Em 2020, a celebração a Tereza de Benguela terá um caráter ainda mais especial. Nós, mulheres negras, somos linha de frente ao enfrentamento de um vírus mortal, que dizima a população negra aqui no Brasil, que realça ainda mais o racismo estrutural preexistente e que rasga o véu do machismo que violenta e mata as mulheres dentro das suas próprias casas.
E qual nosso papel nesta linha de frente? Somos nós, quem organiza o cuidado, a busca por soluções coletivas. Somos nós que compomos o corpo da Enfermagem brasileira, que é preta, e que cuida da população neste momento de dor, de luto e de perdas. Somos nós, quem tem majoritariamente organizado coletas de alimentos e doações nas comunidades, frente ao descaso da gestão pública no combate a fome e a miséria. Somos nós, que não tivemos o direito a #ficaremcasa, quando não tínhamos comida na mesa e tivemos que ir pra faxina pra sustentar os nossos. Somos nós, que tivemos que expor nossos corpos pretos a riscos, por falta de máscaras, álcool gel nas comunidades, para pegar ônibus lotados, para poder garantir que nossas crianças não passassem fome.
As mulheres, e especialmente as mulheres negras foram vítimas desta pandemia, sim. Porém, ao mesmo tempo, estamos sendo protagonistas de um cenário de luta e resistência jamais visto. São meses de enfrentamento, são meses de resistência. Sobre a morte das pessoas no cenário de pandemia, relembra muito o período de escravização no Brasil e por isso, trazemos luz a esta pauta em homenagem as mulheres negras. São os homens negros as grandes vítimas fatais da pandemia. Assim como ocorria no passado. E são estas mulheres, mães negras, viúvas que ficam a mercê do estado, com o seu luto solitário, desassistência, medo e dor. Assim como no período escravagista, seguimos não na senzala, mas nos piores lugares para habitar, sem saneamento, sem água potável, sem dignidade para viver.
Ser mulher e negra em 2020 é um ato de rebeldia, estar viva é um ato revolucionário. Proteger os nossos e prevenir mortes é o grande desafio.
Mas não se iludam, ainda somos maioria.
Eles nos chamam de minorias excluídas. Somos 54% da população brasileira, força braçal e intelectual deste país. Não nos subestimem, afinal resistimos há 5 séculos o vosso racismo e ódio.
Não há o que temer? Não deveríamos, mas por sabedoria, usemos de nossa inteligência e sagacidade para sobreviver.
A auto-organização das mulheres e o feminismo, tem abraçado as mulheres pretas. Muitos debates têm surgido e sido proveitosos pra nossa transversalidade, visto que o racismo assim como o machismo são estruturais. Algumas negam o conceito de feminismo negro. Acredito que, por ser transversal, nossa unidade como conjunto de mulheres é muito importante. Ao mesmo tempo que nossos recortes étnicos e de gênero também são, para garantir que as peculiaridades não passem despercebidas.
Dito isso, relembro que num viés inadequado e machista a gestão federal do governo Bolsonaro não assinou documento para garantir direitos sexuais das mulheres, em julho de 2020.
E Por que não? A política federal estruturada numa lógica machista, se sustenta sem dar explicações a população, afinal, não há ditadura, porém a sombra do FASCISMO nos rodeia.
Certamente vamos longe nesta briga, mas assim como Teresa de Benguela, pretas, pobres, brancas, lésbicas, trans resistiremos. Porque o que nos une não nos afasta. Vencer o medo, enfrentar a dor, resistir, mudar o mundo.
O que deixaremos para quem no futuro olhar pra trás? Aquelas mulheres enfrentaram o Corona vírus 19, o governo Bolsonaro, o machismo, o racismo, a miséria e a fome e SOBREVIVERAM!
Vivas nos queremos!
Viva Tereza, viva Marielle, Viva Dandara, Viva Dilmas, Viva Beneditas, viva Marias e Carolinas e a todas nós, negras, latinas e caribenhas !
* Gerusa Bittencout é enfermeira graduada pela Universidade de Santa Cruz do Sul, Atualmente trabalha como coordenadora da Unidade de Saúde Modelo, em Porto Alegre e faz Mestrado em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS.
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