29 de Fevereiro de 2016 por Marcha Mundial das Mulheres
*Por Cíntia Barenho e Vanessa Gil
Vai ter Shortinho Sim! Essa nova palavra de ordem mobiliza a volta às aulas 2016 no Rio Grande do Sul. O debate sobre as proibições de determinadas roupas para as meninas é um debate antigo em várias escolas, mas ganhou visibilidade nas mídias e redes sociais através de uma ação feita pelas estudantes do Colégio Anchieta (particular e católico). Elas estão pressionando a direção do colégio para poderem usar short durante o verão de “Forno Alegre”. Nomanifesto, em forma de abaixo-assinado virtual, que já tem milhares de assinaturas, vemos alguns dos porquês dessas gurias. Ao nosso olhar de feministas, fica evidente que essa mobilização não trata apenas de usar ou não shortinho no ambiente escolar. Vai além dos lemas do feminismo liberal ‘meu corpo minhas regras’. Estão questionando a cultura do Estupro, o modelo de Educação, o Sistema Patriarcal.
A escola, o ensino formal, está construído para “ensinar” como as meninas devem de comportar, como as professoras e funcionárias devem se comportar. Há regras implícitas e explícitas para todas as mulheres dentro da escola. Uma delas é a imposição das vestimentas ditas ideais para todas essas mulheres. Caso não estejam dentro das regras, são humilhadas, forçadas a mudar de roupa e, caso não aceitem tal imposição, devem sair da sala de aula. Não é incomum que a professora seja questionada sobre o uso de leggings ou outra vestimenta que marque o corpo. Assim, o Patriarcado garante, aos meninos e professores homens, um ambiente de aprendizagem e ensino livre de “distrações”, algo muito mais importante para o sistema que meninas estudando e questionando suas regras ou professoras vestidas confortavelmente para enfrentar até três turnos de trabalho em um dia. Para ficarmos só nesse exemplo de como atua o patriarcado por lá. O manifesto construído por adolescentes de 13 a 17 anos podia ser todo reproduzido aqui, mas ele nos move a questionar mais. O que mais poderia e deveria nos mobilizar em relação à Educação e ao Feminismo? O que anda acontecendo com as mulheres no âmbito do Ensino Público no Rio Grando do Sul? O que o Patriarcado anda fazendo em relação a vida das professoras no âmbito do trabalho, carga horária, entre outras coisas? Tudo isso tem uma ligação.
A Escola é uma das instituições que dão sustentação ao Estado patriarcal e ao sistema Capitalista. Cada vez mais se educa para o mercado de trabalho e cada vez menos para o pensamento crítico. Na volta às aulas no Rio Grande do Sul, toda a comunidade escolar foi surpreendida com duas decisões da Secretaria Estadual de Educação que ferem diretamente o direto das/os trabalhadoras em educação. O primeiro deles é o aumento do número de horas em sala de aula. Se a lei fosse cumprida, para cada jornada de 20hs, 13 seriam cumpridas em sala de aula e as demais seriam destinadas a trabalho horas atividade (correção de provas e trabalhos, elaboração de aulas, formação das/dos docentes). Parece muito, mas não é. Preparar uma aula leva tempo, exige pesquisa e estudo. Professoras/es não são máquinas, não guardam todos os conhecimentos numa caixinha e precisam averiguar a atualidade dos temas que propõem às alunas e aos alunos. O governo exige que 16 horas (relógio) sejam destinadas a sala de aula. Como uma professora de sociologia, por exemplo, que possuirá até 32 turmas, com média de 30 estudantes, pode dar conta de todo o trabalho em oito horas horas (considerando carga horária de 40hs)? É um dia para planejar, pesquisar, corrigir e ainda fazer algum formação. Impossível não baixar drasticamente a qualidade das aulas com tão pouco tempo para prepará-las. São 960 alunos, em média. Imagine você tendo um dia apenas para ler 960 provas, trabalhos e ainda pensar nas aulas da próxima semana. Além disso, o magistério público estadual está composto por mais de 80% de mulheres. Sabemos que o tempo destinado ao trabalho doméstico pelo sexo feminino é o dobro do que os homens destinam. Ou seja, para essa categoria, aumentar a carga horária em sala de aula é jogar mulheres em condições de adoecimento e níveis inimagináveis de estresse. Tudo em nome do enxugamento das contas públicas, enquanto juízes recebem mais de sete mil reais de auxilio moradia e uma professora com pós-graduação pouco mais de dois mil.
Não bastasse o descumprimento do pagamento do piso, o desrespeito a carga horária, o parcelamento dos salários, o atraso no pagamento das férias, o governo também decidiu (arbitrariamente e sem consultar a população) instituir a obrigatoriedade da oferta de ensino religioso nas escolas. Tal decisão fere, inclusive, a constituição federal que determina a laicidade do Estado. Para tanto, as escolas estão tendo que diminuir carga horária de outras disciplinas e a opção tem sido cortar em sociologia e filosofia. A Idade Média insiste em manter-se próxima.
Sabemos que o argumento de que a disciplina abordará a diversidade religiosa brasileira é falacioso, pois os setores conservadores cristão encamparam essa luta dentro do governo estadual e federal. Basta lembrar a retirada dos temas de diversidade sexual dos planos nacionais, estaduais e municipais de educação. Na prática, o cristianismo será o tema dessas aulas. Além disso, diversidade religiosa já é um tema tratado na filosofia e sociologia. Não existe razão para a existência dessa disciplina além de transformar a escola num espaço de disseminação da fé cristã.
Assim, a escola, o local onde todas e todos julgam ser o lugar do conhecimento e do ensino, segue sendo o lugar onde se produz e reproduz violência. Onde a religião é imposta como ciência, onde a mesma moral religiosa que reforça o lugar da mulher na família tradicional e a faz arcar com a maior parte do trabalho doméstico e de cuidados regula a vestimenta das mulheres para que sigam temendo os homens e se culpando pela violência que sofrem. A volta do ensino religioso como disciplina reforçará ainda mais a lógica patriarcal que impõe às mulheres a dupla e tripla jornada de trabalho e culpabiliza meninas pelo assédio que sofrem cotidianamente. Qual a razão da proibição do debate de gênero e diversidade sexual e a obrigatoriedade do ensino religioso se não reforçar o papel da mulher na família tradicional cristã? Assim, seguiremos com altas jornadas de trabalho nas escolas e com as mesmas responsabilidades dentro de casa, formando outras mulheres na escola, através da religião, para que sigam esse caminho e assim sustentemos a superexploração da fora de trabalho feminina, cada vez mais precarizada pelo capitalismo. A história já demostrou que sem o trabalho não pago executado pelas mulheres no âmbito doméstico o sistema capitalista e patriarcal não se sustenta. Mas visamos: resistiremos!!
*Cíntia Barenho é professora de Ecologia e Educação Ambiental; Vanessa Gil é professora de Sociologia. Ambas são militantes da Marcha Mundial das Mulheres no Rio Grande do Sul.
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