A sociedade capitalista e patriarcal se estrutura em uma divisão
sexual do trabalho que separa o trabalho dos homens e o das mulheres e
define que o trabalho dos homens vale mais que o das mulheres. O
trabalho dos homens é associado ao produtivo (o que se vende no mercado)
e o trabalho das mulheres ao reprodutivo (a produção dos seres humanos e
suas relações). As representações do que é masculino e feminino é dual e
hierárquica, assim como a associação entre homens e cultura, e mulheres
e natureza.
Na Marcha Mundial das Mulheres (MMM), lutamos para superar a divisão
sexual do trabalho e, ao mesmo tempo, buscamos o reconhecimento de que o
trabalho reprodutivo está na base da sustentabilidade da vida humana e
das relações entre as pessoas na família e na sociedade. Acreditamos que
é possível estabelecer – e em alguns casos reestabelecer – uma relação
dinâmica e harmoniosa entre as pessoas e a natureza, e que as mulheres,
com sua experiência histórica, têm muito para dizer sobre esse tema.
A MMM na Cúpula dos Povos
Nós estamos presentes na construção da Cúpula dos Povos como
parte de um processo global de resistência ao capitalismo, que é
patriarcal e racista e que hoje se expande cada vez mais para todas as
esferas da vida.
Nosso objetivo com a participação nesse processo é conseguir, antes
mesmo da Cúpula dos Povos, dar visibilidade aos processos de luta contra
as falsas soluções e contra o capitalismo verde, cenário no qual
estamos envolvidas em nossos países. E, a partir de uma posição
feminista (antissistêmica e crítica), provocar um debate aberto para
desmascarar as intenções das corporações transnacionais e de muitos
governos em relação à economia verde, denunciando a ligação dessa
proposta com o aumento da opressão das mulheres. Ao mesmo tempo,
queremos dar visibilidade às propostas alternativas das mulheres para o
bem viver e conviver por meio de nossa participação ativa e em aliança
com os movimentos sociais.
Temos como ponto de partida os debates e as ações organizadas ao
longo de nossa história como movimento, que estão sintetizados em nossos
campos de ação, especialmente na questão dos bens comuns e dos serviços
públicos.
Posicionamos o feminismo nos campos da crítica às falsas soluções e
da crise ambiental, mas também para afirmar que o novo discurso
capitalista, que hoje se traduz no termo ‘economia verde’, é o mesmo
modelo de mercado que mercantiliza nossas vidas, nossos corpos e nossos
territórios. Dizemos “não” às falsas soluções propostas pelo mercado e
por seus agentes – como os créditos de carbono, os agrocombustíveis, os
mecanismos de
REDD e
REDD ++ e a geoengenharia. Não aceitamos falsas soluções que só geram
mais negócios e não mudam o modelo de produção, consumo e reprodução
social.
Mas, também, afirmamos que as alternativas construídas e propostas
pelos povos devem integrar uma dimensão geradora de igualdade. Para que
as alternativas dos povos sejam globais e verdadeiras, devem contemplar a
igualdade entre mulheres e homens, o direito das mulheres a uma vida
sem violência e a divisão do trabalho doméstico e de cuidados entre
homens e mulheres. Para isso, partimos dos conhecimentos que acumulamos
na economia feminista e temos a sustentabilidade da vida humana como
objetivo.
Esse debate de crítica ao capitalismo e ao desenvolvimento de
alternativas não se realiza nos marcos institucionais da ONU ou em seus
espaços de diálogo com a sociedade civil, que muitas vezes se restringem
a adicionar cláusulas de gênero em seus tratados, em uma lógica similar
ao que tem passado nas negociações da Organização Mundial do Comércio
(OMC).
Acreditamos que o debate sobre alternativas só pode avançar com muito
trabalho de conscientização junto às mulheres e em espaços de aliança
com outros movimentos sociais que também se contrapõem e lutam contra o
capitalismo, patriarcal e racista. Com esta perspectiva, estivemos
presentes em vários espaços dos povos, paralelos às cúpulas oficiais
como a COP (Conferencia das Partes) da Convenção sobre mudanças
climáticas da ONU realizadas em Bali (2008), Copenhaguen (2009), Cancún
(2010) e Durban (2011). Também participamos de processos construídos
junto aos povos, em especial, a Cúpula dos Povos sobre Mudanças
Climáticas e Direitos da Mãe Terra (Cochabamba, Bolivia, 2010) e no
Fórum Social Temático Crises do Capitalismo justiça ambiental e social
(Porto Alegre, Brasil, 2012).
Ações da MMM
Durante a Cúpula dos Povos, planejamos ter os seguintes espaços:
1. Alojamento da MMM para 1.000 mulheres. Será um espaço de
alojamento, organização e intercâmbio, tanto para a delegação brasileira
quanto para as delegadas internacionais da MMM que possam estar no Rio.
Os comitês da MMM nos estados brasileiros já estão organizando
atividades de formação, mobilização e de finanças para garantir a
presença de suas delegações.
2. Participação nos espaços da Cúpula. Organizamos nossas atividades
de forma a potencializar a construção das plenárias de convergências e
da Assembleia dos Povos, garantindo que a perspectiva feminista seja
parte desses processos.
3. Mobilizações. Com os movimentos sociais aliados, planejamos
promover muitas ações nas ruas durante os dias da Cúpula. Estamos em
processo de trabalho para visibilizar a agenda feminista nessas
mobilizações. Por exemplo, na luta contra as minerações (principalmente
contra a Vale), queremos denunciar como a ofensiva do capital sobre os
territórios avança também sobre nossos corpos, o tema da violência, a
prostituição.
No dia 18 de junho, faremos uma mobilização das mulheres, organizada
com o conjunto de movimentos de mulheres do Brasil e com mulheres de
movimentos mistos aliados. Nessa manifestaçao, queremos expressar um
forte posicionamento feminista contra o capitalismo verde.
5 de Junho: dia de mobilização internacional
Conscientes da necessidade de gerar um processo mais amplo de
crítica à economia verde, durante o Fórum Social Temático realizado em
Porto Alegre (RS), de 24 a 29 de Janeiro de 2012, a Assembleia de
Movimentos Sociais definiu a construção de um dia mundial de ação comum:
5 de Junho, com o objetivo de mandar uma forte mensagem a cada um de
nossos governos antes da conferência da ONU (Rio+20). Nessa data, que
coincide com o Dia Internacional do Meio Ambiente, vamos destacar nossas
posições, que são contrárias às políticas que servem às corporações
transnacionais e implicam na mercantilização da natureza, de nossas
vidas e nossos corpos, e afirmar nossas alternativas.
Como parte de nossas alianças, reforçamos nossos eixos comuns de
lutas, decididos em 2011, em Dakar: contra as empresas transnacionais,
pela justiça climática e soberania alimentar, pelo fim da violência
contra as mulheres e contra a guerra, o colonialismo, as ocupações e a
militarização de nossos territórios.
Para ler a declaração da Assembleia de Movimentos Sociais em Porto Alegre 2012, clique
aqui.
No Brasil, também, durante os dias da Rio+20, movimentos e
organizações têm se preparado para realizar uma mobilização com forte
presença nacional e internacional no dia 20 de junho.
Rio+20: um olhar sobre o processo oficial
Em janeiro de 2012, a ONU lançou o rascunho zero do documento
preparatório para as discussões oficiais, intitulado ‘O futuro que
queremos’. O documento tem muitos problemas: apresenta a economia verde e
a participação do setor privado como solução para os problemas que eles
mesmo criaram e criam; reafirma a Rodada de Doha da OMC, a declaração
de Paris sobre cooperação internacional e a COP-17, todos acordos que
reforçam o interesse das corporações. E, ao final, propõe como medidas
concretas o estabelecimento dos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável. Quem acompanha o tema chama a atenção de que isso é a
repetição o que foram os Objetivos do Milênio – ou seja, acordos
rebaixados que colocaram no lixo todos as negociações do ciclo de
conferência sociais das Nações Unidas nos anos de 1990.
Nós da MMM Brasil nunca vimos com muito entusiasmo os resultados
desse ciclo de conferências. Muito nos preocupa o contrato de acordos
amplamente aceitos que criam as bases para novos negócios, como foi, por
exemplo, o Acordo de Dublin e a posterior expansão da privatização dos
serviços de água.
No processo oficial da Rio+20, há um
Major Group
de mulheres. Elas apresentaram suas contribuições para o rascunho zero
em novembro de 2011. Nesse documento há considerações de medidas
concretas com as quais em parte estamos de acordo – como, por exemplo, a
proposição de medidas concretas para a rápida redução e eliminação dos
subsídios a energias não sustentáveis (por exemplo, a nuclear); a
afirmação do princípio de precaução; a necessidade de proteção aos
sistemas de conhecimento tradicionais das mulheres indígenas frente a
sua exploração pelas corporações. O grupo é critico do termo “economia
verde”, propõe substituí-lo por “economia equitativa e sustentável” e
descreve seus princípios. Além disso, as mulheres chamam a atenção sobre
os limites do Produto Interno Bruto (PIB) como medida de bem-estar e
propõem indicadores para avaliar os impactos de gênero.
Contudo, todas essas contribuições não aparecem no rascunho zero da
ONU, que só faz uma referência genérica à desigualdade de gênero,
mencionando que o desenvolvimento sustentável depende da contribuição
das mulheres, que é necessário remover barreiras que impedem as mesmas
de serem participantes integrais na economia e priorizar medidas que
promovam a igualdade de gênero. O rascunho zero também incorpora a
necessidade de desenvolver indicadores que contemplem de uma só vez o
econômico, o ambiental, e o social.
Consideramos que uma análise restrita aos impactos diferentes de
gênero pode se limitar a uma descrição dos impactos positivos e
negativos de uma maneira fragmentada. Por exemplo, no ápice da
globalização neoliberal, o aumento do trabalho remunerado das mulheres
nas máquillas e a agricultura de exportação eram vistos como efeitos
positivos: as mulheres tinham um rendimento próprio e por isso era mais
provável que tivesse maior autonomia. Porém, havia também impactos
negativos, sobretudo nas condições precárias de trabalho. Nessa lógica,
se propõem medidas que equilibram os aspectos positivos e negativos. Mas
nós priorizamos um olhar que analisa como o capitalismo faz uso de
estruturas patriarcais no seu atual processo de acumulação e, por isso,
construímos uma luta e resistência feminista e anticapitalista.
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!