Vanessa Gil*
O corpo é, sempre foi e sempre será um espaço de luta e de resistência. Não é por outro motivo que tanto esforço é despendido na tentativa de cdomesticá-lo. Não é por outra razão que as instituições religiosas o utilizam para dominar a mente dos fiéis. É lá que o demônio se instala.
Diante
dessa realidade, é natural que ele, o corpo, seja usado para
denunciar a opressão da qual é vítima. É por isso que em 68
tantas mulheres queimaram os sutiã, pois era o símbolo de uma
opressão que habitava exatamente uma parte do corpo, os seios.
Desnudar-se também pode ser uma forma de luta quando nosso corpo é
reprimido.
Mas as
estratégias de luta e resistência, assim como as opressões, são
históricas, sociais e políticas. Fazem sentido dentro de um
contexto. Aquilo que é estratégia de resistência num determinado
local, pode em outro servir aos propósitos do opressor. Pode ser uma
ofensa aos nossos opressores, mas também pode ser uma forma de
servir ao sistema e de ofender aquelas/es que lutam ao nosso lado.
Portanto,
não podemos exigir que muçulmanas saiam nuas pelas ruas para
protestar contra os abusos do líderes religiosos sem sermos tão
opressoras quanto eles. Não é nosso papel no ocidente dizer o que
as muçulmanas, ou qualquer outro grupo de mulheres, deve ou não fazer
para derrotar o patriarcado. Pode-se ser livre vestida, como ser
oprimida nua.
Onde
quero chegar com tudo isso: quero que olhemos para nossa própria
cultura, para as formas que o patriarcado assume nela para que
possamos identificar o que, dentro da nossa realidade, é
resistência, o que é uma estratégia coerente com as nossas
opressões. Dessa forma, precisamos refletir sobre nossas estratégias
locais. No Brasil, a nudez feminina é a regra, os padrões de
beleza são inatingíveis, os distúrbios alimentares possuem
índices altíssimos. Basta ligar a televisão em qualquer canal
nacional que podemos ver qualquer parte do corpo das mulheres
expostos como se fossem pedaços de carne no açougue. Faz sentido
ficar nua para protestar num país assim? Que tipo de reflexão traz
à população enxergar mais um peito na televisão?
Além
disso, qual o sentido de buscar nas experiências europeias o modelo
a ser seguido? O que tem acontecido na América Latina? Como as
venezuelanas têm se organizado? Quais as estratégias adotadas pelas
colombianas que convivem com o narcotráfico? Como as argentinas
estão enfrentando o patriarcado? Como nós e essas mulheres que
vivemos em democracias tão jovens, que sabemos as dificuldades
impostas pelas ditaduras militares, podemos, juntas, construir
estratégias e fortalecer resistências?
Dessa
forma, creio que seja necessário um duplo esforço. Primeiro:
respeitar as estratégias locais, compreendê-las dentro do momento
histórico no qual ocorrem. Segundo: buscar fortalecer nossas lutas
dentro na nossa realidade, identificando onde estão nossos inimigos,
e sabendo com quem podemos contar na trincheira. E talvez um terceiro
ponto, mas extremamente unido aos dois, que é refletir melhor sobre o
significado que alguns termos assumem na nossa realidade.
* Socióloga, Militante da Marcha Mundial das Mulheres
Muito bom, lembra Foucault.
ResponderExcluir