quarta-feira, 30 de março de 2016
Mulheres contra o Golpe - 31 de março nas ruas
Mobilizem-se
as que vem a Porto Alegre: nos somaremos a concentração Comitê de Mulheres contra o Golpe, as 15hs na frente da Ocupação Lanceiros Negros que fica na Andrade Neves esquina com Ladeira.
esperamos a todas, tragam suas bandeiras, batuques, etc...
SEGUIREMOS EM MARCHA ATÉ QUE TODAS SEJAMOS LIVRES!
NÃO VAI TER GOLPE, JÁ TEM LUTA!
Pela liberdade e contra o golpe corrupto, as mulheres resistem!
*Por Clarisse Paradis
O acirramento das ofensivas contra o governo Dilma e o programa de 2014 ganhou, neste mês, contornos cada vez mais nítidos de ruptura da democracia. As instituições que deveriam exercer controle sobre as regras e alertar e defender a sociedade das ameaças aos seus direitos, passaram a convergir, em disputa desigual dos rumos da crise política, com objetivo de promover um ambiente de total impossibilidade de existência do governo eleito. O discurso do golpe combina instrumentalização da crise econômica, enfraquecimento da imagem da Presidenta Dilma, criminalização do Partido dos Trabalhadores, espetacularização dos escândalos de corrupção e supervalorização da insatisfação de setores como o da classe média. A partir desse discurso busca-se sedimentar uma ideia de convergência total ao impeachment, em diferentes camadas e instituições da sociedade.
A caracterização desse discurso como golpista se dá exatamente porque ele é falacioso. Segundo a tradição política do republicanismo, o respeito às garantias constitucionais são a condição para que cada indivíduo e toda a sociedade seja livre. Isso significa que, quando indivíduos e instituições ferem as leis constitucionais, à revelia da expressão da vontade geral das/os cidadãs/ãos, o ato é em si uma corrupção, logo um atentado à nossa liberdade. O cenário imaginado do pós-golpe é aquele que nenhuma cidadã ou cidadão possa ter certeza do respeito aos seus direitos.
Se o golpe é a própria corrupção, o projeto pós-golpe é a materialização da retirada de qualquer garantia aos nossos direitos. Sem legitimidade política, como será possível que as instituições deêm respostas aos conflitos? É somente em tal cenário, que existem as condições para que as forças políticas do golpe possam implementar uma agenda de ataque aos direitos sociais, ambientais, trabalhistas, sexuais, relegando ao mercado a regulação da vida social e esvaziando a política como arena da liberdade.
No entanto, a empreitada do golpe choca-se com um mar de resistência – as forças progressistas estão em luta e demonstraram ter capacidade organizativa e respaldo político para disputar os rumos das atuais disputas.
No conjunto dos esforços de resistência das forças progressistas, é preciso reconhecer o papel das mulheres na construção do discurso em defesa da democracia. Denunciamos as manifestações machistas e misóginas contra a presidenta Dilma, fomos às ruas enfrentar as forças conservadoras no Congresso e seu imbricamento com o programa golpista, especialmente a partir do dep. Eduardo Cunha, contribuímos em estabelecer uma tônica irreverente para os protestos, em conjunto com as classes artísticas, a juventude, entre outros, traduzindo a defesa da democracia em uma agenda do amor contra o ódio, da alegria contra a intolerância, da igualdade contra o elitismo, da liberdade contra a corrupção.
É preciso reconhecer que historicamente as mulheres lutaram bravamente para a conquista da cidadania. Por muito tempo mulheres, negros e entre eles o conjunto da classe trabalhadora, estiveram a margem dos direitos cidadãos. Foi somente muito recentemente na história brasileira, que a ideia de igualdade e liberdade estiveram vinculadas ao aprofundamento e ampliação da democracia.
Resistir ao golpe é especialmente simbólico para as mulheres: sabemos quem paga a conta no interior das famílias, quando o Estado é reduzido, sabemos como a nossa vida e nossos corpos são fortemente controlados com a ampliação das esferas do mercado e como o racismo e o patriarcado são fundamentais para as engrenagens do projeto de exclusão do pós-golpe.
No entanto, a empreitada do golpe choca-se com um mar de resistência – as forças progressistas estão em luta e demonstraram ter capacidade organizativa e respaldo político para disputar os rumos das atuais disputas.
No conjunto dos esforços de resistência das forças progressistas, é preciso reconhecer o papel das mulheres na construção do discurso em defesa da democracia. Denunciamos as manifestações machistas e misóginas contra a presidenta Dilma, fomos às ruas enfrentar as forças conservadoras no Congresso e seu imbricamento com o programa golpista, especialmente a partir do dep. Eduardo Cunha, contribuímos em estabelecer uma tônica irreverente para os protestos, em conjunto com as classes artísticas, a juventude, entre outros, traduzindo a defesa da democracia em uma agenda do amor contra o ódio, da alegria contra a intolerância, da igualdade contra o elitismo, da liberdade contra a corrupção.
É preciso reconhecer que historicamente as mulheres lutaram bravamente para a conquista da cidadania. Por muito tempo mulheres, negros e entre eles o conjunto da classe trabalhadora, estiveram a margem dos direitos cidadãos. Foi somente muito recentemente na história brasileira, que a ideia de igualdade e liberdade estiveram vinculadas ao aprofundamento e ampliação da democracia.
Resistir ao golpe é especialmente simbólico para as mulheres: sabemos quem paga a conta no interior das famílias, quando o Estado é reduzido, sabemos como a nossa vida e nossos corpos são fortemente controlados com a ampliação das esferas do mercado e como o racismo e o patriarcado são fundamentais para as engrenagens do projeto de exclusão do pós-golpe.
Sabemos quanta luta foi necessária para a conquista da democracia e quanta bárbarie se pode cometer na ausência dela.
*Clarisse Paradis é militante da Marcha Mundial das Mulheres em Minas Gerais
terça-feira, 22 de março de 2016
quinta-feira, 17 de março de 2016
Mulheres de todo o Brasil se mobilizam para ato em defesa da democracia
Nesta sexta-feira (18) acontece o Ato Nacional em Defesa da Democracia, pelos Direitos Sociais e Contra o Golpe, organizado pela Frente Brasil Popular em todos os estados do país. A Frente foi lançada em 2015 e, composta por dezenas de organizações, como a MMM, a CUT, o MST, a UNE, entre outros, se propõe a mobilizar a população em torno de agendas unitárias da política nacional, na defesa da democracia e dos direitos das e dos trabalhadores.
“Nós temos o entendimento de que é preciso defender a democracia nas ruas, pois é uma grande ameaça que todas as organizações sofrem e, mais do que isso, é uma ameaça à soberania popular, à medida que se tenta desestabilizar um governo eleito democraticamente e perseguir as lideranças políticas de esquerda, como vem ocorrendo com o ex-presidente Lula”, afirma Ticiana Studart, da MMM no Ceará.
Para Maria do Carmo Bittencourt, da MMM RS, “não estamos na rua para defender Lula como indivíduo e pessoa, mas o que o ex-presidente significa para a história do Brasil e para história deste projeto democrático popular que se identifica pela ênfase no combate à fome, combate à pobreza, inclusão social, de grandes massas da população, mas ainda muito frágil na inclusão política. Por isso, dizemos que não estamos na rua na defesa de um governo, mas sim na defesa de um projeto de país, que é o que se faz necessário para que continuemos avançando”.
O ato é uma resposta aos ataques conservadores, articulados pelos grandes meios de comunicação, grandes empresas e seus representantes no poder legislativo e judiciário. Na última semana, vimos as ações desse setor reacionário: manifestações de direita, invasão da Polícia Militar no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, depredação da sede da UNE e ataques a diretórios do PT. Trata-se de um setor que quer retroceder qualquer avanço mínimo conquistado pelas e pelos trabalhadores desse país e que está articulado também pela América Latina, nos países que contam com governos progressistas.
“Esse golpe vem mascarado como combate à corrupção mas, na verdade, o que quer é desmantelar não só o Partido dos Trabalhadores, mas também os movimentos sociais e as organizações que fazem a luta no Brasil hoje por mudanças em favor do povo e em favor da redistribuição da riqueza, da garantia de políticas públicas, dos direitos sociais e universais, da garantia de que o povo pobre possa ter acesso à cidadania”, diz Nalu Faria, da MMM em São Paulo.
Segundo a militante, a defesa da democracia e a resistência aos ataques conservadores deve ser uma das pautas do movimento feminista, aliada a todas as pautas específicas pelos direitos das mulheres. “Nós, feministas, temos sentido nos últimos anos o peso da agenda conservadora, o peso da ação da agenda conservadora que tenta, justamente, fazer retroceder no âmbito das leis, das politicas, qualquer conquista que nós tenhamos, assim como impedir qualquer avanço que demandamos”, diz Nalu. Para Maria do Carmo, “se perdermos a democracia que foi tão arduamente conquistada no país, iremos perder muito da nossa organização enquanto movimento feminista. Vamos perder muito da nossa articulação, perder muitos anos de avanços”.
A Marcha Mundial das Mulheres aposta que a força organizada e articulada dos movimentos sociais e setores progressistas da sociedade, em aliança, tem condições de mudar o rumo dessa história, que ainda não está dado. O ato no dia 18 é um momento político importante para barrar não apenas o golpe, como todas as propostas de retrocesso, como a Lei Antiterrorismo, a Reforma da Previdência, o PL 5069, e exigir mais mudanças para a vida das e dos trabalhadores, das mulheres, da população negra, indígena e quilombola, para a população LGBT. Por isso, convoca o conjunto de mulheres à mobilização pelas bandeiras históricas do feminismo e pela defesa da democracia em unidade aos outros movimentos sociais.
Para Nalu, “não vamos abrir mão da consideração de que para impedir o golpe e a destruição dos movimentos sociais, temos que ter uma mudança em nossa política econômica. Precisamos recuperar o emprego, a redistribuição de renda em nosso país”. “É preciso que este governo não apenas tenha continuidade, mas que cumpra o programa pelo qual foi eleito, avançando nos direitos para as mulheres e para a classe trabalhadora”, completa Ticiana. Maria do Carmo finaliza afirmando: “estamos mobilizadas para lutar todos os desengavetamentos de projetos que ameaçam os movimentos sociais e que retiram nossos direitos. Não vai ser nada fácil para essa elite, agora, calar a classe trabalhadora”.
quarta-feira, 16 de março de 2016
ATO DIA 18 DE MARÇO - #mulherescontraogolpe

Local em Porto Alegre - Esquina Democrática
Vista sua camiseta - levem suas bandeiras.
Liberdades Religiosas e Liberdades Sexuais e Reprodutivas em um Estado Laico
- Ana
Naiara Malavolta SaupeI
“Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo
mundo a construir. Mas nós conseguiremos, jovens amigos, não é verdade?” - Rosa
Luxemburgo
O
conceito de liberdades laicas e os limites entre liberdades religiosas x
liberdades sexuais e reprodutivas em um estado laico tem sido, modernamente,
tema de debates recorrentes no Brasil, em especial no RS após a decisão
histórica de retirada dos símbolos religiosos dos Tribunais Gaúchos,
consequência da provocação feita em novembro de 2011[i] por um
grupo de entidades dos movimentos feminista e LGBTT (Liga Brasileira de
Lésbicas - LBL-RS, Somos, Nuances, Rede Feminista de Saúde, Themis e Marcha
Mundial das Mulheres), que teve grande repercussão nacional e reascendeu o
antigo debate sobre separação entre religião e Estado.
No
entanto, nunca é demais lembrarmos que a discussão sobre separação entre Estado
e Igreja (laicidade e secularismo)[1], é mais velha que o próprio Brasil e que veio
para terras tupiniquins junto com as caravelas, embaladas pelas ondas do mar,
mas muito bem escondidas pelos mantos do padroado católico, onde o Estado
escolhia os cargos religiosos e os pagava, como se fossem cargos públicos, enquanto
a igreja batizava pessoas (uma substituição, à época, do registro civil) e as
reunia em congregações nas quais realizava tarefas que deveriam ser do Estado,
dando origem às cidades. Era uma relação de dependência e mútua aliança
promíscua, que favorecia a ambos os lados: Estado e Igreja. Isto aconteceu em
plena época da “santa” inquisição medieval, em que a igreja católica exercia
poder de polícia e decisão de Tribunal no lugar do Estado em vários países,
inclusive no Brasil, sendo responsável, naquele momento, pela prisão de
milhares e pela execução de centenas de pessoas no mundo [ii].
Também
não é demais lembrarmos que passamos por trezentos e noventa e um (391) anos de
Estado Confessional (de confissão católica) antes de alçarmos voo para a
conquista da separação entre Estado e Religião, o que só ocorreu com a
promulgação da Constituição Republicana de 1891, portanto há recentes cento e
vinte e dois (122) anos.
Remontando
a esta época e até os dias de hoje, de um lado estão aqueles que, como nós,
defendem o Estado Laico como única forma de, através da autonomia do estado em
relação a crenças e dogmas religiosos, mediar conflitos resultantes dos
diversos pontos de vista religiosos e científicos que surgem sempre que tabus –
como as liberdades sexuais e reprodutivas – são debatidos.
Do
outro lado os fundamentalistas religiosos, seus dogmas, suas
crenças e doutrinas, tentando impor a toda a sociedade seus princípios e sua
moral religiosa de forma absoluta e inquestionável.
No
centro deste debate o conceito fundamental de LIBERDADE, sem o qual não existe
saída, não existe compreensão dos limites entre a verdade de uns e a verdade de
outros.
Mas
o que são fundamentalismos? E o que separa um religioso comum de
um religioso fundamentalista?
Os
fundamentos são a base, os alicerces, as fundações de qualquer coisa que se
pretenda sólida [2]
(Dicionário de Português). Assim, os fundamentos religiosos são as bases nas
quais uma religião se apoia.
Segundo
Marta Zechmeister [iii],
do Departamento de Teologia da Universidade Centro Americana (UCA) o conceito
de fundamentalismo nasce no final do século 19, em um contexto
Cristão, como forma de voltar - de maneira literal - aos fundamentos da bíblia,
ameaçados, naquele momento, pela ciência, em especial pelas teorias evolucionistas[3] de
Darwin (que se contrapunham ao creacionismo[4] bíblico)
e pela interpretação livre dos textos sagrados, baseados em métodos científicos
e históricos.
A
autora cita que em 1910 um grupo protestante conservador dos Estados Unidos
publicou um documento de testemunho, um manifesto, chamado “Os Fundamentos” que
se transformou em uma aceitação literal das doutrinas cristãs, dentre elas a
concepção virginal de Cristo, sua ressurreição corporal, mas em especial a
inspiração divina de cada palavra escrita na Bíblia.
O
Padre Deam Brackley, também do Departamento de Teologia da UCA, conceitua fundamentalistas
como sendo “grupos de pessoas que só se apegam a dogmas, a doutrinas, sobretudo
religiosas, que vêm diretamente de Deus, através da Bíblia e que não se deixam
questionar por outras doutrinas”[iv].
Livremente
poderíamos definir fundamentalismos religiosos como sendo a
reação autoritária, sectária, muitas vezes violenta de grupos religiosos a
avanços de concepção que contrariem ou se desviem, ainda que minimamente, da
leitura que fazem seus líderes dos textos bíblicos. Digo seus líderes já que em
boa parte das religiões a interpretação bíblica é feita por estudioso das
escrituras sagradas, cabendo aos fiéis seguirem aquilo que é ensinado,
doutrinariamente, como religiosamente correto. Aqui cabe ressaltar que existem
várias versões da Bíblia e que os termos que são utilizados para a pregação
contra a homossexualidade, por exemplo, foram adaptados ao longo dos anos,
gerando “traduções” nada literais das passagens bíblicas[v].
Ainda
segundo Zechmeister todo e qualquer avanço é visto pelos fundamentalistas como
ameaça que exige reação proporcional ao perigo que, sob sua ótica, representa
e, em nome de Deus – e do que imaginam que ele tenha transmitido através das
palavras bíblicas – constróem o raciocínio que leva à reação, sem a qual não
estariam cumprindo seu dever na terra.
Assim,
se o evolucionismo contraria as escrituras bíblicas, necessário provar que ele
está errado. Se as práticas sexuais são consideradas contrárias à doutrina,
porque moralmente erradas, elas devem ser rechaçadas, “porque um erro moral,
nunca pode ser um direito civil” (Silas Malafaia, sermão dominical publicado na
internet)[vi].
A
partir deste pensar fundamentalista, expresso na citação acima, manifesta-se hoje
no Brasil a prática fundamentalista citada em nossos debates,
durante o seminário que deu origem a esta publicação. Prática que pode ser
vista nas igrejas, mas não apenas nas igrejas, como também nos parlamentos, no
Judiciário e em várias áreas do executivo de todos os níveis e muitas vezes em
espaços públicos, transformados, de forma equivocada, em templo de pregação,
numa completa confusão entre liberdades laicas e abuso de liberdade religiosa.
Quando
propusemos a retirada dos símbolos religiosos no RS (lembrando que dos quatro
processos encaminhados apenas o processo do Judiciário teve andamento, enquanto
os processos da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, da Assembleia Legislativa
e do Executivo do RS continuam dormindo em berço esplêndido) uma das frases que
mais ouvimos foi: se há um símbolo religioso nos órgão públicos, então TODOS os
símbolos de todas as religiões deveriam ser tolerados.
Esta
é uma confusão que o próprio movimento pelas liberdades laicas costuma fazer. O
princípio constitucional - na verdade a NORMA Constitucional - que preconiza a
separação entre Estado e religião garante expressamente que o Estado não deve
se associar a religiões, não deve favorecer ou obstruir o seu exercício,
mantendo-se neutro nos assuntos de fé.
Isso,
de forma nenhum, significa fatiar o tempo ou o espaço público para uso de todas
as religiões convertendo o Estado constitucionalmente laico em Estado, na
prática, multi teocrático ou pluri confessional. Fazer isso seria sobrepor o
direito religioso a todas as demais instâncias do direito, como se este, por
ser exercício de fé, gozasse de privilégio concedido por Deus devendo, por isso
só, ser aceito por toda a sociedade.
Os
espaços de pregação podem ser públicos (como o são os templos, igrejas,
terreiros e assembleias), mas as praças são espaços públicos de convivência e
lazer, assim como as ruas, as avenidas, os corredores de repartições públicas,
os meios de transporte coletivo e as escolas. Estes não podem, sob pena de
extrapolação do direito religioso, ser transformados em espaço de pregação, de
onde deva se retirar aquele que não quer ouvir a pregação que está sendo feita,
por ferir seus princípios de fé ou seu direito de não ter fé.
Esta
lógica – de que a liberdade religiosa me permite pregar sobre religião em
qualquer espaço - subverte, por si só, a lógica de todas as demais liberdades,
submetendo-as à liberdade religiosa, ou liberdade de culto e, desta forma,
favorecendo a religião em detrimento do direito de não ter religião – também
garantido pela liberdade religiosa em um estado verdadeiramente laico.
As
liberdades laicas, fundamentos de democracia num estado democrático de direito,
possibilitam a livre manifestação do pensamento religioso e a preservação dos espaços
e templos religiosos. Disso não temos dúvida e concordamos, inclusive
por princípio. Isso significa que uma pessoa que não tenha fé, ou que se
oriente por uma corrente de fé diferente da de outra pessoa ou grupo, não pode
invadir o espaço religioso de terceiro para questionar, debater ou impedir que
o exercício religioso aconteça, quebrando, por exemplo, símbolos religiosos,
por entender que eles ofendem a sua fé. A preservação dos espaços e templos
religiosos é uma forma de garantir que a sua liberdade não será violada, ao
mesmo tempo em que não violará a liberdade de outras pessoas, que, porventura,
em função de crença de ordem igualmente religiosa, discorde das práticas ou
sincretismos adotados pela sua religião.
No
entanto, até onde vai esta possibilidade de “livre manifestação do pensamento
religioso” dentro destes espaços e templos? Quais os limites da liberdade da
expressão religiosa, diante de outra liberdade inatacável pelo mesmo princípio
das liberdades laicas: a liberdade sexual e, mais profundamente, os direitos
civis de mulheres, de negros e negras ou de homossexuais? Podem os pastores ou
líderes de congregações evangélicas pregarem a morte a homossexuais, livre e
impunemente, se isso for feito dentro de um templo? Podem associar as práticas
homossexuais ao demônio, exigindo que os fiéis (no caso pais, irmãos, tios e
tias) reajam a estas práticas - muitas vezes com incitação à violência física -
dentro de seus lares se estas propostas forem feitas durante uma missa ou um
sermão? Podem incitar o ódio, a perseguição, o escracho público pregando em
praças e avenidas das cidades? Podem violar direitos humanos, impedindo, por
exemplo, a presença de homossexuais em missas ou templos?
E
se uma pregação é feita em praça pública, esta liberdade de livre expressão da
fé pressupõe o direito de agredir quem dela discorde publicamente? As ruas,
avenidas e ônibus de transporte municipal, podem ser ocupados por pregadores e
os não crentes devem se calar diante das manifestações de intolerância ou de
certezas baseadas em fundamentos bíblicos?
Da
mesma forma a imunidade parlamentar – que defendemos, como defendemos as
liberdades laicas - imuniza Vereadoras (es), Deputadas (os) e Senadoras (es)
quando se manifestam de forma pública e intolerante dentro dos Parlamentos
acerca de temas como direitos civis de homossexuais ou sobre o aborto, usando
como justificativa sua fé religiosa? Ou quando ofendem, caluniam, difamam e
atacam líderes de movimentos por direitos civis de homossexuais ou de mulheres,
ou quando, usando de artimanhas ou prerrogativas regimentais, no uso de funções
públicas, deixam de tratar de temas que são do interesse destes segmentos
sociais?
É
isso que se supõe que as liberdades laicas garantam ao falarmos de liberdades
religiosas?
Certamente
que a resposta para estes questionamentos é NÃO! Isso é extrapolar os limites
da liberdade reivindicada.
O
fundamentalista religioso utiliza-se retoricamente do direito à liberdade
religiosa para, em nome da laicidade do estado, atacar, caluniar, difamar e,
tendo poderes, impedir o avanço da legislação que torne possível o pleno
exercício civil da liberdade sexual e da liberdade reprodutiva, no caso das
mulheres. Pior: utiliza-se de um discurso laico para uma prática confessional
que busca, em última análise, a construção de um estado cada vez mais
teocrático, cada vez mais fechado naquilo que consideram como verdade, como
princípio, como fundamento de sua religião e é justamente aqui que um religioso
comum se separa de um religioso fundamentalista.
Senão,
como justificar a presença não apenas dos símbolos religiosos, mas de bíblias
em sessões legislativas, em cerimônias públicas, em capelas de prédios
executivos, em hotéis, em escolas, não apenas no ensino religioso, mas em
muitos casos em leitura bíblicas obrigatória no início ou final dos turnos escolares?
Como
explicar a organização em bancadas religiosas no Congresso Nacional e sua ação
articulada no sentido não apenas de impedir avanços legislativos, mas na
promoção de retrocessos gritantes de direitos e garantias civis de gays,
lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais?
As
práticas fundamentalistas estão fixadas na certeza que têm seus praticantes de
que sua reação é esperada por Deus. De que sua missão é a erradicação dos
infiéis, a eliminação dos pecados por eles cometidos contra a Palavra de Deus
(o fundamento) e no ensinamento como única forma de redenção, motivo pelo qual
a educação está no centro da disputa para aqueles que buscam a imposição de
suas crenças.
Os
exemplos de para onde isso pode nos levar são fartos e variados na história
antiga e na história recente e não são proporcionados apenas pelos países do
oriente médio, como muitos supõem. Suas manifestações são recorrentes no
ocidente e na América Latina, na Ásia e na Europa, nos Estados Unidos e na
África e estão disponíveis em grande e extremado número.
A
ação dos fundamentalistas cristãos no Congresso Nacional, orquestrada
estrategicamente a partir da influência de igrejas radicais americanas que,
inclusive, financiam ações nas Américas e na África, em países como Uganda,
onde pentecostais americanos patrocinam, há vários anos, a disputa legislativa
que visa estabelecer lei para punir com a morte os homossexuais daquele país,
representa hoje uma ameaça concreta de cruzada moderna, de nova inquisição, com
proporções iguais as da idade média. E não se trata de ação espontânea ou
ingênua. É uma ação orquestrada, muitas vezes ensinada em congressos e
encontros internacionais, das quais Brasileiros têm participado em número e com
frequência cada vez maior.
Da
mesma forma a pregação do papa católico, falando em “descarte de vidas” ao
tratar do aborto, ou convocando as mulheres estupradas para que, inspiradas
pela palavra de Deus (a Bíblia), perdoem os estupradores e continuem com a
gravidez é um exemplo tão extremo de fundamentalismo quanto o ataque às torres
gêmeas pelos muçulmanos, que deixou o mundo perplexo em 2011.
Assim,
também, a lógica seguida pelos neo-pentecostais brasileiros da patologização
comportamental (do vício ou do costume) das práticas de relações não
heterossexuais ou a demonização das mulheres, responsabilizadas pela diminuição
de papéis sociais tradicionais para homens e mulheres dentro da família, que
conduz à retórica doutrinária que tenta aprovar a nível nacional leis
absolutamente contrárias aos direitos humanos constante tanto da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789,
grifo nosso), como da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Nações Unidas,
1948), quanto da Constituição Federal e de diversos tratados internacionais de
Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário.
Absurdos
jurídicos que vão do estatuto do nascituro (PL 478/07) que pretende dar
direitos a um embrião, retirando direitos da mãe sobre seu próprio corpo e
vinculando o estuprador à criança e à mulher estuprada, da cura gay (PDC 234/11,
retirado pelo autor, mas com promessa de voltar à pauta em 2015) que objetiva
modificar recomendação de entidade de classe, submetendo a ciência através de
legislação dogmática, passando por legislações municipais de obrigatoriedade da
leitura bíblica ao reconhecimento do “senhor Jesus como soberano do Município,
do Estado e da Nação”[5].
Kathleen
Taylor [vii] –
neurocientista americana, baseada em pesquisa feita em 2012, disse em junho de
2013, que existe a possibilidade de que, em futuro próximo, o fundamentalismo
religioso possa ser tratado como doença, já que provado uma disfunção do cortex
prefrontal medial dos fanáticos religiosos. Esta é a área do cérebro, segundo a
cientista, responsável por nos fazer duvidar de alguma informação recebida.
Ainda segundo a especialista, isso
justificaria o fato de que estas pessoas são incapazes de questionar
criticamente a informação que recebem, tornando suas crenças verdades
absolutas.
Independentemente
de toda esta polêmica e de estudos eugenistas sobre a origem da
homossexualidade ou do fanatismo pela religião, precisamos estabelecer
nitidamente que nosso debate em torno do Estado Laico não é um debate
religioso, ainda que, em muitos momentos, forçado pela ações e discursos
fanatizados, a religião esteja no centro deste debate. O debate é político e
disputa politicamente um espaço para a hegemonia da moral coletiva na
atualidade.
Não
podemos permitir que a religião seja motivo para adiarmos debates de fundo no
Brasil, como as questões da legalização do aborto, do uso de células tronco ou
embrionárias nas pesquisas científicas, do estudo do genoma humano, dos
direitos civis para homossexuais, das cirurgias de mudança de sexo para
transexuais, da educação sexual e para a diversidade nas escolas e tantos
outros temas que são relevantes e acabam, por interferência religiosa, se
tornando tabus intransponíveis.
Na
verdade as liberdades religiosas estão absorvidas na defesa das liberdades
laicas, são parte de sua essência, mas não são, ao contrário do que querem
fazer crer alguns, distorcendo sua conceituação, imunes ou isentas de
responsabilidade ou de limites.
Como
toda a liberdade ela finda quando ultrapassa a liberdade de outras pessoas. A
liberdade nos garante o direito de, dentro dos limites da lei, agir de acordo
com nossa própria determinação, desde que isso não prejudique outras pessoas,
tencionando, como é próprio do ciclo evolutivo, as leis quando estas nos
prendem ao passado, como foi o caso do voto igualitário para homens e mulheres,
das garantias civis para negros e negras e agora da legislação civil para
homossexuais.
Segundo
Kant[viii],
liberdade está relacionado com autonomia, é o direito do indivíduo fazer tudo
aquilo que a lei não proíbe. Essa liberdade só ocorre realmente, através do
conhecimento das leis morais e não apenas pela própria vontade da pessoa.
Aqui,
na análise dos conceitos de liberdade e moral, reside de fato todo o problema a
ser equacionado pela sociedade, através do Estado juridicamente organizado, nos
conflitos de origem moral que advém dos pensamentos filosóficos, culturais e
religiosos e que necessariamente, além de permanentemente conflituosos, são
reconstruídos (revistos, revisados) de tempos em tempos. É aqui que a disputa
realmente ocorre.
Para
equacionar este problema e nos colocarmos de um dos lados desta balança – que
pende para um lado ou para outro dependendo do momento político que vivemos -
precisamos fazer – e responder - a alguns questionamentos: A homossexualidade é
um mal social? Existe prejuízo de terceiros quando dois homens ou duas mulheres
ou um homem e uma mulher se relacionam afetiva e sexualmente? O Estado deve,
por força de lei, regular as relações afetivas e sexuais entre pessoas adultas,
capazes e independentes, ou isso deve ser apenas fruto da reflexão autônoma de
cada pessoas que, exercendo sua capacidade de decisão e movida por sua
liberdade, escolhe os caminhos que vai seguir?
Eu
diria, certamente que não, o Estado não deve intervir nestas decisões, ou
regular seu funcionamento. Já os fundamentalistas religiosos têm convicção que
sim. Segundo um dos seus representastes mais polêmicos hoje no Brasil [ix] as
“crianças aprendem pelo exemplo. A homossexualidade é um desvio de costume,
moralmente incorreta e, portanto, maléfica para toda a sociedade”. Segundo o
pastor, permitir que as crianças tenham contato com exemplos de
homossexualidade seria um desvio moral, prejudicial a sociedade e à família.
Aqui
os dois maiores campos de disputa, onde as liberdades religiosas e os direitos
sexuais e reprodutivos se chocam, desde sempre, aparecem nitidamente: o
conceito de família e a questão da educação.
A
educação sempre foi campo de disputa, inclusive constitucional, quando se
debate a laicidade do Estado. De 1824 aos dias de hoje, todos os textos
constitucionais debateram a laicidade, avançando, como nas constituições
republicana de 1891 ou no texto de 1946, ou retrocedendo, como na Constituição
de 1934 e de 1967-69 na questão da ocupação da escola por religiões e suas
doutrinas.
Mesmo
a Constituição de 1988, que debateu profundamente o assunto fez concessões no
campo da educação, colocando, em seu art. 210, parágrafo 1o, ”o ensino
religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental”. [x] (grifo
nosso).
Existe
uma contradição no texto, explorada de forma muito eficiente e intencional por
todos aqueles que defendem a religião como matéria importante para refrear o
espírito livre da humanidade, que é justamente a colocação de uma matéria
“facultativa” em “horários normais das escolas públicas”. Na prática o que
acontece é que a matéria se torna praticamente obrigatória, já que as escolas
não proporcionam alternativas para quem não quer assisti-la e, na maioria das
vezes, sequer sabe desta “faculdade” em estar na sala de aula (maiores detalhes
estão descritos em artigo publicado pela autora em livro resultante de
Seminário de Diversidade Sexual na Educação do Espírito Santo).[xi]
O
portal qedu.org, responsável pela divulgação dos dados da Prova Brasil, que faz
o diagnóstico da Educação em todo o País indicou, na pesquisa de 2011,
publicada em 2012 no site, que:
- em
51% dos colégios há o costume de se fazer orações ou cantar músicas
religiosas
- 49%
dos diretores entrevistados admitiram que a presença nas aulas das
disciplinas religiosas é obrigatória.
- 79%
das escolas não há atividades alternativas para estudantes que não queiram
assistir às aulas [xii]
Ou
seja: onde está, verdadeiramente, sendo oferecida uma opção às famílias e às crianças para que não
assistam às aulas de religião?
Outra
confusão recorrente é a ideia de que escolas confessionais (aquelas mantidas
por entidades religiosas) não teriam a obrigatoriedade de oferecer um ensino
laico. Isso é uma leitura não apenas tendenciosa, como absurda, já que o texto
constitucional não abre nenhum tipo de exceção, afinal se o Estado é laico a
educação deve, obrigatoriamente, também ser laica em todo o território
nacional.
Dar
permissão a uma escola ou universidade de confissão católica para que opere na educação pública, não lhe dá o
direito de fazê-lo doutrinariamente. A educação, mesmo nestas escolas continua
sendo laica e não há que se falar em proibição, por exemplo, de tratar de temas
como o aborto ou a homossexualidade. Da mesma forma, não podem os professores ser
obrigados a ensinar o criacionismo bíblico, desmentindo o evolucionismo, ou
serem obrigados a fazer, antes de cada período letivo, leituras bíblicas. A confissão
de fé, em escolas particulares de orientação confessional, pode ser um
princípio pelo qual a instituição se orienta. Mas a religião não pode ser uma
imposição ao corpo discente e docente.
O
mais curioso de tudo isso, quando falamos de educação laica é que a classe dos
professores já foi, em outros momentos históricos, uma defensora ferrenha da
educação e das liberdades laicas, mas hoje se omite frente a este importante
debate que ocorre no Brasil. Ou pior, temos hoje um conjunto expressivo de
professores que, por confissão de fé, fazem da sala de aula espaço de
doutrinação e pregação de suas convicções religiosas, muitas vezes omitindo-se
nos casos de bulling homofóbico e, em parte não insignificante de casos, sendo
os próprios agentes deste tipo de violência e opressão[xiii].
Da
mesma forma que na educação o conceito de família e todas as alterações que
este conceito vem sofrendo nos últimos dois séculos é terreno de disputa por
aqueles que querem impor sua fé sobre toda a sociedade. Para estes indivíduos
família é a união de um homem e uma mulher, da qual resultam filhos (vejam a
propagando do Partido Social Cristão no rádio e televisão durante o ano de
2012). Qualquer outra configuração, seja ela pela orientação sexual ou pelas
circunstâncias de vida daquele grupo familiar é desconsiderado.
Neste
arcabouço de possibilidades na constituição das chamadas novas organizações
familiares aparecem irmãos que são responsáveis pela criação dos menores, avós
que ficam com seus netos, famílias adotantes ou de relações homoafetivas, pais
divorciados e seus novos companheiros/as e filhos resultantes destas novas
relações, isso apenas para citarmos as situações mais comuns.
Contrariando
a evolução social, mas em absoluta conformidade com o que já fizeram no
passado, quando da discussão do divórcio, por exemplo, estes grupos se
organizam para, em nome da família tradicional, barrar todo e qualquer avanço
no direito destas novas configurações familiares, causando prejuízos,
inclusive, às crianças que vivem nestas novas configurações familiares e que
acabam ficando sem a proteção legal nos caso de morte de um dos companheiros
que seja detentor de patrimônio legal, por exemplo, ou de separação dos casais.
Os
exemplos de iniciativas legislativas que tentam barras os direitos civis de
homossexuais que usamos anteriormente são, na maior parte das citações feitas,
de caráter nacional e até internacional, como no caso da criminalização da
homossexualidade em Uganda. No entanto existem no Rio Grande do Sul iniciativas
de igual importância: O projeto do Dia do Nascituro, da Deputada Silvana
Covatti - PP, que tramita na Assembleia Legislativa (PL 126/2013) ou a proposta
existente na Câmara de Vereadores de Rio Grande transformando os cultos
evangélicos em “patrimônio cultural imaterial” (lei
ordinária n. 3408/2013, protocolado sob no. 72/2013 ) são dois exemplos
de projetos que seguem uma lógica (orientação) religiosa e que vêm sendo
multiplicados nacional e internacionalmente.
Existem
iniciativas da mesma natureza em vários estados e em diversos países, o que
demonstra a articulação que está por
trás destas iniciativas que, ao contrário do que muitos podem pensar, não são
inocentes ou de perspectiva meramente social. São, pode-se deduzir, articuladas
e têm um propósito definido: impor sobre toda a sociedade uma moral coletiva a
partir de princípios e fundamentos religisos
Seria
muito interessante ver a academia debruçada sobre este tema como objeto de
estudo, a fim de que pudéssemos, de forma consistente, subsidiar nossas
impressões com resultados científicos, demonstrando o quanto estas iniciativas
estão conectadas.
Considerando
todo o cenário exposto acima, é preciso que o movimento por direitos humanos,
em especial o movimento de mulheres, negras e negros e LGBTT estejam atentos e
articulados para uma reação igualmente coordenada. É preciso combater as
iniciativas legislativas que restringem o conceito de família à visão
tradicional (Estatuto da Família, PL 6583/2013), porque, em última análise,
visam barrar os direitos civis de homossexuais.
É
preciso apoiar iniciativas de avanços legislativos que equiparem
relacionamentos afetivos-sexuais homossexuais aos relacionamentos
heterossexuais de igual natureza, nos três níveis legislativos.
É
preciso combater os crimes de ódio e a violência sexista e homofóbica,
avançando, num primeiro momento, na legislação punitiva – através da aprovação
da Criminalização da homo, lesbo e transfobia (PLC 122 a nível nacional), mas
também de legislações anti-preconceito nos Estados e Municípios.
Mas
principalmente é preciso ocupar espaços de debate acerca da Educação para a
Diversidade nos Conselhos, nos Fóruns e na mídia (o que inclue as mídias
tradicionais, como rádio e televisão, mas também inclui as mídias sociais, como
blogs, comunidades e páginas na internet), reconquistando os espaços perdidos
no debate do Plano Nacional da Educação, após as conferências Nacionais, e
fazendo valer as diretrizes básicas por uma educação antiracista, não
homofóbica e contrária ao machismo e ao sexismo.
Mas
o mais importante é entender o quanto o debate sobre Liberdades Laicas e
Fundamentalismos Religiosos está no centro destas discussões e dos avanços ou
retrocessos que podem advir delas.
A
sociedade moderna passa, mais uma vez, por um período de disputa acerca do
conceito de laicidade. É nosso papel, enquanto movimento social, compreender as
nuances desta disputa, os atores e atrizes que dela participam e os cenários
fundamentais (no parlamento, na educação, no Judiciário e na mídia) onde esta
batalha ocorre. Precisamos combate com coragem e efetividade os abusos que
advém da utilização semântica utilitarista (sofismo) dos termos “liberdades
religiosas” ou “liberdades laicas” por parte dos pastores, padres e fiéis
fundamentalistas.
É
preciso entender que este embate com os abusos feitos em nome da religião não
fere a liberdade religiosa, como querem nos fazer crer, mas, ao contrário, se
constitui em ferramenta para a defesa desta mesma liberdade religiosa e da
fixação efetiva dos conceitos de Laicidade e de Liberdades Laicas na nossa
sociedade.
A
liberdade religiosa não pode ser utilizada como desculpa ou motivo para ferir
outras liberdades, como o direito à igualdade, à vida, à livre circulação ou à
manifestação pública de afetividade. A extrapolação da liberdade religiosa,
quando atenta contra os direitos humanos por preconceito, é crime e pode ser
tipificado quando faz apologia à violência, ao ódio, ou quando busca impor a invisibilidade
ou a inferioridade social de mulheres, de negros e negras ou de LGBTTs. É assim que o fanatismo religiosos deve ser
encarado e tratado pelos ativistas de direitos humanos: como crime
constitucional contra os direitos individuais[xiv].
Estejamos
vigilantes às disputas (macros e micros) que acontecem todo o tempo e sejamos
agentes das mudanças culturais, sociais, econômicas e religiosas que precisamos
para a construção da sociedade que almejamos. Onde possamos ser, como já disse
Rosa Luxemburgo, “Socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente
livres” [xv]. O
primeiro passo para isso é crer na laicidade como norma e na possibilidade de
convivência entre diferentes como meta. O segundo passo é não recuar em nossa
defesa da laicidade diante daqueles que avançam sobre ela para balizar suas
teses e suas argumentações, torcendo seu sentido para favorecer sua visão de
mundo.
I Ativista Lésbica Feminista – Militante da
Marcha Mundial das Mulheres e integrante do Fórum Gaúcho em Defesa das
Liberdades Laicas
[1] Estado Laico ou Secular: é um Estado que se mantém neutro em relação às
questões religiosas, pois compreende que a fé é uma questão individual
(Malavolta, Ana & Gil, Vanessa – Liberdades Laicas e a Vida das Mulheres -
Caderno de Formação Feminista da Marcha Mundial das Mulheres, 2012)
[3] Evolucionismo: Evolução, no ramo da
biologia, é a mudança das características hereditárias de uma população de uma
geração para outra. Este processo faz com que as populações de organismos mudem
e se diversifiquem ao longo do tempo. ...http://pt.wikipedia.org/wiki/Evolucionismo
[4] Criacionismo: crença na origem do Universo
como resultado de uma criação, normalmente por parte de uma inteligência
superior (ex.: Deus)http://pt.wiktionary.org/wiki/criacionismo
[5] Projeto de Lei Ilhéus – Bahia, questionado e
aguardando decisão do MP – mas existem iniciativas semelhantes em vários
municípios e em outros países, como em El Salvador.
[i] Processo Administrativo TJ-RS 0139110003480
- publicado na íntegra em www.liberdadeslaicasrs.blogspot.com.br
[ii] Dados extraídos da leitura de João
Bernardino Gonzaga: A Inquisição em Seu
Mundo, Editora Saraiva, 1994
[iii] RUETHER, Rosemary Radford – Fundamentalismos
Religiosos, out. 2003
[iv] RUETHER, Rosemary Radford – Fundamentalismos
Religiosos, out. 2003
[v] Para saber mais sobre o tema, ver textos de Pe. Helminiak (Daniel A.) e estudos de
John Boswell (Prof. e Historiador, Universidade de Yale) e de L. William
Countryman, Prof. Teologia - Novo Testamento em Berkeley - USA). O
Padre Helminiak teve um livro censurado pela Igreja Católica e que foi
proibido, por decisão judicial, de circular durante um tempo, em função das
revelações que fazia acerca da leitura e interpretação de textos Bíblicos pela
Igreja.
[vi] Silas Malafaia, pregação em curso dominical –
igreja do RJ, aos 18min15s (http://www.youtube.com/watch?v=_M9Z2Ad01xc, publicado em 11/06/2012).
[vii] ASP, E. RAMCHANDRAN, K. TRANEL, D.
Uniformitarianismomomomomomomo, religious fundamentalism, and the human
prefrontal cortex. Neuropsychology, vol. 26, n° 4, 2012
[viii] Pérez Jaime, Bárbara; Amadeo, Javier. O
conceito de liberdade nas teorias políticas de Kant, Hegel e Marx.
[ix] Silas Malafaia, pregação em curso dominical –
igreja do RJ, primeiros 10min (http://www.youtube.com/watch?v=_M9Z2Ad01xc).
[x] Constituição Federal, 1988 – art. 210
[xi] Pinel, Iran & Mendonça, Cristovam –
organizadores – Diversidade Sexual – Silêncio, Diálogo & Currículo:
Malavolta, Ana Naiara – Liberdade(s) Laica(s) e Fundamentalismo(s) Religioso(s)
na Educação, 2013.
[xii] www.qedu.org.br/ - prova Brasil 2011
[xiii]
Ver Artigo da autora em Pinel, Iran & Mendonça, Cristovam – organizadores –
Diversidade Sexual – Silêncio, Diálogo & Currículo: Malavolta, Ana Naiara –
Liberdade(s) Laica(s) e Fundamentalismo(s) Religioso(s) na Educação, 2013.
[xiv]
CF, artigo 5º. – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
[xv] Luxemburgo, Rosa - Frase atribuída à -
filosofa e economista marxista polonesa , alemã, tornou-se mundialmente
conhecida pela militância revolucionária ligada à Social-Democracia do Reino da
Polônia e Lituânia
sexta-feira, 11 de março de 2016
NOTA DO CNDM - Nenhum retrocesso na busca da igualdade de gênero
Nenhum retrocesso na busca da igualdade de gênero
Com perplexidade constatamos que o Senado aprovou em 09/03/2016, a retirada da perspectiva de gênero das atribuições da Secretaria Especial de Politicas para as Mulheres do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos e a singularização indevida do Pacto de São José como o único instrumento internacional com o qual o Brasil estaria comprometido. Tal decisão constitui barreiras ao exercício dos direitos sexuais e reprodutivos.
É com profunda indignação que vimos a publico denunciar esse fato e afirmar nossa total discordância, por considerarmos que afronta e ameaça à consolidação dos direitos humanos no Brasil.
É necessário denunciar que essa decisão do Congresso, na contra mão da história, vetou o uso do conceito de gênero, já incorporado em Declarações e Planos de Ação da ONU e em documentos oficiais, diretrizes e marcos legais do Estado Brasileiro.
Esse conceito, pilar na compreensão das desigualdades sociais entre homens e mulheres, indica que para além do sexo biológico, condicionantes culturais e sociais influem na forma como o masculino e o feminino se articulam em relações desiguais, bem como a outras dimensões da desigualdade social envolvendo orientação sexual e identidade de gênero.
Celebrando seus 30 anos de atuação pela afirmação dos direitos humanos das mulheres, o CNDM conclama pela rejeição desse posicionamento do Congresso que, se mantido, atingirá todas as brasileiras e afirma que está em mobilização junto às redes sociais e movimentos de mulheres de todo o país.