terça-feira, 31 de maio de 2016
Mais um para o bê-a-bá da Cultura do Estupro
*Por Karina Morais
Desde que nascemos somos construídas a naturalizar as opressões de gênero e a nos responsabilizarmos por toda e qualquer violência que nos acometa. Nos mandam fechar as pernas antes mesmo que nos compreendamos enquanto sujeitos, para domesticar nossos corpos e porque nossas fraldas também são atraentes a muitos homens (cruelmente não estou sendo irônica). Somos educadas a acreditar que nossa vestimenta, nosso vocabulário, a cor do nosso batom ou os horários que frequentamos os espaços públicos são aspectos que autorizam as agressões. A vítima é culpabilizada, ao passo em que também se sente culpada por não ter seguido à risca as convenções sociais e os limites da tolerância.
Territorializam e coisificam nossos corpos, somos socializadas enquanto mercadorias. As novelas, o carnaval, as propagandas de cerveja (e não só as de cerveja), a indústria cosmética, o turismo e os concursos de beleza reiteram isso e, cruelmente, somos habituadas a aceitar e a reproduzir discursos que corroboram com nossas próprias opressões. É interessante para a manutenção da hierarquização de gênero que, por sua vez, responde aos interesses do capitalismo. A busca insana por justificar as violências contra as mulheres – e aqui enfatizo os abusos sexuais – visa o controle sobre nossos corpos, nosso comportamento e nossa mobilidade no espaço público. A culpabilização da vítima é, sobretudo, uma ferramenta de dominação, de manutenção do poder. E quando eu digo de violência, me refiro para além das violências físicas, esta, por sua vez, é um agravante das psicológicas e simbólicas, que inclui as cobranças sexuais nas relações afetivas, a ideia de posse na monogamia, as piadas sempre “inocentes” e o assédio na rua, que nos faz caminhar olhando para os pés.
Ainda que se trate de um legado histórico, o sistema capitalista está intimamente ligado a essa atribuição de papeis sociais que se vale do controle de nossos corpos. Essa base social, organizada verticalmente por homens e para homens, não é uma criação exclusivamente desse sistema, mas o capitalismo a reinterpreta de acordo com seus interesses e conjunturas. Quando falamos de estupro, devemos compreendê-lo enquanto mais uma das tantas consequências de uma estrutura social e, por isso, parte de uma cultura, visto que se trata de uma lógica enraizada, propagandeada e naturalizada.
Segundo a Secretaria de Políticas para Mulheres, a cada 12 segundos uma mulher sofre violência no Brasil, e a cada 1h30 uma delas é morta, vítima de feminicídio. Isso significa que nos 60 minutos que decorreram enquanto eu escrevia esse texto, cerca de 300 mulheres foram agredidas fisicamente. Pasmem: trezentas! Segundo o último Mapa da Violência – publicado em 2015, cotejando dados levantados até 2013 – o Brasil é hoje o 5º país que mais mata suas mulheres! O Ministério da Saúde registrou que em 2012 o SUS recebeu em média duas mulheres por hora com sinais de violência sexual. Isso sem contar o sistema privado de saúde e, claro, sem contar as que não registraram qualquer tipo de queixa, seja por medo, descrença ou vergonha. Os números são alarmantes!
No ano passado foi desarquivado o Estatuto do Nascituro. O Estatuto obriga a mulher a manter a gravidez mesmo em caso de estupro, transforma o aborto em crime hediondo e prevê uma pensão que seria custeada pelo Estado ou, caso identificado o agressor, o mesmo arcaria com a pensão da criança. Afinal, “pai é pai”, né? Vejam que curioso, o mesmo autor do Estatuto do Nascituro protagoniza ainda outro Projeto de Lei, em que proíbe a distribuição e venda das pílulas do dia seguinte. Percebem o quanto a tal “Cultura do Estupro” se fundamenta institucionalmente ao passo em que coíbe nossa autonomia?! Ou preciso ainda lembrar que os mais influentes jornais SEMPRE veiculam nossas denúncias como “suposições”?! Ou ainda que as mais influentes universidades, públicas e privadas, mantém impunes seus alunos agressores?!
Confesso que este texto tem por impulso o ocorrido com a jovem de 17 anos, abusada sexualmente por 33 homens. São 33 homens que, ao atacar essa menina, atacou a todas nós. Eu poderia, no entanto, me prolongar por páginas a fim de embasar o que escrevo estatisticamente, cruzando dados que demonstrem que tudo o que aponto não se trata de casos isolados, mas de uma atroz realidade que nos mantém em estado de alerta 33 horas por dia. Por ela, por mim e por todas, para além de refletirmos sobre o caso – que é importante e necessário – faço um apelo para que reflitamos o quanto isso tudo está incutido em nosso cotidiano e o quanto temos por responsabilidade recriar uma sociedade onde não haja espaço para a recorrência de histórias como essa. Nós, mulheres feministas, nos recusamos a assistirmos inertes esse arraigar das violências e lutamos por um mundo onde não precisaremos mais nos perguntar quem ou quando uma de nós será violentada. Chega de disputar o ranking na matança de mulheres!
*Karina Morais é militante da Marcha Mundial das Mulheres em São Paulo.
segunda-feira, 30 de maio de 2016
Pornografia, a retroalimentação da indústria/cultura do estupro
Por Mahara Jneesh*
Muito tem se falado da “cultura do
estupro” depois do último acontecimento com a irmã de 16 anos no Rio, as
feministas já batem nessa tecla faz algumas décadas, e continuaremos!
Algumas coisas precisam ser lembradas nessa realidade bizarra que
vivemos dentro da cultura do estupro.
Quero falar sobre a cultura do estupro
institucionalizado chamada PORNOGRAFIA, mulheres sendo violentamente
agredidas por muitos homens é um dos gêneros mais assistidos na
pornografia que circula livremente na internet, é possível encontrar
muitos vídeos reais de estupro, existe uma modalidade só pra isso e
muito possivelmente os vídeos que circularam do estupro coletivo em
questão, já estão nessas listas nos sites pornográficos.
Se o amiguinho acha que faz parte da sua
liberdade individual ver um pornozinho as vezes, afinal, não está
agredindo ninguém, compartilhar vídeos também… sua semelhança com os 30
estupradores é notória!
Os altos lucros da indústria pornográfica
são proporcionais à violência que sofrem as mulheres cotidianamente.
Fazemos parte de uma geração que tem iniciado sua vida sexual através de
material pornográfico disponível na rede, significa que ao procurar por
corpos nus essa pessoa terá acesso logo em seguida ao pornohard que é a
modalidade mais assistida/vendida.
Ou seja, a normalização de situações
degradantes das quais mulheres são submetidas, tornam se também um ideal
de vivencia de uma sexualidade masculina em que cabe às mulheres o
papel de submissão. São homens se formando e modelando seus desejos
através da pornografia, acreditando em um livre acesso aos corpos das
mulheres que devem naturalmente sentir prazer ao sofrerem violência;
principalmente aquelas que andam de roupas curtas, ou no escuro, ou
sozinhas ou qualquer outra coisa que nunca irá justificar um estupro.
Estes mesmos sites pornográficos que
vendem violência, muita violência, também vendem um milhão de coisas
além da pornografia, promessas de melhor desempenho sexual e etc, etc…
muitas possibilidades de negócio são criadas através da apropriação do
corpo das mulheres, capitalismo e patriarcado continuam de mãos dadas
reinventando maneiras de dizer que somos livres enquanto nos aprisionam
cada vez mais. “Pornografia não é um amontoado de imagens aleatórias,
não é fantasia – fantasia acontece na cabeça, pornografia acontece nos
bancos internacionais do capitalismo. Dois lugares completamente
diferentes.” Gail Dines
*Mahara Jneesh é militante da Marcha Mundial das Mulheres em Minas Gerais.
domingo, 29 de maio de 2016
O sangue dos estupradores e nossa sede de justiça
Por Bruna Rocha*
Ódio. Nojo. Asco. Uma sede insaciável
de justiça e tão poucas ferramentas efetivas para alcançá-la na
institucionalidade. A primeira coisa que pensamos quando sabemos, ou
pior, quando VEMOS um caso de estupro bárbaro como o que ocorreu semana é
na potência de nossas próprias mãos.
A cultura do estupro é uma logística
social: uma sistemática brutalização de corpos e vidas. Vidas de
estupradores, vidas de estupradas, vida estuprada. Uma cultura, ou, como
diria Raymond Williams, “um modo inteiro de vida”.
Neste modo, inteiro modus operandi,
parte de uma estratégia perfeita se consolida: a manutenção de relações
de poder, do primitivo poder do falo, da dominação do corpo das mulheres
pelos homens.
Neste inteiro modo de vida, partes se
esfacelam pelo chão ou explodem pelo ar: partes de nossos corpos, partes
de nossas histórias, partes de nossa memória coletiva: PEDAÇOS!
Despedaçada também fica toda luta da
humanidade por outros marcos civilizatórios: marcos de vida e não de
morte, como os que reinaram até hoje.
Sim, a cultura do estupro é mais
cotidiana do que o audacioso caso dos recém-famosos estupradores
cariocas que publicaram sua carnificina abertamente no Twitter. Sim, a
cultura do estupro é mais antiga do que as novas tecnologias que dão
visibilidade aos (ainda poucos) casos que reluzem por debaixo das
pesadas cortinas da hipócrita moral brasileira. Sim, a cultura do
estupro começa na cantada, perpassa pelo “alisada na bunda” e pode
tranquilamente terminar em morte, porque esse é o modus operandi da
cultura do estupro.
Ele é sustentado por símbolos e por
estruturas concretas. Ele permite que as pessoas riam quando uma
mangueira de posto de gasolina estupra um adesivo de carro com a imagem
de uma presidentA da república. Sim, ele permite que um agente de
segurança pública negligencie uma denúncia: seja de uma dona de casa
sobre o marido ou de uma prostituta sobre o cliente.
Ele, esse modus operandi, esse riso,
esse agente, manda elas (nos manda) para casa, debocham e nós orientam a
resolvermos com nossos próprios homens. Pedem também que esqueçamos
tudo que aconteceu e volte pra nossa vida normal de estupros.
Mas veja que incongruência: como é que esquece que foi estuprada?
A cara daquele monstro com a língua pra
fora ao lado de sua vítima, os comentários legitimadores da barbárie e
todos os assédios nojentos que esse caso me remeteu não saem da minha
cabeça, imagina como não deve estar a cabeça dessa garota.
A grande questão é: depois de tanta dor
e sofrimento, como conseguiremos pensar solução pra nossa vida para
além da animalização que este e outros casos torpes nos imprimem
abruptamente? Como construiremos saídas que reprogramem este modus
operandi que esfacela nossa condição de humanidade, tendo no corpo das
mulheres sua grande arena de manutenção?
Os estupros nas cadeias seriam uma
solução? A lógica do olho por olho? Sim, essa é mesma a vontade de todas
nós num primeiro momento. Eu, como vítima, creio que não veria outra
alternativa racional, pois o estupro é uma lesão que opera mais profundo
do que na nossa carne, ela viola e estupra toda nossa subjetividade.
Nos usurpa a respiração, o discernimento, nos rouba a lucidez.
Mas como conseguiremos pensar para além
do enlouquecimento permanente de nossos corpos pelos estupros, tapas,
pontapés, cantadas, silenciamentos, desamores, ódios, misoginias,
brutalidades?
Vivemos um momento de profunda disputa
ideológica no Brasil. Muitas opiniões esdrúxulas vem sendo reproduzidas
sobre o caso do estupro dos 33 contra 1. Opiniões que ultrapassam os
limites do bom senso e da racionalidade política. O que foi o depoimento
daquele jovem loiro do MBL sobre o caso e quais são as saídas que ele
apresenta? Olha como o patriarcado racista é cruel ao querer dizer que
estupro é coisa de preto favelado e que as feministas que defendem os
direitos humanos legitimam esses bandidos que deveriam apodrecer como
ratos em penitenciárias.
Porque será que ele não fala dos
patrões que estupram as filhas das empregadas ou dos playboys das
baladas que se aproveitam de quaisquer situações de vulnerabilidade de
mulheres para chamar os amigos para uma lambança feminicida nos seus
carros importados?
Porque ele não fala de sua própria
trajetória enquanto menino branco e rico, socializado pela cultura do
estupro das nossas vaginas, do nosso trabalho, dos nossos ventres?
Sim, acabar com a cultura do estupro
passa por debater todas as relações de poder e tudo que é
permanentemente naturalizado pelas nossas instituições. Como é que o
debate da culpabilização da vítima pode ressoar ainda tão forte mas
veias de nosso tecido social, fazendo inclusive mulheres, mães de
família, as vezes nossas próprias mães relativizarem o crime mais óbvio?
Qual chave precisamos virar para fazer esse debate profundamente, não
apenas nas nossas auto organizações feministas, organizações de
esquerda, mas com o conjunto de setores (sobretudo os populares) da
sociedade brasileira?
Creio que é uma resposta que ainda não
encontramos, e que tem ficado cada dia mais difícil encontrar, sendo que
concorremos com a mídia fascista que naturaliza estupros nas novelas e
criminalizam as vítimas no jornalismo, com as igrejas que surgem em cada
esquina enraizando o fundamentalismo religioso castrador de ideologias
libertárias e com o grande capital, para o qual este sistema de
objetificação das mulheres mais parece uma máquina de caça níqueis na
frenética lógica acumuladora sustentada pela mercantilização de nossos
corpos.
Precisamos falar sobre a cultura do
estupro e tudo que vem junto com ela: operadores do Direito (à
manutenção dos privilégios), divisão (sexual) do trabalho, sistema
político (privatizado e machista), democratização d(os fins não
justificam)os meios de comunicação, reforma da educação (sexista,
racista, autoritária e lgbtfobica).
Não, não é à toa que o ministro da
educação de Temer tenha recebido Alexandre Frota para debater os rumos
da pátria estupradora. Sim, Brasil, pátria estupradora.
Escrevi este texto para dizer que este
caso brutal que ocorreu no Rio de Janeiro é o espelho do estado
brasileiro. Este Estado autoritário, por séculos dominado pela elite
estupradora de nossos corpos, riquezas e territórios. Esta elite tem as
mãos, os pés, os pênis e os amigos bem parecidos com o protagonista do
estupro coletivo que estourou essa semana no país. Este Estado, cuja
polícia estupra as periferias, as empreiteiras estupram as cidades, o
agronegócio estupra as sementes, o jornalismo estupra a informação, o
congresso nacional estupra a constituição e a direita derrotada estupra
54 milhões de votos com o adesivos sexualizantes e golpes políticos
costurado por cédulas roubadas do tesouro nacional.
Mas nem por isso, acho que devemos nos
organizar para a morte ou o estupro destes crápulas, não teremos tempo
pra isso e nem precisamos encostar nossas mãos sagradas neste sangue
podre. Tratemos de limpar nosso sangue e ganhar muito mais gente para
esse duelo de titãs, que é a luta de classe, raça e gênero no Brasil.
Entre a democracia e o fascismo, podem estar os 33 anos de Cristo
Crucificado, os 33 estupradores do Rio de Janeiro ou os 33 estupros de
hoje que nós nem sabemos ou sequer talvez conseguimos falar: porque foi
com nós.
Eu sei, irmãs, nossas gargantas estão
secas, mas o sangue envenenado das práticas dos homens nunca vão saciar
essa nossa sede histórica por um outro mundo. Sororidade. Feminismo.
Coragem. Somos a própria água que nos manteve vivas até hoje e que há de
nos fazer sobreviver. E vencer.
*Bruna Rocha é militante da Marcha Mundial das Mulheres na Bahia.
sábado, 28 de maio de 2016
Combater a violência sexista é enfrentar suas bases materiais (e castração não é solução!)
*Por Thaís Lapa
Me causa vergonha alheia ver
quem é de esquerda compartilhar matéria de castração química de
estupradores na indonésia achando bom, como solução pro problema da
violência sexual contra mulheres. Sabiam que é a mesma proposta do
Bolsonaro? Ele se reivindica um lutador por direitos humanos, e diz que
para os casos de estupro defende a castração química dos homens!
Embora isso lamentavelmente faça sentido pra alguns, tratar o
problema de homens estupradores como um problema de desejo sexual
exacerbado, incontrolado, e portanto doentio (que tem que ser atenuado
com a tal “castração química”) é negar todos os mecanismos de nossa
sociedade que produzem esses homens estupradores!
A mercantilização e hipersexualização dos corpos das mulheres, promovida desde a mídia/ propaganda até a prostituição, o tratamento dos corpos e sexualidade das mulheres como algo a serviço dos homens (não só nas ruas, mas dentro de casa também!), o ambiente de grande incentivo da ” virilidade” entendida entre os próprios homens como desrespeitar/ assediar/violentar mulheres, a legitimação dessas práticas em nossa sociedade, que se dá cada vez que uma violência acontece e arranja-se um jeito de colocar a culpa na mulher ao invés de responsabilizar o homem (cultura do estupro), são só parte dos exemplos de como potenciais estupradores são formados socialmente.
Não se trata de uma sexualidade masculina doentia, é uma sexualidade que se forja e se reproduz com base em relações de poder de homens sobre mulheres, perfeitamente sadia aos moldes do patriarcado. Assim, acabar com este tipo de prática envolve incontornavelmente enfrentar todos estes mecanismos sociais que produzem homens estupradores. Mecanismos estes que que são pilares do patriarcado e do capitalismo.
Quando dizemos que temos que não culpar as mulheres por estupro, mas ensinar os homens a não serem estupradores, estamos falando que o caminho realmente transformador é o de destruir as bases materiais que produzem a violência contra as mulheres! Ou seja, lutar por uma sociedade na qual as mulheres não sejam subjugadas e sub-remuneradas no trabalho (que tenham condições de acessar autonomia econômica), por uma educação não sexista nas escolas, pela partilha de todos os espaços de poder entre os sexos, pela liberdade das mulheres acessarem o espaço publico se sentindo num espaço seu e não dos homens, pela autonomia de decisão sobre seus corpos e sexualidade e que essa autonomia seja de uma vez por todas entendida como respeito às decisões das mulheres – aos seus nãos, ao seus modos de dizer sim com quem, quando é quantas vezes quiserem.
Mais autonomia pras mulheres e mas avanços no sentido da despatriarcalização do Estado, estas são pautas que nos cabem como feministas, como mulheres (e porque não também homens) de esquerda! Que sobre cada vez menos espaço pra esse debate terrível de castração química, que distorce o problema e que nada tem a oferecer pra construção de uma sociedade sem violências.
Mexeu com uma, mexeu com todas, SIM! Queremos justiça, SIM! Mas sem linchamentos, sem castração química ou qualquer dessas barbaridades! Lutamos cotidianamente para construir relações igualitárias. E seguiremos em Marcha até que todas sejamos livres!
A mercantilização e hipersexualização dos corpos das mulheres, promovida desde a mídia/ propaganda até a prostituição, o tratamento dos corpos e sexualidade das mulheres como algo a serviço dos homens (não só nas ruas, mas dentro de casa também!), o ambiente de grande incentivo da ” virilidade” entendida entre os próprios homens como desrespeitar/ assediar/violentar mulheres, a legitimação dessas práticas em nossa sociedade, que se dá cada vez que uma violência acontece e arranja-se um jeito de colocar a culpa na mulher ao invés de responsabilizar o homem (cultura do estupro), são só parte dos exemplos de como potenciais estupradores são formados socialmente.
Não se trata de uma sexualidade masculina doentia, é uma sexualidade que se forja e se reproduz com base em relações de poder de homens sobre mulheres, perfeitamente sadia aos moldes do patriarcado. Assim, acabar com este tipo de prática envolve incontornavelmente enfrentar todos estes mecanismos sociais que produzem homens estupradores. Mecanismos estes que que são pilares do patriarcado e do capitalismo.
Quando dizemos que temos que não culpar as mulheres por estupro, mas ensinar os homens a não serem estupradores, estamos falando que o caminho realmente transformador é o de destruir as bases materiais que produzem a violência contra as mulheres! Ou seja, lutar por uma sociedade na qual as mulheres não sejam subjugadas e sub-remuneradas no trabalho (que tenham condições de acessar autonomia econômica), por uma educação não sexista nas escolas, pela partilha de todos os espaços de poder entre os sexos, pela liberdade das mulheres acessarem o espaço publico se sentindo num espaço seu e não dos homens, pela autonomia de decisão sobre seus corpos e sexualidade e que essa autonomia seja de uma vez por todas entendida como respeito às decisões das mulheres – aos seus nãos, ao seus modos de dizer sim com quem, quando é quantas vezes quiserem.
Mais autonomia pras mulheres e mas avanços no sentido da despatriarcalização do Estado, estas são pautas que nos cabem como feministas, como mulheres (e porque não também homens) de esquerda! Que sobre cada vez menos espaço pra esse debate terrível de castração química, que distorce o problema e que nada tem a oferecer pra construção de uma sociedade sem violências.
Mexeu com uma, mexeu com todas, SIM! Queremos justiça, SIM! Mas sem linchamentos, sem castração química ou qualquer dessas barbaridades! Lutamos cotidianamente para construir relações igualitárias. E seguiremos em Marcha até que todas sejamos livres!
*Thaís Lapa é militante da Marcha Mundial das Mulheres do ABC, região metropolitana de São Paulo
sexta-feira, 27 de maio de 2016
Filhos saudáveis do patriarcado: a cultura do estupro e a naturalização da barbárie
Por: Paulinha Cervelin Grassi*
Em 1935, um jornal mexicano noticiou que um homem bêbado jogou a namorada numa cama e a apunhalou cerca de vinte vezes. Quando questionado pela polícia sobre o crime, o assassino respondeu que apenas foram umas “facadinhas de nada”. Sensibilizada pelo ocorrido, Frida Kahlo desenhou a cena do crime: o assassino com um punhal ensanguentado na mão e ao seu lado, o corpo nu da mulher marcado pelas facadas; o rastro de sangue está presente na roupa do homem, na vítima, na cama, no chão e alastra até mesmo a moldura da tela. O homem aparenta uma postura brutal no rosto e imobilizada no corpo. A pintora disse a uma amiga que pintou o assassinato com aquela aparência porque no México assassinar é algo bastante satisfatório e natural.
Fico pensando nessa menina perseguida, ridicularizada, ofendida, hostilizada, violentada por 30 homens no Rio de Janeiro… Será que ela não esperava que algum deles não fosse “consciente” para evitar essa crueldade? Não, não nos enganamos. O patriarcado, ao naturalizar da violência contra nós mulheres, cria muito bem seus filhos… Esses 30 homens não são doentes, são filhos saudáveis do patriarcado.
Como já alertou Frida, a violência naturalizada é satisfatória pra quem comete. Os vídeos, as imagens (com sangue escorrendo) que circularam na internet, traduzem essa satisfação masculina ao tomar nosso corpo como uma propriedade, como um objeto.
Aos homens surpresos com essa notícia, parem para pensar na sua construção, nas suas atitudes em consumir pornografia, em compartilhar fotos e vídeos de mulheres nuas/seminuas em grupos de Whatsapp, nas piadas machistas sobre nossos corpos, em achar divertido pegar “novinhas”. Percebam a cultura de estupro presente em suas vidas. Se defrontem com tal fato e parem para pensar quando acusam as mulheres feministas de radicais, exageradas.
A propósito, sobre a conjuntura nacional, a medida que retrocedemos nos direitos e na leitura de sociedade, abrimos cada vez mais espaços para a naturalização das barbáries.
#machismomata
Paulinha Cervelin Grassi é militante da Marcha Mundial das Mulheres no Rio Grande do Sul e artesã na Marias Lavrandeiras.
quarta-feira, 25 de maio de 2016
Fazer de cada lágrima um motivo de luta
Uma menina foi estuprada por 30 homens.
Foi filmada com a vagina sangrando e homens rindo ao fundo. O vídeo foi
favoritado por mais de 500 pessoas no twitter de um dos estupradores.
Ela estava completamente dopada. Dopada e violentada por 30 homens
diferentes.
Os comentários dizem muito sobre a
cultura do estupro. “Que doentes”, “que animais”. Eles não estavam
doentes e não são animais. São homens, relativamente saudáveis
psicologicamente, que vivem em uma sociedade onde as relações entre
homens e mulheres são pautadas por poder e submissão. Onde o território
das mulheres, que incluem seus corpos, é sistematicamente desrespeitado e
invadido. Que a violência atinge a todos e todas, isso é bem verdade.
O
capitalismo não poupa ninguém, mas homens andam pelas ruas com medo de
terem seus celulares roubados, carros e afins. Mulheres preocupam-se,
além disso, com seus corpos e suas vidas. Com os corpos e vidas de suas
amigas, suas mães, tias, companheiras.
Uma vez,num dia difícil, disse a uma
amiga que o mais difícil pra mim, é que a gente já nasce morta. Soa
hiperbólico, eu sei, mas é real para nós. Porque se vida tem a ver com
liberdade sobre os nossos corpos. Se vida tem a ver com liberdade de
escolhas, se vida tem a ver com autonomia, nós morremos no primeiro
choro. E morremos um pouco todo dia, quando as nossas são violentadas e
apagadas. Um pouco do exercício diário tem a ver com renascer. Fazer de
cada lágrima que se sucedeu um justo motivo para as nossas lutas! Em
frente!
*Fabiana Oliveira é militante da Marcha Mundial das Mulheres de Campinas-SP.
domingo, 22 de maio de 2016
Declaração internacional da Marcha Mundial das Mulheres contra o golpe no Brasil
Declaração internacional da Marcha Mundial das Mulheres contra o golpe no Brasil
O mundo inteiro assiste com raiva e tristeza o assassinato da democracia e da justiça no Brasil.
No último dia 17 de abril foi retransmitida desde a Câmara dos Deputados e em tempo real, a votação de abertura de processo de impeachment contra a Presidenta do Brasil Dilma Rousseff. Com argumentos baseados no desenvolvimento, na fé e nos valores tradicionais da família, muitos deputados estavam votando contra Dilma.
Legalmente este ato foi justificado com base em supostas acusações de violação da lei orçamentária e da lei de responsabilidade fiscal assim como de corrupção, sobre as quais não existem provas.
Com horror, soubemos no último dia 12 de maio que o Senado reafirmava o impeachment, levando ao afastamento de Dilma do governo durante 180 dias (período durante o qual se realizará a investigação). Com isso, o vice-presidente Michel Temer assumiu como Chefe do Estado e do Governo.
No Brasil, não está aberto um processo de impeachment: estamos presenciando um golpe de estado, disfarçado de legalidade. Trata-se de um golpe neoliberal, racista, patriarcal e lesbofóbico (ou heteronormativo), dos mercados contra o povo. As oligarquias e as elites econômicas, financiadas pelo capital transnacional, decidiram impor seu poder já que não puderam obter a vitória pelo voto.
O povo deu a Dilma mais de 54 milhões de votos porque não aceita o projeto golpista.
O chicote da direita mais radical não pôde esperar. Temer está em poder há menos de quatro dias e já apagou de uma só vez os avanços progressistas e as principais conquistas políticas do Partido dos Trabalhadores, eliminando os Ministérios da Cultura, das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, do Desenvolvimento Agrário, a Controladoria Geral da União, e ainda juntou os Ministérios da Previdência Social com a Fazenda. Temos presenciado como compôs seu governo e seu gabinete exclusivamente com ministros homens, brancos e velhos. E como a polícia já está usando a violência e a intimidação para reprimir os protestos que inundam as ruas de todas as cidades do Brasil.
O presidente ilegítimo já está anunciando a volta das políticas de ajuste estrutural (como o fim da política de valorização do salário mínimo, que tanto tem contribuído para a redução das desigualdades salariais), assim como uma reforma do sistema da Previdência Social.
Na política externa suas primeiras manifestações revelam um abandono da cooperação com América Latina, África e os BRICS, por considerá-la “ideologizada”.
No horizonte, vislumbram-se os tratados de livre comércio com os Estados Unidos e a União Europeia, assim como a privatização das empresas estratégicas.
Já há muito tempo vimos sentindo a crescente pressão da direita conservadora e neoliberal sobre os governos progressistas de toda a América Latina. Estes ataques ao povo são cada vez mais evidentes, e agora inclusive, podemos por nome e cara a seus executores, porque agora os golpes de Estado se vestem de falsa democracia e de justiça.
Como sujeitos políticos não vamos ficar indiferentes diante deste ataque à liberdade e à democracia. Assim, em aliança com outros movimentos sociais, brasileiros e internacionais, saímos às ruas para denunciar a ditadura da direita.
Nós, mulheres militantes da Marcha Mundial das Mulheres:
– Rechaçamos veementemente o golpe midiático-jurídico executado contra a democracia, assim como toda a violência patriarcal que é exercida contra a Presidenta Dilma
– Chamamos nossas companheiras de todo o mundo a exigir de seus governos que se posicionem firmemente contra o golpe no Brasil e a que não reconheçam o presidente em exercício Temer assim como qualquer outro indicado pelos atores do processo de impeachment.
– Pedimos que organizem ações públicas, escrevam cartas e mensagens aos meios de comunicação e ministérios de assuntos exteriores de seus países para:
1. Manifestar o repúdio ao golpe que ocorreu no Brasil no dia 12 de maio de 2016.
2. Exigir o imediato retorno da institucionalidade democrática do país, que inclui a recondução incondicional da Presidenta legítima Dilma Roussef
3. Exigir a anulação do falso processo de impeachment em curso no Brasil
4. Denunciar o apoio e a cumplicidade de organismos de inteligência norte americanos no golpe.
5. Exigir da presidência dos Estados Unidos, dos países da União Europeia e demais países que integram a OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – , uma posição contundente contra o golpe no Brasil, o que inclui a interrupção imediata de todo tipo de cooperação militar, diplomática e econômica.
6. Pedir a seus parlamentares que aprovem moções de denúncia e repúdio ao golpe no Brasil.
A solidariedade e a força de todas as militantes da Marcha Mundial das Mulheres está neste momento apoiando a luta de nossas companheiras no Brasil.
Em marcha sempre, companheiras!
quinta-feira, 19 de maio de 2016
segunda-feira, 16 de maio de 2016
AGENDAS PELA DEMOCRACIA
AGENDAS PELA DEMOCRACIA
Terça, 17 de Maio
17h – Evento nas Redes - STF pare o Golpe – envio de e-mails para os ministros do STF, através do portal de atendimento ao cidadão http://www.stf.jus.br/portal/ cms/verTexto.asp?servico= centralDoCidadaoAcessoInformac ao&pagina=sobreCentralCidadao
18h30min – Reunião do Comitê de Mulheres contra o Golpe, com a participação da professora Céli Pinto (UFRGS), no auditório do Sindbancários, Porto Alegre
21h - SARAU AUTORES NEGROS, com o poeta negritude sênior RONALD AUGUSTO e os tambores afro-gaúchos do ALABÊ ONI na canja. Na assistência, LUÍS AUGUSTO FISCHER, DIEGO GRANDO e KATIA SUMAN.. Porque, ao menos na literatura,
não vai ter golpe. Só talento, espaço e mistura. No Bar Ocidente.
Quarta, 18 de Maio
14h30min às 20h – Grafitaço Anti-Facismo, no Bonobo, na rua Castro Alves nº 101
18h – Reunião para debater o machismo e o fascismo dentro da UFRGS. Local: Fabico, na avenida Ramiro Barcellos. Organização: Coletivo de Mulheres da UFRGS. Porto Alegre
Quinta, 19 de Maio
18h - Concentração para Ato contra o Golpe - Esquina Democrática - Leva tua bandeira
19h – Caminhos pela Democracia – diálogo com o professor Marco Cepik (UFRGS) e Christopher Goulart (suplente de Senador do RS pelo PDT), na Feevale, em Novo Hamburgo
Sexta, 20 de Maio
19h – Ocupa Cidade Baixa, cortejo cultural organizado pelo Bloco da Diversidade. Concentração no Largo Zumbi dos Palmares, Porto Alegre
Sábado, 21 de Maio
9h – Reunião Nacional da Frente Brasil Popular, em São Paulo
9h às 14h – Encontro Universitário “Construindo a Universidade que Queremos”, no auditório da Fabico (UFRGS), Porto Alegre. Organização: Andes, APG, Assufrgs e DCE
Assessoria de Comunicação
NOTÍCIA
Neste momento já são 21 escolas estaduais ocupadas no RS pelos estudantes!