A relação das mulheres com direito reflete sobremaneira a posição da mulher e os papéis a ela atribuídos na sociedade. Assim, a estrutura sacralizada da família, do casamento, da hierarquização das relações, enfim, a experiência humana que tem como centro o homem foi absorvida na sua integralidade pelos diferentes diplomas legais.
Deste modo, a trajetória da mulher no direito é marcadamente um não direito, especialmente quando se verifica que as maiores conquistas das sociedades, foram incorporadas ao direito de forma ou temporalmente distintas para as mulheres.
Assim, embora a história mais recente apresente importantes avanços, especialmente a partir da ordem dos direitos fundamentais, às mulheres restaram experiências de realização de direitos, muito mais lentas e acanhadas, ou ainda como uma afirmação meramente formal.
Fosse diferente, o desfazimento da incapacidade da mulher, na seara do Direito Civil, e o reconhecimento da violência doméstica, enquanto um problema de ordem pública, no âmbito do Direito Penal, não seria recebido pelas legislações apenas ao nosso tempo.
Nota-se, portanto, que estamos falando de uma realidade em que a mulher, até cinquenta anos atrás, ao casar perdia sua capacidade civil, ficando submetida ao exclusivo comando do marido sobre toda a família. Na condição de incapaz, como os pródigos, os menores e os índios, a mulher carecia de autorização do marido até mesmo para ter e exercer uma profissão.
O casamento, como instituto indissolúvel, era a única forma reconhecidamente legitima de constituição familiar. Nem o desfazimento da sociedade conjugal, por meio do desquite, tinha o condão de dissolver o casamento. Assim, às desquitadas representavam aquelas que não estavam quites com a sociedade da época.
As relações que se davam fora da família não eram reconhecidas no mundo jurídico, de modo que às concubinas e aos filhos havidos fora do casamento não restava qualquer direito. Quanto a esses últimos, os “filhos ilegítimos”, só poderiam ter sua paternidade investigada após a morte ou o desquite.
A realidade das mulheres, no direito positivo brasileiro, se alterou significativamente com os conhecidos: Estatuto da Mulher Casada de 1962 e a Lei do Divórcio, de 1977. No entanto, somente como advento da Constituição Federal de 1988, com o seu primado da igualdade e da dignidade da pessoa humana, é que passou a ser vedada a discriminação em razão de gênero; houve a afirmação da isonomia em relação ao tratamento dado aos filhos e o reconhecimento das diferentes constituições de família, diferentes do casamento.
De certo que tal avanço normativo se deve, em grande medida, à mobilização secular das mulheres na busca dos seus direitos, nas diversas esferas: trabalhista, penal, previdenciária, entre outras. Certo também, é que há ainda muito por fazer para transformar esses direitos formalmente conquistados em realidade substancial para a maioria das mulheres.
Essa não é uma tarefa apenas das mulheres. O compromisso com a realização dos direitos das mulheres deve ser fruto de um esforço coletivo, que passa pelos diversos atores e estruturas sociais, pela desconstrução do patriarcado, pela reformulação das relações de poder socialmente firmadas, pelo direito elaborado e aplicado, permitindo assim, que a sociedade um dia também fique quite com as mulheres.
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