1.
O tratamento dado à mulher, do ponto de vista do
direito posto, sempre esteve aquém das necessidades delas e em descompasso com
as mudanças vividas na sociedade.
2.
No entanto, a mobilização das mulheres, nos diferentes
períodos históricos, foi capaz de promover as mais significativas mudanças, de
modo a garantir direitos a todas elas, seja no marco formal, incorporando ao
direito positivo normas especificas; seja no aspecto substancial, viabilizando
uma efetiva aplicação do direito a elas assegurados em Lei.
3.
Assim, acreditamos que essa tarefa de entregar
às mulheres o direito de que são titulares é de um conjunto de atores sociais,
que excedem a esfera de mobilização delas, alcançando especialmente os
operadores do direito: Juízes (as), Advogados (as), Promotores (as), Acadêmicos
(as), etc.
4.
Nesse sentido, e por ocasião das reflexões e
ações inerentes ao mês de março, dois temas são trazidos à atenção, em vista da
sua alta repercussão na vida das mulheres. São eles: a aplicação efetiva da Lei
Maria da Penha e a criminalização dos movimentos das mulheres, em especial das
jovens mulheres que se mobilizam em diferentes movimentos sociais.
DA EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA
5.
A Lei Maria da Penha, de 2006, teve o condão de
incorporar ao ordenamento jurídico brasileiro, essa forma de violência
específica, que acompanha a trajetória das mulheres, bem como de trazer a
esfera do interesse público uma realidade até então tratada exclusivamente na
seara privada.
6.
Deste modo, a Lei Maria da Penha e suas medidas
protetivas alteraram o tratamento dado ao tema da violência doméstica e
familiar, permitindo que as vítimas dessa violência alcançassem, de fato, a
proteção que lhes é devida, quanto à sua integridade física, psicológica e
material.
7.
A efetividade da Lei exige a composição de uma
rede de proteção que seja capaz de romper com os ciclos de violência, que se
reproduzem e se perpetuam por conta da naturalização das desigualdades entre
homens e mulheres, fruto da patriarcalização das relações havidas nas nossas
sociedades.
8.
Tocante à aplicação da Lei, esta exige dos(as)
operadores(as) do Direito a sensibilidade e o compromisso com a garantia de
realização das medidas protetivas, instrumento determinante na intervenção
estatal nas manifestações de violência contra a mulher; a aplicação da Lei, em
favor daquelas que são suas destinatárias, especialmente na uniformização da
sua aplicação e a celeridade no andamento das ações ajuizadas ao albergo da Lei
Maria da Penha, na medida em que a duração razoável do processo é também um
direito fundamental.
9.
Ainda, na perspectiva de efetivação da Lei,
acreditamos ser imprescindível a ampliação e interiorização das Varas
Especializadas de Violência Doméstica e Familiar; a consolidação do preparo dos
profissionais que atuam no tema, nas diferentes áreas do direito, as quais
guardam interface na aplicação da referida legislação, garantindo assim um
atendimento eficaz e à altura da complexidade do problema que se busca
enfrentar.
DA
CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E DAS MULHERES QUE LUTAM
10.
A criminalização dos movimentos sociais se
amplia em diversas partes do mundo, construindo diferentes cenários marcados
por violações sistemáticas de direitos humanos. No Brasil, a inobservância dos
princípios basilares do direito nacional e internacional coloca em risco as
nossas liberdades democráticas e ameaça a sociedade de perigosos retrocessos rumo
à intolerâncias, à arbitrariedade à violência e ao autoritarismo.
11.
As mulheres suportam os efeitos da criminalização
dos movimentos sociais de forma especialmente cruel. De um lado, no âmbito das
mais amplas ações de criminalização, elas têm que enfrentar o legado de uma
cultura anterior que objetiva, por princípio, a completa exclusão da mulher do
espaço público; de outro, no que diz respeito às ações repressoras, são
submetidas a humilhações que, não raro, assumem as formas de violência sexual
(revistas abusivas, nudez, tratamento depreciativo etc.)
12.
Nesse sentido, acreditamos que os(as)
operadores(as) do Direito são parceiros(as) indispensáveis para garantir a não
criminalização dos movimentos, impedindo que tal prática se consolide como mecanismo
oficial de inviabilização do livre exercício da cidadania e como óbice à
garantia dos Direitos Fundamentais consagrados pela nossa Constituição Federal
e pelos diversos pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário,
legislações estas conquistadas através de muitas lutas sociais.
13.
Do mesmo modo, aos operadores(as) do Direito
recai a necessidade de assumir o compromisso ativo de realizar e fazer avançar
o debate sobre a desmilitarização das polícias, bem de enfrentar as perigosas propostas
de legislações que pretendem tipificar as manifestações democráticas no marco do terrorismo e da intolerância.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
14.
Em vista
das questões ora expostas, ratificamos nosso entendimento de que as mudanças
que pretendemos promover serão resultado da mobilização protagonizada pelas
mulheres organizadas nas diferentes frentes e movimentos, em conjunto com os
demais atores sociais, comprometidos com a transformação das relações
hierarquizadas e desiguais havidas entre homens e mulheres.
15.
Acreditamos que os operadores (as) do Direito
são parte fundamental nesse processo, haja vista sua intervenção na interpretação,
formulação e aplicação das normas positivas, nas diferentes temáticas que
afetam as mulheres, com potencial força propulsora na luta pela transformação
da nossa cultura social.
16.
Nesse sentido, a presente missiva se presta a
trazer temas sobre os quais desejamos sensibilizar e agregar, cotidianamente,
os(as) operadores(as) do Direito, de modo a comprometê-los(as) com as mudanças
que ainda estão por fazer, especialmente no tocante à realização do direito
formal como uma experiência concreta de reconhecimento dos direitos das
mulheres.
Jornada
de Lutas das mulheres do campo e da cidade
Porto Alegre, 12 de março de 2014
Via Campesina
Brasil - Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Desempregados (MTD) -
Levante Popular da Juventude - Marcha Mundial das Mulheres (MMM) – Movimento
das Mulheres Camponesas (MMC) - Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores
Rurais sem Terra (MST) - Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
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