por Sirlanda Selau*
A Lei Maria da Penha teve o condão de trazer ao espaço dos interesses públicos, a realidade trágica, que milhares de brasileiras estão submetidas. A violência doméstica, aquela que de dá no âmbito das relações de afeto e no seio do espaço acolhedor dos lares, foi descortinada, e este foi o grande passo a frente, dado com aprovação da Lei: transitar da invisibilidade para a atenção da coletividade.
Verifica-se, pois, que a violência sexista, tem alcance que não se restringe a manifestação da violência na forma física, mas que compõem um paradigma comum, que é cristalizado, pela hierarquização e valorização distinta entre os gêneros. De tal forma, que é possível afirmar, que são nas desigualdades socialmente construídas que se ampara o fundamento material, para o exercício da violência. Este construído como componente natural, das relações de poder hierarquizadas entre homens e mulheres.
A recente legislação que trata da violência doméstica torna-se marco jurídico, pois rompe certa medida, a invisibilidade sobre a realidade da violência, e desafio as estruturas jurídicas, quando pressupõe seu alcance por searas diversas no âmbito do direito. Consolidando no ordenamento nacional uma concepção que traz ao interesse do direito e ao espaço dos interesses públicos, uma situação que historicamente foi tratado como interesse das relações privadas[1].
Neste sentido, a recepção da Lei Maria da penha, no ordenamento jurídico nacional, fundamentada nas diretrizes constitucionais, na ratificação do Brasil a “Convenção de Belém do Pará” [2] e impulsionada pela mobilização dos movimentos feministas e de mulheres no Brasil, absorve no âmbito normativo instrumentos direcionados a uma realidade até então velada e relegada como destino individual das mulheres[3].
Pesquisas recentes de monitoramento da aplicação da Lei Maria da Penha, indicam que há um reconhecimento da população quanto às sanções cabíveis contra os atos de violência contra mulher. Outrossim, deste período de cinco anos de aplicação da Lei, depreende-se que é através da determinação de medidas protetivas e de urgência, que a Maria da Penha obtém maior eficácia. Dito de outro modo, as medidas determinadas pelo judiciário, diante das situações concretas de manifestação da violência, são capazes de romper a violação que a mulher que recorre à justiça está sofrendo.
Embora colocadas a prova, e tendo dado respostas efetivas, nos piores momentos em que as mulheres que vivem sob a égide da violência familiar necessitam a atuação judicializada, para o tratamento da violência, sempre incidirá sobre o problema quando ele já se efetivou. Logo, quando o processo de violência doméstica já atingiu seu ápice, restando ao poder judiciário intervir, mediar e fazer cessar a violação.
Neste sentido e como já dissemos em outro momento, o enfrentamento desta forma específica de violência, não se encerra com a existência de uma previsão e sanção legal. Sendo que as sanções trazidas pela Lei Maria da Penha, devem ser compreendidas como mais um instrumento no combate a violência contra a mulher.
Decorre disso, que se constata um momento do desenvolvimento dos ciclos de violência domestica, que devem ser tratados com atenção, cabendo ao Estado integrar seu enfrentamento com políticas públicas. Tais políticas devem ter a pretensão de evitar que a violência ocorra, seguindo as diretrizes que a própria Lei Maria da Penha determina como atuação do poder executivo.
Deste modo, se avançamos, e podemos afirmar que avançamos nestes cinco anos de vigência da Lei Maria da Penha: superando os críticos da sua constitucionalidade; se através dela estamos construindo uma nova cultura jurídica no trato e tutela das vitimas da violência; se identificamos o reconhecimento desta violência que era naturalizada e invisibilizada pelo conjunto da sociedade; se de forma inequívoca, verificamos sua eficácia pela mão dos tribunais. Agora o momento é dar mais passos a frente, fazendo com que se promovam políticas publicas de Estado, no sentido de agir na causa, visto que as consequencias, já estamos enfrentando de forma efetiva.
[1] “A violência sexista tem suas bases na existência de relações desiguais entre homens e mulheres. São sustentadas pela construção social do ser mulher como gênero feminino inferior ao ser homem como gênero masculino. Como decorrência dessas relações desiguais de gênero, todas as mulheres estão sujeitas a esse tipo de violência. [...] O feminismo foi quem trouxe para o espaço publico o tema da violência como um problema político a ser enfrentado pelo conjunto da sociedade, tirando do lugar em que era antes colocado, na intimidade do lar. Isso contribuiu para a desnaturalizaçao, e denunciou a situação de constante alerta na qual as mulheres vivem enquanto permanece a violência”. Publicação Marcha Mundial das Mulheres. Caderno I. SP: Junho de 2008. Pg. 46.
[2] Cf. PIOVESAN. Temas de Direitos Humanos. Ed: Max Limonad: SP, 1998. Piovesan... “A Convenção de Belém do Pará é o primeiro instrumento internacional de proteção dos direitos humanos a reconhecer de forma enfática, a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado, que alcança, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, um elevado numero de mulheres. A convenção afirma que a violência contra a mulher constitui grave violação aos direitos humanos e ofensa a dignidade humana, sendo manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres”.
[3] Cf. GARCIA, Manuel Calvo. Do direito regulativo à luta contra a violência de gênero. Porto Alegre: Dom Quixote, 2007. Pg. 59. Garcia...” A violência familiar e de gênero não foi contemplada como objeto especifico de intervenção por parte do Direito até datas muito recentes. Obviamente, isso não quer dizer que seja um fenômeno novo em nossas sociedades. Ao contrário, existe ‘desde sempre’. Contudo, não era percebida pelo sistema jurídico como um problema social - escondendo-se através do véu do ‘privado’ e do ‘íntimo’, e em conseqüência disso, evitava-se a intervenção jurídica em relação a fatos claramente merecedores de recriminação social e jurídica – porque contrários a direitos fundamentais de igualdade e à dignidade das pessoas”.
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