por Carmen Hein de Campos*
Duas notícias publicadas no Jornal Zero Hora (16 e 20 de junho) sobre solicitações judiciais para interromper a gravidez em caso de estupro e anencefalia, respectivamente, dizem respeito à proteção e garantia dos direitos fundamentais das mulheres. No primeiro caso, a Defensoria Pública do Estado ajuizou ação para obter autorização judicial para realizar abortamento em caso de estupro. O abortamento nesse caso independe de autorização judicial, porque, conforme o Código Penal, não é considerado crime. A Norma Técnica para a Prevenção dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes editada pelo Ministério da Saúde (2005) dispõe que o aborto legal em caso de estupro realiza-se com o consentimento informado da mulher. A adolescente deve ser assistida pelos pais ou, se menor de 16 anos, o consentimento é dado pelos pais ou por sua representante legal. Desta forma, a norma técnica corretamente estabelece que “a realização do abortamento não se condiciona à autorização judicial que ateste e decida se ocorreu estupro ou violência sexual. Portanto, a lei brasileira não exige autorização ou alvará judicial em caso de gravidez decorrente de violência sexual” (p. 43).
No segundo, a demora na concessão da autorização pelo Poder Judiciário de Rio Grande, em um caso de anencefalia, fez com que gestante, de apenas 22 anos, “optasse” pela continuidade da gravidez. A literatura médica informa que a continuidade da gravidez em casos de malformação fetal incompatível com a vida extrauterina traz riscos de morte para as mulheres, como aconteceu em Ceará Mirim (RN), onde a gestante não obteve autorização judicial e morreu em decorrência do parto.
Nesses dois casos, não há necessidade de autorização judicial para interromper a gravidez. No primeiro (estupro) por expressa autorização legal. No segundo, porque não se trata de aborto, pois o aborto pressupõe a potencialidade de vida do feto, o que não ocorre em um caso de malformação fetal incompatível com a vida extrauterina, em que, sendo certa a morte, não há vida do feto a proteger. Por isso, não há que se recorrer ao Poder Judiciário, devendo a decisão ser tomada pela gestante e a equipe médica.
Profissionais do Direito e da saúde devem entender que o abortamento nesses casos é legal e deve ser realizado em respeito aos direitos fundamentais à saúde física e mental, autonomia, liberdade e dignidade da mulher.
*Coordenadora nacional do Cladem-Brasil – Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
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