segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Legalizar o Estupro: desumanizar as mulheres

ARTIGO da companheira Vanessa para seção Duas Visões do Jornal  Zero Hora - publicado em 24/11/2017

Ser contra a PEC 181 é ser à favor da vida, diz socióloga 


Vanessa Gil, doutoranda em Educação na Unisinos e militante da Marcha Mundial das Mulheres, entende que a proposta quer "dar título de pai a estupradores"


Dezoito homens contra uma mulher. Esse foi o placar da votação da PEC 181, que prevê a retirada do direito ao aborto legal em caso de estupro no Brasil. É doloroso ser mulher e ter de escrever este artigo, porque trato de um direito que poderá ser negado a mim, visto que qualquer mulher pode ser vítima de estupro e ter uma gravidez decorrente desse crime. O estuprador, esse ser horrendo, ele não é um monstro, ele nem sempre é um homem que surge do nada numa rua escura como se imagina na maioria das vezes. Ele é o pai, o vizinho, o primo, o cara da rua onde moramos. Ele é o motorista do aplicativo, o amigo que deu carona. Raramente é um desconhecido. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima. Ele é um criminoso, mas um criminoso próximo, o que explica a subnotificação dos casos. Apenas 10% (Ipea) chegam à polícia. Unindo os casos de estupro com as mortes por violência doméstica, rapidamente cai a ficha das razões para não denunciar. Ela é uma vítima e o inimigo dorme ao lado.

A vida de quem 
está sendo defendida, 
quando negamos 
o direito 
de interromper 
uma gravidez 
em decorrência 
de um estupro?
 
O que aqueles 18 homens pretendem é dar título de pai a estupradores e destruir ainda mais a vida dessas mulheres. A vida de quem está sendo defendida, quando negamos o direito de interromper uma gravidez em decorrência de um estupro? A vida da menina de 12 anos que engravidou do pai? Salvaremos a vida dela fazendo com que largue a escola por vergonha do crime do qual foi vítima? Salvaremos a vida dela obrigando a passar nove meses carregando um feto de um criminoso no ventre? Lembrando a ela todos os dias os momentos horríveis que viveu? E se ela tiver 18 anos? Ou vinte e cinco? Ou a idade de quem está lendo esse artigo? Imagine você sendo agarrada, arrastada, suas roupas rasgadas, um homem te penetrando enquanto você tenta gritar. E, depois de nove meses, pense em como lidar com tudo isso. Não me parece justo tirar das mulheres o direito de escolha.


Sempre vale lembrar que aborto não é, nunca foi, nunca será obrigatório em nenhum caso. Ele é uma possibilidade para quem não deseja carregar a marca do estupro para o resto da vida. E negar isso às mulheres não é negar a todas as mulheres. É negar às pobres. As ricas buscam procedimentos e medicamentos fora do país, ou marcam uma consulta com seu ginecologista. Sim, no ginecologista, pois a interrupção da gravidez, em geral, até a décima segunda semana, é um procedimento simples e seguro se feito de forma adequada. O que esses 18 senhores, representando o fundamentalismo religioso e o conservadorismo, estão fazendo é legalizar a morte de mulheres pobres, que buscarão agulhas de crochê ou lugares insalubres para tentar diminuir a dor da violência que já sofreram. É cruel, perverso. E nessas horas, torço para que o Deus deles exista mesmo, pois seria reconfortante saber que um dia haverá um julgamento para quem negou esse direito à mulher vítima de estupro. Ser contra a PEC 181 é ser à favor da vida, da vida das mulheres.

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