quinta-feira, 9 de julho de 2020

Falar de racismo é falar de branquitude, por Juliana C.


Olá marchantes,

Com muita honra queremos publicar o artigo escrito pela nossa companheira Juliana* da MMM RS sobre o racismo e a branquitude. A importância desta abordagem é pelo reconhecimento histórico de que racismo é sim coisa de gente branca, e que sim as pessoas brancas precisam falar sobre os privilégios de ser branco numa sociedade racista, machista, homofóbica. Não precisa ser negra para falar sobre racismo. Importante falar a partir do lugar que fazemos parte, a partir do nosso lugar de fala. Somos diferentes, mas com o respeito às diferenças podemos admitir nossas responsabilidades na manutenção desta estrutura racista. Entender seu lugar de fala é entender seu lugar de privilégio e vice-versa.

Jean-Baptiste Debret | Enciclopédia Itaú Cultural
Jean-Baptiste Debret retratava com bastante crítica a cara do Brasil Colônia.
Escrevo este texto enquanto mulher branca que compreende seu privilégio branco e por entender que é dever dos brancos se somar aos negros na luta antirracista.
A colonização europeia, que antes de qualquer coisa trata-se de sobreposição cultural visto que os europeus impuseram seus costumes aos povos originários e aos africanos escravizados promovendo apagamento das culturas próprias desses povos, trouxe consigo a tentativa de embranquecer a população. O intuito do embranquecimento da população nativa era promover a “harmonização” entre as raças e fundamentou a sociedade no estupro das mulheres negras e indígenas. A lógica colonial de dominação racial formou a classe dominante branca brasileira que tem como uma de suas características mais marcantes o “querer ser europeu” enquanto fenótipo e enquanto cultura.
O Brasil de 2018 e a eleição de Bolsonaro levaram por terra o mito da democracia racial. Apesar de o próprio anti-presidente proferir frases como “não há racismo no Brasil”, não é de hoje que vemos cada vez mais mortes de jovens negros por parte do aparato do Estado e o aprofundamento do abismo racial que existe em nosso país.
Sabemos que o alvo da guerra às drogas é a população negra e periférica e graças à militarização das favelas a polícia vem cumprindo seu dever com muito êxito.
O assassinato encomendado de Marielle e Anderson em março de 2018 e revelações posteriores tornaram evidente que quem busca poder nesse país não está disposto a ser freado. Nem a representatividade de uma vereadora negra, bissexual e favelada eleita com quase 50 mil votos – a quinta mais votada da cidade do Rio de Janeiro. Outros casos? Jenifer, Kauan, Kauã, Kauê, Agatha e Kethellen foram baleados e mortos na região metropolitana do Rio em 2019. Todos eram crianças negras. Todos atingidos pela PM do Rio.
Com relação à pandemia os dados são alarmantes. Em matéria publicada no dia 4 de maio, o jornal Estadão divulgou que na cidade de São Paulo o risco de morte por Covid-19 é 62% maior para negros que para brancos, sendo que especialistas apontam que condições socioeconômicas, como saneamento básico precário, dificuldade de acesso à assistência médica e dificuldade de acesso à alimentação adequada estão vinculadas. No RS, um estudo do IBGE em 2012 mostrou que os brancos ganham 59% a mais que os negros. Se em anos anteriores vivíamos a conciliação de classes e o mito da democracia racial, em 2020 nos salta aos olhos o genocídio da população negra como política de Estado, seja pelas mãos da PM, pela falta de políticas para tratamento e assistência durante a pandemia do Covid-19 ou pela normalização das desigualdades sociais.

E a branquitude?
“Falar de branquitude não é sobre ensinar o branco sobre seu papel. É colocar em destaque os agentes responsáveis pela criação e perpetuação do racismo”. Com essa frase, Obirin Odara nos mostra que o racismo não é a história do povo preto. O racismo é a história do povo branco e como ele explorou aqueles corpos que categorizou como “não seres”.
O sujeito branco, independente de sua escolha, usufrui dos privilégios da branquitude. O corpo branco entende que ele pode tudo, pois como não se racializa, não se coloca como coletivo e dessa forma se permite agir como indivíduo. E justamente por não se racializar, o mundo branco está ausente de violência racial. O branco pode sofrer a violência de gênero, de classe, dentre outras, mas o famoso “racismo reverso” não passa de uma falácia. Isso porque a branquitude é uma estrutura composta pelo Estado, pela mídia, pelas leis e demais instituições que compõe a nossa sociedade e encontram-se em uma confortável posição de poder desde a colonização até o presente momento.
A grande questão para nós brancos é como se tornar um sujeito branco crítico sem diminuir a complexidade do racismo?
Sentir-se culpada não é o objetivo, embora seja inevitável, pois a culpa imobiliza. Precisamos de ações que gerem reflexões individuais e coletivas sobre a responsabilidade das pessoas brancas na estrutura da sociedade que vivemos. Práticas que reflitam a busca pela nova sociedade que desejamos construir e que só pode ser efetivamente inclusiva com a participação dos povos pretos e originários na sua construção. Essa é a nossa tarefa enquanto branquitude antirracista: colocarmo-nos ativamente como aprendizes na reconstrução das relações raciais como sujeitos e parceiros políticos dessa construção protagonizada pelo povo negro e indígena.

 Juliana, feminista militante da MMM RS, principiante nos estudos sobre branquitude e racismo
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outras contribuições para o debate deste tema:


Escutando e estudando mais sobre o racismo chegamos no Manifesto Anti Racista (abaixo), e muitas das questões e compromissos trazidos pelo manifesto foram apresentados pela nossa companheira marchante Bruna Letícia dos Santos, em duas oportunidade em que tivemos a satisfação de ouvi-la: atividade de formação feminista de 14 de março e recentemente no Encontro Estadual da MMM RS em 27/06.

1) MANIFESTO ANTI RACISTA - Eu reconheço que vidas negras importam e me comprometo:
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A me educar sobre mais sobre a temática racial e o racismo estrutural no Brasil, inclusive lendo mais autoras e autores negros e parar de minimizar o que acontece aqui no Brasil, quando comparo com outros países como os Estados Unidos.
- A espalhar a necessidade de que outras pessoas, entre amigos, colegas de trabalho, familiares, se eduquem e que escolas coloquem em pauta a questão racial no Brasil em disciplinas ao longo do ano, desde o ensino básico.
- Como pessoa branca devo falar mais do racismo com e entre pessoas brancas, entendendo que o meu lugar de privilégio deve ser de aliado e ativamente usado para este fim
- Apoiar pessoas negras: escutando seus pontos de vista sem minimizá-los, comprando delas quando empreendedoras ou repostando suas ideias, por exemplo.
- Denunciar o racismo em suas diversas formas e manifestações de violência física, verbal e até as não ditas e apoiar ativamente movimentos de pessoas negras, entendendo que como pessoa branca, não tenho protagonismo desta luta, mas posso usar meu corpo e meu lugar de fala para abordar a temática
- Dissociar a trajetória de pessoas negras única e exclusivamente do racismo. Pessoas negras não discutem só sobre racismo. Pessoas negras já tem voz, apenas devem ter mais visibilidade para terem suas narrativas propagadas para além do racismo

Vamos assinar? -Manifesto SEJA ANTI RACISTA - https://www.sejaantirracista.org/

  3) "Racismo, coisa de branco" - Rita Von Hunty https://www.youtube.com/watch?v=eBfw2WqNDj0

4) O que é racismo estrutural – Sílvio Almeida para Tv Boitempo, disponível em (https://www.youtube.com/watch?v=PD4Ew...)
5). Marxismo e a questão racial – Sílvio Almeida para Tv Boitempo, disponível em (https://www.youtube.com/watch?v=jedLb...)
6) Lélia Gonzales: racismo estrutural – Jaqueline Conceição para Casa do Saber, disponível em (https://www.youtube.com/watch?v=X2ruq...)
7) Razão e barbárie do racismo – Jaqueline Conceição para Casa do Saber, disponível em (https://www.youtube.com/watch?v=2sKP-...)
8) Liberalismo: escravidão, colonialismo, racismo... – Jones Manoel, disponível em ( https://www.youtube.com/watch?v=YrgiQ... )
9) White privilegie – Kylaj Lacey . Poema declamado em inglês com legenda, disponível em (https://www.instagram.com/tv/CBBqbL1A...)
10) Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público" – Maria Aparecida da Silva Bento. Tese de Doutorado, disponível em (https://teses.usp.br/teses/disponivei...)
11) Diálogos contemporâneos sobre homens negros e masculinidades – Org. Henrique Restier e Rolf Malungo de Souza
 12) Livro Fragilidade Branca - Robin DiAngelo  - https://revistas.ufrj.br/index.php/eco_pos/article/view/22528

14) Djamila Ribeiro quebra a internet falando sobre lugar de fala | Tema da Semana | Saia Justa -https://www.youtube.com/watch?v=AINEmjM4Ki4

15) Lugar de fala X lugar de cala: quando o silêncio é respeito ou omissão ao racismo? | Papo Rápido -https://www.youtube.com/watch?v=mVrTgPcIUgw

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