual do trabalho, e etc., define que a cada 5 minutos, no Brasil, uma mulher seja agredida, e, que, a cada duas horas uma mulher seja assassinada.
A violência não pode continuar invisível, silenciosa, apenas servindo para dados estatísticos. A violência se combate com mulheres organizadas em busca de um projeto de sociedade!
A luta é o que muda!
O meu corpo, antes agredido; hoje em luta, resistindo. Por mim, por Rosilene, por todas!
Não sou mulher, sou mulheres!
Moça, faz da tua dor, tua luta!
Violência contra a mulher, não é o mundo que a gente quer!
Mudar o Sistema Político, para Mudar a Vida das Mulheres: Constituinte Já!
* Daniele Azevedo é militante da Marcha Mundial das Mulheres – Núcleo Negra Zeferina
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