Por: Thaís Lapa*
Este 25 de novembro, dia de combate à
violência contra a mulher, teve um ar diferente. Aconteceu inserido em
um contexto no qual a luta feminista está fervendo no país – e quem
ainda não percebeu, bom abrir os olhos. As mulheres vêm tomando as ruas e
as redes sociais pelo direito a uma vida sem violência, contra as
ameaças de retirada de seus direitos duramente conquistados e por sua
ampliação. Estão dizendo com todo vigor quem são seus inimigos abertos
(Eduardo Cunha, Geraldo Alckmin e outros) e também trazendo à tona
práticas machistas de seus “amigos ocultos”. Estão colocando em
evidência o que o feminismo sempre foi: uma luta incontornável para quem
quer mudar radicalmente (pela raiz) a sociedade. As contradições estão
explodindo, as mulheres estão indignadas, dizendo “basta”! É um
desabrochar para muitas, que se somam e dão energias à continuidade das
lutas feministas historicamente acumuladas, conformando uma primavera de
resistências e reivindicações na qual mulheres estão na linha de
frente.
Mas se a indignação incontida das
mulheres tem se evidenciado de um lado, de outro, persiste para grande
parte da população a naturalização do machismo. Portanto,
desnaturalizá-lo e afirmar o óbvio, que ele é um problema a ser
extirpado das relações, das instituições, da sociedade, é tarefa “para
ontem”.
Neste sentido, vejo em certa medida com
bons olhos a onda virtual de denúncias e desabafos de mulheres sobre
#amigossecretos. Mesmo com seus limites, ajuda a colocar em evidência o
que o movimento feminista sempre diz, e muita gente ainda duvida:
nenhuma relação, pessoal ou política, pública ou privada, está isenta ou
protegida de reproduzir machismo. E o patriarcado está presente também
nas instituições: as mulheres não são subjugadas apenas em relações
interindividuais. O patriarcado se enraiza nestes espaços institucionais
e se manifesta por meio da discriminação, desvalorização, humilhação e
mais uma infinidade de formas de violência contra mulheres. Para
surpresa de muitos, tais manifestações têm agentes que dela de algum
modo se beneficiam, isto é, a violência sexista (de todo tipo) é
instrumento de poder. O “poder do macho”, como já dizia Saffioti.
Nosso inimigo declarado é o patriarcado,
enovelado com o capitalismo e o racismo, e claro, ele somente se
sustenta porque está enraizado e é reproduzido nas relações sociais –
por indivíduos, notadamente homens. Alguns, queremos que sejam varridos
da política, como Cunha, que está à frente da retirada dos nossos
direitos por meio de projetos de lei misóginos (Estatuto do Nascituro,
Estatuto da Família, PL 5069 que restringe o atendimento à vitimas de
violência sexual, entre outros) – evidenciando que a despatriarcalização
do Estado só começa com uma mudança estrutural do sistema político, por
meio de uma constituinte. Ou como Alckmin, que queremos “fora” porque
piora / corta serviços públicos, como fez com a água que ainda falta em
muitas casas (sobrecarregando trabalho de mulheres) e agora com o infame
fechamento de escolas estaduais.
Já de certos homens que reproduzem o
patriarcado, existe uma expectativa e necessidade sobre os que se
colocam como companheiros de luta, de vida: a de mudança de conduta,
para que aí então construamos ombro a ombro, mulheres e homens, uma
sociedade livre de exploração-opressão. Para que a posição subjugada das
mulheres na sociedade seja desconstruída não em um futuro longínquo,
mas desde já, mostrando que tipo de sociedade futura queremos construir.
Mas de alguns outros homens, que nos tratam como “coisa” não humana que
pode ser violentada, não podemos esperar pacientemente apenas uma
mudança comportamental: queremos reparação e responsabilização.
A luta contra o patriarcado precisa de
uma vez por todas ser entendida como central para revirar as estruturas
desta sociedade e construir outra. E para isso é preciso muita
reavaliação e mudança de postura/conduta individual por parte dos
homens. É preciso muito fortalecimento individual das meninas e
mulheres, para reconhecerem e identificarem quando sofrem violências de
todo tipo, busquem ajuda e sejam acolhidas (onde é importante a
solidariedade das mulheres e sensibilidade dos homens). E quando for o
caso, que denunciem seus agressores não somente nas redes sociais. Mas
mais do que tudo, é imprescindível que para além das ações individuais,
que haja muita luta coletiva, autoorganizada pelas mulheres, em aliança
com organizações mistas que de fato se comprometam com o feminismo.
Precisamos ser maiores que nossos inimigos, que nossos desafios.
O feminismo tem muito a ensinar para a
esquerda. “O pessoal é político” precisa ser de uma vez por todas
digerido, assimilado e enfrentado. Essa explosão de denúncias expressa
que a subjugação feminina pode parecer individual, mas é coletiva. A
resistência também precisa ser. Já tem sido, muitas já se organizam e
tomam as ruas na luta feminista. Mas é preciso ser maior, continuar
florescendo e render frutos. Precisamos, mulheres, nos fortalecer
enquanto sujeito coletivo, e a luta contra a violência sexista faz parte
disso (Afinal, que sujeito transformador se constitui de mulheres em
frangalhos?). Ajudemo-nos companheiras, juntas andamos melhor.
Coletivamente, mudaremos o mundo e a vida das mulheres em um só
movimento!
“Pisa ligeiro, pisa ligeiro! Quem não pode com as mulheres não atiça o formigueiro!
Pisa ligeiro, pisa ligeiro! Quem constrói o feminismo muda o país inteiro!”
* Thaís Lapa é militante do Núcleo ABC/SP da Marcha Mundial das Mulheres.
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