quarta-feira, 13 de maio de 2020

Jornada de Formação Feminista da MMM RS - Mulheres em luta contra a mercantilização da vida e da natureza




Olá a todas as marchantes,
Seguindo nosso compromisso com a Jornada de Formação Feminista da Marcha Mundial das Mulheres RS para a 5º Ação Internacional, e também dando sequência ao que assumimos como compromisso em estar compartilhando, apresentaremos durante o mês de Maio o 4º módulo da jornada, publicando uma série de artigos sobre ecofeminismos, feminismo e ecologia, feminismo e meio ambiente e etc. Os encontros estavam organizados em formato presencial, mas frente a Pandemia causada pelo Covid-19, estamos reorganizando as agendas e encontrando a melhor maneira de estarmos conectadas – virtualmente, e manter forte nossa rede feminista durante este período de distanciamento social.

Compartilhamos e lembramos da carta da MMM Brasil para a Cúpula dos Povos de 2012 (cúpulas que acontecem todos os anos em paralelo às COPs - Conferencia das Partes - da Convenção sobre mudanças climáticas da ONU)

Mulheres em luta contra a mercantilização da vida e da natureza (disponível em: http://mmm-rs.blogspot.com/2012/05/mulheres-em-luta-contra-mercantilizacao.html)


"A sociedade capitalista e patriarcal se estrutura em uma divisão sexual do trabalho que separa o trabalho dos homens e o das mulheres e define que o trabalho dos homens vale mais que o das mulheres. O trabalho dos homens é associado ao produtivo (o que se vende no mercado) e o trabalho das mulheres ao reprodutivo (a produção dos seres humanos e suas relações). As representações do que é masculino e feminino é dual e hierárquica, assim como a associação entre homens e cultura, e mulheres e natureza.
Na Marcha Mundial das Mulheres (MMM), lutamos para superar a divisão sexual do trabalho e, ao mesmo tempo, buscamos o  reconhecimento de que o trabalho reprodutivo está na base da sustentabilidade da vida humana e das relações entre as pessoas na família e na sociedade. Acreditamos que é possível estabelecer – e em alguns casos reestabelecer –  uma relação dinâmica e harmoniosa entre as pessoas e a natureza, e que as mulheres, com sua experiência histórica, têm muito para dizer sobre esse tema.

A MMM na Cúpula dos PovosNós estamos presentes na construção da Cúpula dos Povos como parte de um processo global de resistência ao capitalismo, que é patriarcal e racista e que hoje se expande cada vez mais para todas as esferas da vida.
Nosso objetivo com a participação nesse processo é conseguir, antes mesmo da Cúpula dos Povos, dar visibilidade aos processos de luta contra as falsas soluções e contra o capitalismo verde, cenário no qual estamos envolvidas em nossos países. E, a partir de uma posição feminista (antissistêmica e crítica), provocar um debate aberto para desmascarar as intenções das corporações transnacionais e de muitos governos em relação à economia verde, denunciando a ligação dessa proposta com o aumento da opressão das mulheres. Ao mesmo tempo, queremos dar visibilidade às propostas alternativas das mulheres para o bem viver e conviver por meio de nossa participação ativa e em aliança com os movimentos sociais.
Temos como ponto de partida os debates e as ações organizadas ao longo de nossa história como movimento, que estão sintetizados em nossos campos de ação, especialmente na questão dos bens comuns e dos serviços públicos.
Posicionamos o feminismo nos campos da crítica às falsas soluções e da crise ambiental, mas também para afirmar que o novo discurso capitalista, que hoje se traduz no termo ‘economia verde’, é o mesmo modelo de mercado que mercantiliza nossas vidas, nossos corpos e nossos territórios. Dizemos “não” às falsas soluções propostas pelo mercado e por seus agentes – como os créditos de carbono, os agrocombustíveis, os mecanismos de REDD e REDD ++ e a geoengenharia. Não aceitamos falsas soluções que só geram mais negócios e não mudam o modelo de produção, consumo e reprodução social.
Mas, também, afirmamos que as alternativas construídas e propostas pelos povos devem integrar uma dimensão geradora de igualdade. Para que as alternativas dos povos sejam globais e verdadeiras, devem contemplar a igualdade entre mulheres e homens, o direito das mulheres a uma vida sem violência e a divisão do trabalho doméstico e de cuidados entre homens e mulheres. Para isso, partimos dos conhecimentos que acumulamos na economia feminista e temos a sustentabilidade da vida humana como objetivo.
Esse debate de crítica ao capitalismo e ao desenvolvimento de alternativas não se realiza nos marcos institucionais da ONU ou em seus espaços de diálogo com a sociedade civil, que muitas vezes se restringem a adicionar cláusulas de gênero em seus tratados, em uma lógica similar ao que tem passado nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Acreditamos que o debate sobre alternativas só pode avançar com muito trabalho de conscientização junto às mulheres e em espaços de aliança com outros movimentos sociais que também se contrapõem e lutam contra o capitalismo, patriarcal e racista. Com esta perspectiva, estivemos presentes em vários espaços dos povos, paralelos às cúpulas oficiais como a COP (Conferencia das Partes) da Convenção sobre mudanças climáticas da ONU realizadas em Bali (2008), Copenhaguen (2009), Cancún (2010) e Durban (2011). Também participamos de processos construídos junto aos povos, em especial, a Cúpula dos Povos sobre Mudanças Climáticas e Direitos da Mãe Terra (Cochabamba, Bolivia, 2010) e no Fórum Social Temático Crises do Capitalismo justiça ambiental e social (Porto Alegre, Brasil, 2012).

5 de Junho: dia de mobilização internacionalConscientes da necessidade de gerar um processo mais amplo de crítica à economia verde, durante o Fórum Social Temático  realizado em Porto Alegre (RS), de 24 a 29 de Janeiro de 2012, a Assembleia de Movimentos Sociais definiu a construção de um dia mundial de ação comum: 5 de Junho, com o objetivo de mandar uma forte mensagem a cada um de nossos governos antes da conferência da ONU (Rio+20). Nessa data, que coincide com o Dia Internacional do Meio Ambiente, vamos destacar nossas posições, que são contrárias às políticas que servem às corporações transnacionais e implicam na mercantilização da natureza, de nossas vidas e nossos corpos, e afirmar nossas alternativas.
Como parte de nossas alianças, reforçamos nossos eixos comuns de lutas, decididos em 2011, em Dakar: contra as empresas transnacionais, pela justiça climática e soberania alimentar, pelo fim da violência contra as mulheres e contra a guerra, o colonialismo, as ocupações e a militarização de nossos territórios.

Rio+20: um olhar sobre o processo oficialEm janeiro de 2012, a ONU lançou o rascunho zero do documento preparatório para as discussões oficiais, intitulado ‘O futuro que queremos’. O documento tem muitos problemas: apresenta a economia verde e a participação do setor privado como solução para os problemas que eles mesmo criaram e criam; reafirma a Rodada de Doha da OMC, a declaração de Paris sobre cooperação internacional e a COP-17, todos acordos que reforçam o interesse das corporações. E, ao final, propõe como medidas concretas o estabelecimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Quem acompanha o tema chama a atenção de que isso é a repetição o que foram os Objetivos do Milênio – ou seja, acordos rebaixados que colocaram no lixo todos as negociações do ciclo de conferência sociais das Nações Unidas nos anos de 1990.
Nós da MMM Brasil nunca vimos com muito entusiasmo os resultados desse ciclo de conferências. Muito nos preocupa o contrato de acordos amplamente aceitos que criam as bases para novos negócios, como foi, por exemplo, o Acordo de Dublin e a posterior expansão da privatização dos serviços de água.
No processo oficial da Rio+20, há um Major Group de mulheres. Elas apresentaram suas contribuições para o rascunho zero em novembro de 2011. Nesse documento há considerações de medidas concretas com as quais em parte estamos de acordo – como, por exemplo, a proposição de medidas concretas para a rápida redução e eliminação dos subsídios a energias não sustentáveis (por exemplo, a nuclear); a afirmação do princípio de precaução; a necessidade de proteção aos sistemas de conhecimento tradicionais das mulheres indígenas frente a sua exploração pelas corporações. O grupo é critico do termo “economia verde”, propõe substituí-lo por “economia equitativa e sustentável” e descreve seus princípios. Além disso, as mulheres chamam a atenção sobre os limites do Produto Interno Bruto (PIB) como medida de bem-estar e propõem indicadores para avaliar os impactos de gênero.
Contudo, todas essas contribuições não aparecem no rascunho zero da ONU, que só faz uma referência genérica à desigualdade de gênero, mencionando que o desenvolvimento sustentável depende da contribuição das mulheres, que é necessário remover barreiras que impedem as mesmas de serem participantes integrais na economia e priorizar medidas que promovam a igualdade de gênero. O rascunho zero também incorpora a necessidade de desenvolver indicadores que contemplem de uma só vez o econômico, o ambiental, e o social.
Consideramos que uma análise restrita aos impactos diferentes de gênero pode se limitar a uma descrição dos impactos positivos e negativos de uma maneira fragmentada. Por exemplo, no ápice da globalização neoliberal, o aumento do trabalho remunerado das mulheres nas máquillas e a agricultura de exportação eram vistos como efeitos positivos: as mulheres tinham um rendimento próprio e por isso era mais provável que tivesse maior autonomia. Porém, havia também impactos negativos, sobretudo nas condições precárias de trabalho. Nessa lógica, se propõem medidas que equilibram os aspectos positivos e negativos. Mas nós priorizamos um olhar que analisa como o capitalismo faz uso de estruturas patriarcais no seu atual processo de acumulação e, por isso, construímos uma luta e resistência feminista e anticapitalista.
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!"



E, continuando as traduções dos textos da revista Madreselvas - Tecendo Ecofeminismos (disponível em <https://amigosdelatierra.org.ar/biblioteca/>), compartilhamos o manifesto das feministas Argentinas para o G20 de 2018, que ocorreu na Argentina e que, a partir desse encontro dos países mais "ricos" em seu território, a revista foi elaborada:

Feministas Decimos: manifiesto feminista contra el G20

"O que enche uma panela feminista? O que cozinhamos nas praças de nossos bairros, em nossas casas, nas beiras de estrada, nas entranhas de nossas organizações? Quem são os que sentam conosco à mesa? Aqui nós, feministas, mulheres dos bairros, trabalhadoras, professoras, mulheres, lésbicas, trans, travestis, bisexuais, não binárias, camponesas, imigrantes, afroargentinas e afrodescendentes e indígenas nos conjuramos contra o neoliberalismo das empresarias do W20. Desafiamos a meritocracia e a ideia de desenvolvimento do G20. Repudiamos sua ideia de inclusão em um mercado de trabalho a mercê das empresas transnacionais, da acumulação do capital e do poder financeiro. Decidimos NÃO. Não toleramos a militarização de nossos territórios, a doutrinação e treinamentos conjuntos das forças militares (armadas) latinoamericanas sob a direção norteamericana e das potências hegemônicas do G20, a instalação de bases militares yankees em nossos territórios, a cooperação em inteligência, intercâmbio e acumulação de dados cibernéticos para o controle de nossas sociedades e garantir com a violência estrutural seus lucros. Não aceitamos a criminalização da pobreza, do protesto, e o assassinato de defensorxs territoriais e lutadorxs com os quais pretendem amedrontrar-nos, para domesticar nossas rebeldias. Não são nossos povos, nem somos nós as que solicitamos seus préstimos e seus créditos. São os governos lacaios. Não estamos dispostas a viver endividadas e cansadas, a vida toda de empréstimos, presas a aluguéis usurários, arrendando terras alheias, habitando quartos incertos e casas precárias, correndo atrás do sonho inalcançável de convertermo-nos, um dia, “com perseverança e esforço individual” em empreendedores transcendentes, alienando-nos, pisoteando-nos perdendo nossas raízes e nossas irmãs no caminho. Aqui nós, com a memória longa de nossos povos indígenas, povos originários, ancestralidades negras e afrodescendentes, com a radicalidade,  trava furiosa e irmanada, sabemos que ninguém se salva sozinha, que sua ideia de progresso não nos encontra, e sua inclusão, através de migalhas, a este sistema, tampouco. Sabemos que nossa força é elevar-nos a viva voz e de corpo desejante, abrindo caminho ao andar coletivo, acumulando força como movimento feminista contra o heteropatriarcado, contra o racismo, contra a recolonização de nossos territórios, nossos corpos e nossos saberes. Porque agora é quando. Resistimos aos genocídios dos povos indígenas, ao trânsito forçado de povos escravizados a nosso continente, às ondas repressoras à classe trabalhadora organizada, à perseguição e criminalização da imigração, aos feminicídios e aos crimes de ódio a lésbicas, trans, travestis e outras identidades dissidentes. Resistimos às múltiplas violências contra as mulheres e as pessoas LGTBIQ nas casas, locais de trabalho, escritórios e nas ruas que esse regime racista e heterosexual tem contra nós. Resistimos à ditadura cívico-militar, a longa noite dos anos noventa. Aprendemos em nossas resistências que não estamos sós, que juntxs somos poderosxs, que somente a ação coletiva nos libera. Numeráveis vezes nos reunimos ao redor de uma panela popular, em uma horta comunitária, em um refeitório comunitário, para disfarçar a fome de nossas famílias, quando já não havia maneira de sustentar o lar, quando cada uma em sua casa já não via um horizonte.
Soubemos que entre todas ainda era possível encher uma panela e garantir uma refeição, que era possível conseguir alimento. Encontrar-nos, então, era um desafio ao racionalismo capitalista, era rebelar-nos contra o lugar de força de trabalho excedente que nos havia designado o sistema. Era encontrar-nos nas panelas das pontes e bloqueios de estrada dos movimentos de piquetes. Não acreditávamos no “salve-se quem puder”. Semeamos esperança, nos reconhecíamos nxs outrxs, começamos a entretecer opiniões, nos acompanhamos na adversidade, pensamos nossos grandes e pequenos problemas juntas. Ali, nas panelas populares, nos piquetes, nas assembléias, nos espaços de formação feminista buscamos respostas às violências cotidianas que vivemos, aumentamos nossa força, elaboramos estratégias coletivas de sobrevivência, praticamos a escuta e nos alimentamos como pudemos a nós e a nossxs filhxs. Aqui nós, cozinheiras e bruxas, construímos autonomia. Fartas de que nos digam de que maneira viver, como pensar, como fazer as coisas, a quem e como amar, inclusive como lutar.
Queremos no mundo o lugar que nos corresponde. Exigimos nosso direito a decidir sobre nossos corpos, nossas vidas, nosso estar no mundo. Porque nossos desejos não cabem em suas urnas eleitorais, nem nas gavetas dos burocratas, nem nos cabides de seus closets. Porque à igreja católica apostólica romana, às igrejas evangélicas e a todos os dogmas que tentam controlar-nos e subjugar-nos  com sua moral patriarcal horrorosa, suas lógicas capitalistas e suas atitudes colonialistas, lhes dizemos que estamos a fim de ser livres, mulheres, travestis, lésbicas...Nós, guerreiras, loucas, raivosas, fazemos revoluções, trancamos o passo violento dos que mandam, condimentamos com fúria nossas lutas e, cozinhamos nas panelas plebéias, com um trabalho real, passado e presente, com a longa memória de nossas ancestrais, o aqui e agora do mundo que nos faz falta. Como já o diziam nossas companheiras anarquistas a fins do século XIX: “ Exaustas já de tanto e tanto pranto e miséria, exaustas do eterno e desconsolador quadro que nos oferecem nossos desgraçados filhos, exaustas de pedir e suplicar, de ser joguete, o objeto dos prazeres de nossos infames exploradores ou  de vis maridos, decidimos levantar nossa voz no concerto social e exigir, exigir dizemos, nossa parte de prazeres no banquete da vida!” "

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