Shamsia Hassani retrata a força, os desejos e a dor das mulheres afegãs em grafites pelas ruas de Cabul e do mundo. |
Cláudia Prates**
Em
agosto de 2021 o mundo voltou a olhar para o Afeganistão depois da retomada do
poder em todo o país pelo Grupo islâmico Talebã e a fuga dos Estados Unidos,
deixando à própria sorte milhões de pessoas, sobretudo mulheres e crianças. Um
povo assolado por guerras perpetradas por Estados imperialistas desde 1979.
Infelizmente, são as mulheres, crianças e idosos os principais alvos dessas
violências de guerras, como os sequestros, os estupros, a escravização sexual,
a fome, as doenças, o abandono, tortura e a morte. Em que pese as conquistas
das mulheres afegãs nesses últimos anos na luta por mais direitos, das quais
elas são as protagonistas, estamos vivenciando momentos terríveis, assombradas pela
ameaça de aprofundamento dessas violências por governos de orientação misógina.
Temos consciência dos limites dessa análise pelos filtros da luta ideológica
hegemonizada pela versão do Norte global que afetam as informações que chegam
até nós, apesar da internet, ainda que ela própria seja um meio controlado. Fazemos
essa ressalva porque corremos o risco de olhar para um mundo do qual não
conhecemos usando as ferramentas de análise que dispomos. Por mais que nosso
ativismo feminista, antirracista e anticapitalista nos aproxime de um olhar
crítico à dominação colonialista do Norte global sobre os países do Sul global,
precisamos estar atentas para não reforçar estigmas e preconceitos ocidentais
sobre as mulheres muçulmanas. Nossa luta é comum contra o discurso misógino, contra
as interpretações sexistas e patriarcais das religiões contra nosso direito
humano à igualdade, direito à educação, à sexualidade plena, a uma vida sem
violências de nenhum tipo. Nossa aliança feminista é em favor dos direitos à
autoafirmação dos povos e no interior dessas culturas, a luta contra as
desigualdades e hierarquias naturalizadas. Nos unimos às nossas companheiras no
mundo para desconstruir releituras misóginas e sexistas do sagrado para impor
uma vida de subordinação e violências. Nossas lutas enfrentam visões
colonialistas, racistas e machistas. Nossa solidariedade é sustentada no
respeito e na consciência de que não detemos a palavra final, nem tampouco a
verdade sobre o que acontece no Afeganistão. Estamos sujeitas a esses limites
historicamente definidos por barreiras invisíveis construídas pela hegemonia da
cultura etnocêntrica, masculina, branca e colonizadora do ocidente. Apesar do nosso
ponto de partida estar nesse lugar ocidental, podemos e devemos nos associar ao
combate e denúncia dessas violências provocadas por conflitos e guerras onde
nossos corpos são os alvos, numa aliança com o patriarcado.
Embora
o patriarcado se expresse de forma muito articulada com sistemas de poder como
o capitalismo, o colonialismo, o racismo ou as hierarquias religiosas, vemos ao
longo da história da Humanidade que o patriarcado vai se adaptando às
transformações sociais e políticas para manter como eixo de sustentação do
poder a dominação e o controle dos corpos e da sexualidade feminina. São
poderes e guerras controlados pela ideologia da supremacia dos homens sobre as
mulheres. Essa realidade afeta as mulheres em todo o mundo. É possível dizer
que na maior parte das sociedades contemporâneas os direitos de grupos são, de
fato, antifeministas. E isso também envolve sociedades ocidentais, onde a naturalização
das violências contra as mulheres se expressam nos ambientes públicos, na vida
doméstica ou familiar.
A
realidade de nossas irmãs afegãs expõe de forma brutal a realidade de direitos
individuais que são retirados de todas nós em muitos lugares do mundo (ir e
vir, estudar, trabalhar fora, ter seu próprio salário), assim como o direito de
controlar sua sexualidade ou decidir sobre a vida reprodutiva (casamento, ter
ou não filhos, custódia dos filhos, divórcio, aborto, salário ou patrimônio
familiar). Como ideologia, o patriarcado define práticas culturais violentas sobre
as mulheres ao longo da História. Esse sistema de poder, que tem mais de 5 mil
anos, se manifesta na organização familiar, nas relações econômicas, nas
instituições de poder, nas definição de leis (laicas ou religiosas), pelas
burocracias religiosas, pela hierarquia, pela naturalização da subordinação. Ao
longo da história humana, o patriarcado vem se transformando e se aliando a sistemas
de poder político, econômico e religioso. Seja no caso dos estados teocráticos,
seja no caso de democracias liberais e capitalistas, no ocidente.
No
livro “A criação do patriarcado”, Gerda Lerner, explica que foi por volta do 3.000
antes da era Cristã que foram identificados os primeiros registros de vida em
sociedade que se baseavam em conflitos e guerras, onde as mulheres dos povos
derrotados eram estupradas, subjugadas e levadas como escravas sexuais, como
troféu e marca da supremacia e poder dos vencedores. Os homens dos povos
derrotados eram mortos. É nesse contexto histórico de imposição pela violência
e pela força que o modelo da hierarquia masculina nasceu e foi sendo adaptado
às várias formas de interpretar e definir a organização social ao longo de
milhares de anos. A história de formação das sociedades no mundo é uma história
contada por homens patriarcais em que a liberdade de uns é forjada na
subjugação das mulheres, sobretudo pelo controle de seus corpos e de sua
sexualidade. Por isso é importante perceber que o patriarcado não age sozinho.
Está em aliança com sistemas produtivos baseados na exploração humana, como é o
capitalismo e as guerras em nome dele. Com as hierarquias religiosas, em geral
comandadas por homens, interpretações morais legitimam a subordinação e
violência contra as mulheres. Para o patriarcado, a guerra sempre é um elemento
fundamental de consolidação do sistema de poder. Mas não estamos generalizando,
pois se trata de denunciar um tipo de masculinidade que se sustenta pela
violência, pelo uso da força para exercer o poder, que naturaliza a hierarquia
e a opressão, impondo suas vontades à força. O machismo que existe no mundo é a
expressão desse tipo de ideologia que desrespeita as mulheres, suas vontades,
seus desejos e o direito a uma vida autônoma. É o tipo de homem que se impõe
pela força, pelas ameaças, pelas armas.
A
realidade brutal enfrentada por nossas irmãs afegãs chama a atenção para o
papel do patriarcado no mundo. O esfacelamento daquela sociedade coloca em
evidência o “lugar” específico em que o patriarcado nos quer, seja na família
ou na sociedade. A agenda antigênero, reacionária e misógina também vem
assolando os países ocidentais patrocinados por grupos políticos racistas,
neonazistas, autoritários, armados e militarizados com novos arranjos de poder
sustentado pela extrema direita cristã espalhada pelo ocidente. A aliança internacionalista
das mulheres é fundamental. Precisamos denunciar os retrocessos e as violências
que ameaçam as conquistas fruto das lutas das mulheres afegãs, assim como a
ameaça heteropatriarcal misógina, autoritária, capitalista e racista que ameaça
as mulheres no mundo Ao contrário de uma versão colonialista, disseminada pelo
mundo ocidental, as conquistas das mulheres afegãs não é resultado da bondade
do poder invasor, mas do protagonismo e das lutas delas no contexto da
realidade cultural e religiosa em que vivem.
A
questão religiosa é um ponto importante na aliança do patriarcado. Precisamos
romper com um olhar ocidentalizado que desrespeita a realidade de lutas das feministas
afegãs que seguem os preceitos do pensamento islâmico. Assim como as feministas
cristãs (no Brasil), assim como as mulheres da matriz africana, as mulheres dos
povos indígenas originários vem lutando para mostrar que o heteropatriarcado
religioso tenta impor pela força uma ideia de sujeição e obediência,
distorcendo visões do sagrado. Somos solidárias às lutas das feministas
islâmicas que questionam visões tradicionalistas e hierárquicas e lutam pela
revalorização da identidade das mulheres muçulmanas, numa dinâmica de lutas
pela igualdade e respeito, contra visões essencialistas, estereotipadas, de
subalternidade cultural e colonialista.
Nosso
desafio é buscar esse diálogo respeitando nossas diferenças culturais lutando
contra o patriarcado, o capitalismo e o racismo. Cremos que é possível estabelecer
um diálogo respeitoso com as nossas irmãs afegãs porque não se trata de julgar
ou discutir os preceitos relacionados à fé, à espiritualidade ou à relação das
pessoas com a transcendência e as ancestralidades que organizam a diversidade e
distintas visões de mundo. Mas de denunciar a forma como historicamente o
patriarcado e as hierarquias religiosas vêm construindo arranjos de poder
sustentados por interpretações dos acontecimentos sociais por homens que detém
o poder. Apenas para situar um exemplo, o feminicídio no Brasil é mais elevado
do que no Afeganistão. De acordo com dados do Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), os países que mais mataram mulheres
no mundo em 2020 foram: El Salvador, Colômbia, Guatemala, Rússia e Brasil. Esse
paralelo mostra que aqui no Brasil vemos homens (e mulheres também) onde defendem
um conservadorismo religioso e patriarcal quer que achemos natural e que
silenciemos diante de um cotidiano de violências físicas, morais ou econômicas.
Por isso, quando abordamos a questão religiosa, não estamos falando da
concepção do Sagrado como concepção de vida.
Precisamos
nos unir para denunciar como e por quem
as histórias dos povos vêm sendo contadas ao longo dos séculos e quais interesses
de poder atendem. A aliança patriarcal, capitalista, religiosa e colonialista
quer o controle sobre o corpo e a sexualidade das mulheres. No caso brasileiro,
por exemplo, o racismo gerado por essa aliança coloca sob risco permanente a
vida das mulheres negras, indígenas e migrantes pela exploração de seu
trabalho, seus corpos, usurpação de seus territórios, pelos assassinatos
diários de seus filhos e parentes, pelo desemprego, a fome e a miséria que o
governo racista e misógino de Bolsonaro e seus aliados oligarcas no Congresso e
no mercado financeiro estão impondo para a maioria da população brasileira,
destruindo tudo, sem se importar com a vida das mulheres.
Esse
paralelo tem o objetivo de reforçar que nossas lutas são pelo direito universal
à igualdade, pelo respeito e autonomia sobre nossos corpos, contra as opressões
e desigualdades que atingem as mulheres em todo o mundo. A misoginia predominante
nas interpretações patriarcais das religiões colocam as mulheres em perigo em
todo o mundo. Estamos em solidariedade permanente com nossas companheiras
feministas afegãs, sírias, palestinas, mulheres africanas, latinas, negras,
indígenas, mulheres antirracistas, anticapitalistas, mulheres feministas que
reivindicam o direito de manifestar suas identidades como mulheres onde a
espiritualidade é parte constituinte do ser, sem que isso signifique se
submeter a interpretações patriarcais, colonialistas e misóginas sobre a
relação com o Sagrado. Nossa solidariedade deve ser uma relação de troca, de
denúncia e acolhimento da forma que for possível. Reforçar as lutas e
resistências que elas vêm empreendendo.
Não sabemos o que vai acontecer. A cada dia as informações são mais aterradoras pelo nível de violência e descontrole provocado por conflitos, bombardeios, atentados e guerras intermináveis. Nossa luta contra o patriarcado capitalista e misógino é internacional. Porque se trata de enfrentar o crime organizado, de comércio ilegal de armas, de drogas, de corpos humanos femininos escravizados no ocidente e oriente que ganham muito dinheiro no sistema financeiro mundial. As violências que estão acontecendo no Afeganistão afetam diretamente as mulheres e seus filhos, sustentam o sistema capitalista financeiro, em sua nova fase devastadora. A guerra e a destruição dos povos está nas entranhas de sustentação do capitalismo financeiro em seu momento atual. É o capitalismo que gera e se alimenta dessas guerras, que no fundo, são guerras contra as mulheres e sua memória ancestral. Nossa luta é comum contra a exploração dos nossos corpos, contra o capitalismo e o heteropatriarcado. Por uma nova sociedade sem violências, de respeito entre mulheres e homens, de respeito às nossas diferentes culturas, compartilhando valores universais de paz e igualdade, estamos unidas com nossas irmãs afegãs.
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!
Resistimos para Viver, marchamos para transformar!
Nós Mulheres pela Esquerda no Planeta Terra unidas por dignidade de todas, nenhuma a menos!
ResponderExcluirBom, o Brasil piorou muito. Com o vigarismo da religião cujo nome é Petismo. Favoreceu bastante os bancos.
ResponderExcluirMas há algo mais. Eis:
Necessitamos muito de bons hospitais. E escolas boas para os curumins.
Precisamos de alta-cultura. Alta literatura; Kafka, Drummond, Dostoievski, Machado de Assis, Aluísio Azevedo do Maranhão. De arte autônoma. E educação verdadeira nas escolas dos pequenos. O que não houve.
O Brasil vive consequência de nosso passado político bem atual (2 décadas).
Fome, falta de moraria, atraso, breguices, escolas ruins, falta de hospitais: concreto…
O resto são frasinhas® poderosas:
Eis aí a pura e profunda realidade sociológica e filosófica:
A “Copa das Copas®” do PT® em vez de se construir hospitais, construiu-se prédios inúteis! A Copa das Copas®, do PT© e de lula©.
Nada se fez em 13 anos para esse mal brasileiro horroroso. Apenas propagandas e propagandas e publicidade. Frasinhas.
Qual o poder constante da propaganda ininterrupta do PT®?
Apenas um frio slogan, o LUGAR DE FALA do Petismo® (tal qual “Danoninho© Vale por Um Bifinho”/Ou: “Skol®: a Cerveja que desce Redondo”/Ainda: “Fiat® Touro: Brutalmente Lindo”). Apenas signos dessubstancializados. Sem corporeidade.
Aqui a superficialidade do PETISMO®:
Signos descorporificados. Sem substância. Não tem nada a ver com um projeto de Nação. Propaganda:
Nem tudo que é legal é honesto. O PT® nos induz ao engodo com facilidade.
O PT é brega, cafona, barango e o Kitsch político. Além de ser truculento e falso. Utilizar de tudo quanto é artimanha publicitária para enganar as pessoas constantemente, eis aí o jeitão petista de ser (não é durante eleição não. É sempre o ano todo!).
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