Analine Specht e Cláudia Prates, da Marcha Mundial de Mulheres, questionam a valorização da vida defendida pela Campanha da Fraternidade de 2008.
ANALINE SPECHT e CLÁUDIA PRATES
O silêncio que existe sobre o aborto esconde a verdadeira realidade. Mais mulheres do que se pode imaginar já tiveram que recorrer ao aborto diante de uma gravidez indesejada. Todas e todos conhecemos casos de prática do aborto motivados por várias razões como estupro, condição de vida, condição econômica, idade, saúde, relação com o companheiro entre outros. O aborto pode ser involuntário quando ocorre de forma espontânea, sem que a mulher queira, ou ocorre por sua decisão diante de uma gravidez indesejada.
Quando as mulheres precisam fazer aborto correm dois riscos: de serem consideradas criminosas e por isso é feito clandestinamente. E o segundo é o risco de morte e seqüelas que podem ocorrer, uma vez que a maioria dos abortos é realizada de forma insegura.
Esta situação demonstra que não é reconhecido o direito das mulheres de decidirem sobre suas vidas, seus corpos, sua sexualidade. A obrigação das mulheres é cumprir seus papéis de mães e esposas, tendo como função e espaço de realização pessoal a estrutura da família. Estrutura esta que reproduz e mantém a subordinação e dependência da mulher, assegurando, desta forma, um reduto da supremacia do homem, como provedor e detentor do poder. Essa construção está ligada a lógica cristã ocidental que atribui à função social da mulher a geração e preservação da vida como mãe. Com base nesses pressupostos católicos, a CNBB lançou a Campanha da Fraternidade de 2008 – com o lema "Fraternidade e Defesa da Vida" reafirmando a condição da mulher acima descrita. Entre as várias formas de “defesa da vida” pautadas pela campanha está o aborto. A legalização do aborto é colocada como um ato de atentado à vida, como prática “imoral, cruel e trágica”, relegando a responsabilidade da maternidade e das relações sexuais somente às mulheres.
A Marcha Mundial das Mulheres, movimento de caráter feminista, defende e atua pelo direito à autodeterminação e autonomia das mulheres frente a todas as formas de opressão. O tema do aborto sempre foi discutido de maneira ampla, compreendendo a defesa da necessidade que todas tenham direito à informação e à anticoncepção. Mas também compreendendo que as relações de poder que existem no campo da sexualidade fazem com que, na maioria das vezes, as mulheres não possam decidir livremente. A criminalização do aborto condena milhões de mulheres a viver com culpa, vergonha e medo. Sentimentos estes construídos e legitimados pela ética cristã, com base no castigo e punição subjetivos que formam as matrizes do senso comum e da pressão social. O movimento feminista defende que as mulheres decidam sobre sua reprodução e sexualidade livres da intervenção dos homens, do Estado ou da Igreja. A garantia de liberdade e direito de decisão das mulheres sobre a maternidade quebrará um pilar fundamental de sua opressão. As mulheres têm o direito de definir como querem viver suas vidas: como casadas ou não, com ou sem filhos, lésbicas ou heterossexuais.
Nesse sentido, defendemos o Estado de direito laico baseado na igualdade e na liberdade individuais, permitindo que as mulheres tomem suas próprias decisões de acordo com suas vontades e princípios. Lutamos todos os dias pela ampliação de políticas públicas de saúde que atendam de forma integral as mulheres, com políticas que respeitem os direitos sexuais e os direitos reprodutivos com respeito ao direito de decisão autônoma sobre seu corpo.
Para a Marcha Mundial das Mulheres no Brasil o desafio é como colocar o protagonismo da luta pelo aborto na organização das mulheres e na articulação com outros movimentos, enfocando a autonomia de decisão, por um projeto de lei centrado no direito das mulheres decidirem sobre o aborto e na garantia de atendimento no serviço público. O aborto só será discriminalizado e legalizado se de fato construirmos um amplo movimento social que defenda essa bandeira e a conduza às devidas instâncias.
Reforçamos que a luta pela discriminalização e legalização do aborto só será vitoriosa quando houver uma forte radicalização na luta feminista que possibilite um avanço de conscientização e de ruptura com valores conservadores e opressores.
Analine Specht e Cláudia Prates integram a Marcha Mundial das Mulheres no RS. Contato: mmm_rs2004@yahoo.com.br
Disponível em: www.agenciachasque.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário