Por Gabriela Cunha,
Isabel Freitas e Isabella Madruga da Cunha, militantes da Marcha Mundial das
Mulheres no RS
O papel do Brasil na economia
mundial capitalista é essencialmente o de fornecedor de minérios, dentre outras commodities. Vejamos, em 2017 o Brasil
foi o segundo maior exportador de minérios do mundo [1]. Mesmo que o extrativismo esteja
intrinsecamente relacionado com a colonização, o que se percebe é que nos
últimos 30 anos tem ocorrido uma intensificação do extrativismo nos países do
sul global ou de terceiro mundo, como o Brasil. Maristela Svampa, socióloga
argentina, aponta uma tendência dos países do norte em deslocar das suas
fronteiras as primeiras fases da atividade extrativa, no sentido de preservar a
natureza em seus territórios, porquanto isso significa em maior destruição nos
países do sul global utilizados como fonte de recursos e sumidouro de resíduos [2].
Nesse contexto é que o Estado do
Rio Grande do Sul também se tornou alvo, estando seus territórios ameaçados pela
expansão do que chamamos de “fronteira da mineração”. Há mais de 160 projetos planejados por
empresas privadas transnacionais para extração de diversos tipos de minérios,
na sua grande maioria localizados nas regiões do bioma Pampa.
Até então, já ocorreram
audiências públicas em alguns dos municípios de interesse minerários [4], que é parte obrigatória do processo
administrativo de licenciamento ambiental visando a participação da comunidade
nas decisões. Porém, é sabido que apenas uma audiência pública não cumpre a
função de garantir a democracia nos processos, e há casos de projetos que foram
efetivados mesmo tendo a maioria da população se manifestado contrária [5]. Através destas audiências públicas,
iniciou-se uma mobilização intensa por moradores das regiões atingidas,
movimentos sociais populares, estudantes, pesquisadores, entidades
ambientalistas e população local em geral, com objetivo de elaborar
questionamentos, sanar dúvidas, apontar lacunas e instaurar um amplo e profundo
debate público para garantir que suas vozes sejam ouvidas, e que a atividade
minerária não seja simplesmente imposta à população gaúcha.
Os recentes casos de desastres
ambientais provocados pela mineração trouxeram os impactos e as violações de
direitos humanos causados por essa atividade econômica para o centro do debate
público nacional. O rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho em Minas
Gerais, causaram a morte de mais de 320 pessoas, mataram a vida dos rios Doce e
Paraopeba e o meio de sustento de alimento e trabalho de diversas famílias [6]. Em 2018 houve vazamento de Bauxita no
rio Pará, na região do município de Barcarena no Estado do Pará [7]. O avanço do garimpo na Amazônia, em busca
de principalmente ouro, desmata e contribuí com o extermínio dos povos
indígenas e tradicionais que resistem duramente para proteger seus territórios,
modos de vida e a natureza. Agora, o governo federal articula para liberação de
mineração em terras indígenas já demarcadas [8]. A mineração de Cobalto na África, na
cidade do Cabo, uma das regiões mais biodiversas do mundo como a Amazônia, é
realizada por um trabalho extremamente explorado da população pobre, dominada
por facções, e que no seu cotidiano fazem parte os estupros coletivos de
meninas e mulheres [9]. É fato o aumento da pobreza das regiões que se instalam
cavas de mineração, acompanhada do aumento de depressão, do alcoolismo, do
suicídio e da prostituição da população trabalhadora nas minas ou moradora do
entorno [10].
Os projetos de tornar o Rio Grande
do Sul mais um território da mineração no Brasil, não podem ser impostos pelos
poderes privados das empresas transnacionais interessadas e do Estado cúmplice.
Toda atividade mineradora causa profundos e definitivos impactos
socioambientais. Assim, este é o momento de refletir sobre algumas questões:
Qual o tipo de desenvolvimento que queremos? A quem serve o “desenvolvimento”
supostamente proporcionado pela mineração? Qual o modelo energético que
queremos? E como efetivar um desenvolvimento verdadeiramente sustentável [11]?
Um dos projetos previstos para o
RS é a maior mina de carvão mineral a céu aberto do Brasil. Denominada Mina
Guaíba, ela se localizaria em área de assentamento rural do INCRA no qual as
famílias produzem alimento agroecológico, especialmente o arroz orgânico, entre
outros [12], a pouco mais de 500 metros da Área de
Proteção Ambiental do Delta do Jacuí, onde o Rio Jacuí deságua no lago Guaíba,
área alagadiça com alta biodiversidade e diversas espécies de flora e fauna
protegidas por lei. Uma possível contaminação das águas do entorno da onde
pretende se instalar a mina, compromete o abastecimento de água de toda a
Região Metropolitana de Porto Alegre (4.3 milhões de habitantes) que depende
das águas do Guaíba e do Jacuí para produção de água potável [13]. A Mina Guaíba atende a Política
Estadual do Carvão Mineral e que institui o Polo Carboquímico do Rio Grande do
Sul, aprovada por quase unanimidade por todos os deputados em 2017 [14]. Caso concretizado, o
projeto de instalação da Mina Guaíba elevará o RS a outro patamar nacional e
internacional quanto a exploração, produção e venda de carvão mineral e a maior
questão a ser posta neste momento é de quem será beneficiado com esta
atividade? Quem será atingido? Há, de fato, benefícios para as e os
trabalhadores? E os pequenos produtores rurais, assentados, povos e comunidades
indígenas e tradicionais cujos territórios serão atingidos?
Nós, feministas antirracistas,
anticapitalistas, na luta por outra sociedade que tenha como centralidade a sustentabilidade
da vida, nos últimos anos, sob a consigna “a natureza não é uma mercadoria, as
mulheres também não” participamos ativamente das lutas contra a mercantilização
de recursos naturais que são bens comuns dos povos. No Brasil, o modelo de
desenvolvimento defendido pelos governos, a partir de megaprojetos regionais,
seja de mineração, seja de usinas hidroelétrica, seja de polo “produtivo” para
livre circulação de mercadorias, visa somente atender aos interesses do grande
capital em seu estágio de extrema violência contra a vida [19]. A partir das
trocas de experiências entre as mulheres de diversos países, acumulamos o
quanto é degradante para a vida, e mais ainda para as mulheres [20], os impactos de uma mineração que não
está a favor das demandas básicas da população para produção e reprodução da
vida, mas sim para venda de matéria prima para outros países a preços baixos,
como no caso do Brasil.
As mazelas deixadas pelos
projetos de mineração que expulsam pessoas dos seus territórios recaem
implacavelmente sobre as mulheres. Somos nós as principais vítimas da histórica
e injusta divisão sexual e racial do trabalho, somos as que cuidamos da saúde
física e mental da família e da comunidade, cuidamos da alimentação e da água
que a cada dia estão mais envenenadas. Portanto, nossa luta é por terra para
morar e produzir alimentos saudáveis e, trabalho com dignidade, pelo uso
consciente dos bens comuns naturais por todas/os que dela necessitam para viver
[21]. Nós feministas da Marcha Mundial das
Mulheres denunciamos há tempos os impactos degradantes gerados pelo modelo de
desenvolvimento capitalista, entre eles, os provocados pela mineração
predatória. [22].
Nossa tarefa tem sido dialogar sobre como esse modelo passa a ter como
território em primeiro lugar, o corpo das mulheres e meninas, precarizando a
vida em todos os sentidos. A promessa do emprego, do desenvolvimento das
regiões, coloca trabalhadores contra trabalhadores e o discurso dos gestores
públicos se fundem com o discurso dos “empreendedores” do grande capital [23]. Num contexto de completa desregulamentação
extinção dos direitos sociais, o emprego propagandeado pelos capitalistas é
trabalho precário, e os direitos da constituição de 1988 passam a ser difamados
como privilegio.
A história recente das lutas dos
povos latino-americanos tem demonstrado que é chegada a hora de dar um basta na
aposta em modelos de desenvolvimento alinhados com o capitalismo financeiro
neoliberal. É preciso abandonar a visão de que crescimento econômico,
compreendido no sentido limitado de aumento do PIB, da produção de dinheiro no
país, seja igual a produção de benefícios para toda a população.
Diante
deste contexto, foi criado o Comitê em Combate a Megamineração no RS, reunindo
visões diversas do campo socioambiental, composto por mais de 150 entidades que
lutam para barrar esses projetos e debater com a sociedade um modelo energético
e minerário que seja soberano e popular [24]. A Marcha Mundial das Mulheres do RS
compõe este comitê [25] contribuindo com o acúmulo do
movimento feminista para as estratégias e mobilização das ações do Comitê, pois
só com a conscientização das populações gaúchas e seu protagonismo é que será
possível barrar esses projetos e concretizar a criação de alternativas de
desenvolvimento que sejam socialmente justas e sustentáveis. Fortalecer a
produção agroecológica de alimentos e a soberania dos povos com suas relações
culturais e afetivas, entre si e com a terra, é um caminho possível [26].
Para o feminismo, o capitalismo
não tem eco. Por isso, seguiremos em marcha! Por água, terra e agroecologia e
contra a Megamineração no RS!
Links de referências:
[2] SVAMPA, Maristela. Modelo de
desarrollo e cuestión ambiental em América Latina: categorias y
escenarios em disputa. In: WANDERLEY, F.
(coord.). El desarrollo em cuestión: reflexiones em América
[9] http://upsidedowncomunicacion.com/conoce-la-conexion-entre-tu-movil-y-la-violencia-en-la-r-d-del-congo-no-dejes-de-ver-el-proximo-programa-de-salvados/; Ver também Série Netflix Salvados; Temporada 2
episódio 6. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80993502
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