quinta-feira, 10 de março de 2011
Carta aberta para Sandy
Vou te dar um conselho… de mulher pra mulher: você não precisa ser santa, nem puta. Você pode ser livre.
Por Tica Moreno*
Quando eu estava no ensino médio, você fez um desserviço pras meninas da minha idade, que é a mesma idade que a sua.
Foi a época da “garota sandy“: uma jovem, bonita, magra, de cabelo liso, a filha que todo pai e mãe queria ter, rica…. e virgem. E que afirmava que queria casar virgem.
A garota sandy era aquilo que nenhuma de nós éramos, mesmo que a gente tivesse uma ou outra característica dessas aí de cima. A verdade é que a gente nem queria ser daquele jeito.
Foi a primeira vez (que eu me lembre) que eu me vi sendo comparada com um modelo de mulher que eu não queria ser. E eram os outros que nos comparavam. Aí a gente foi se sentindo inadequada, umas mais, umas menos.
Qual era (qual é) o problema de não casar virgem? (Isso pra não perguntar qual é o problema de não querer casar…)
Você não acha um problema de fato, até porque há alguns anos você afirmou que não tinha casado virgem. Fico até aliviada por você, porque imagina se não fosse bom com seu marido? Ainda mais se a relação de vocês for monogâmica e conservadora… Não desejo uma vida sem orgasmo nem pro meu pior inimigo.
Mas voltando. O padrão “garota sandy” não foi uma reportagem qualquer que saiu na revista da folha. Reforçou um padrão que faz com que a anorexia e a bulimia estejam entre as principais doenças de jovens mulheres, que faz com que milhões de meninas e mulheres vivam sua sexualidade a vida inteira de forma passiva, em função do desejo e do prazer do cara, que faz as meninas e mulheres que são donas do seu desejo serem consideradas vadias, vagabundas, putas, devassas.
O machismo faz isso: separa as mulheres entre santas e putas, “valoriza” as santas e puras e desqualifica, discrimina, violenta as “putas”.
Deve ter algum motivo pra você se afirmar como santa, e não como puta, numa época da sua vida.
E daí eu vou te dizer, caso você ainda não tenha entendido o porquê dessa carta aberta, seu segundo desserviço pras mulheres. Ser a nova garota devassa.
Pra quê?? De dinheiro você não precisa.
Você não estudou psicologia? [Não, me disseram aí nos comentários que ela estudou Letras, mal aê - mas eu lancei um google e vi que na época do meu ensino médio, de onde eu tirei a memória pra escrever esse post (ano 2000), circulou ainformação da psicologia, rs.] Deveria ter aprendido alguma coisa sobre sexualidade teoricamente, além da prática (que, de novo, espero que seja boa pra você).
Nem as santas, nem as putas, são donas do seu desejo, do seu corpo, da sua sexualidade. O símbolo da devassa, e o imaginário que essa cerveja construiu – e que você vai propagandear – é o de uma mulher feita nos moldes do que a maioria dos homens tem tesão por. Importa o tesão deles, e não o nosso.
As revistas femininas (e as masculinas) fazem isso também. Sabe aquelas dicas da Nova pra fazer qualquer mulher deixar qualquer homem louco na cama? Então. É o mesmo machismo, a mesma submissão.
Você de alguma forma tá querendo apagar a imagem de santa, usando a idéia de que você pode ser devassa?
Vou te dar um conselho… de mulher pra mulher: você não precisa ser santa, nem puta. Você pode ser livre.
* Tica Moreno é formada em Ciências Sociais, foi do DCE da USP e do Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CEUPES). Atualmente trabalha na Sempreviva Organização Feminista, SOF. Tica é militante da Marcha Mundial das Mulheres.
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Nossa, acho que nem a Sandy sabia que era tão poderosa assim, a ponto de traumatizar toda uma geração de meninas. A Sandy está na dela, o problema é a mídia - formal e informal - que dá muita ênfase a vida alheia. Gente, vamos parar de nos preocuparmos com estereótipos, e olhar mais para nossas próprias vidas. A verdade é que o machismo já existe desde os primórdios da humanidade.
ResponderExcluirCerto, então por causa disto vamos dizer que devemos continuar com ele? Cai na real !!! Não precisamos de Sandys, nem Devassas, nem Santas nem Putas - queremos ser livres, inclusive de mulheres que pensam como tu....
ResponderExcluirEu ia postar algo, mas me senti contemplado com o comentário: "Nossa, acho que nem a Sandy sabia que era tão poderosa assim, a ponto de traumatizar toda uma geração de meninas. A Sandy está na dela, o problema é a mídia - formal e informal - que dá muita ênfase a vida alheia."
ResponderExcluirSão bem inocentes post como "deixa a sandy" ou "a culpa é da mídia"
ResponderExcluirUm artista vende sua imagem o tempo todo e nao venha me falar em manipulação de imagem pq ele se empenha nisso.
Que o machismo existe desde a pré historia nós sabemos, o que nao concordamos é na propagação, reafirmação do mesmo por uma mulher, branca, que estudou num dos melhores centros intelectuais do país.
Ao rotular-se devassa a Sandy retrocede, afirma pra milhoes de meninas que ser devassa é algo ótimo (pra quem?) ela nao afirma que ser devassa é UMA possibilidade entre MIL.
Vale lembrar que MUITAS mulheres apanham por machismo, milhões casam por imposição, nao tem orgasmos, nao seguem suas carreiras, nao tem vontade propria.
Defender essa infeliz é desconhecer todo o entorno que a opressao machista causa.
Só lamento por essas pessoas que, a meu ver, são piores que a outra.
Sinceramente, a imagem de virgem da Sandy foi construída e reforçada por adultos. Lembremos de que ela era extremamente jovem quando começou a carreira. Sempre tive impressão de que isso a incomodou, principalmente porque queriam expor sua sexualidade na mídia, tirando seu legítimo direito de privacidade.
ResponderExcluirPor que era tão importante saber se ela era virgem ou não? Isso ainda tem que ser importante pra definir o caráter ou a qualidade do trabalho de uma mulher?
Das entrevistas que me lembro de ter visto em sua fase adulta, ela sempre evitou "revelar" se tinha iniciado ou não a vida sexual, porque obviamente isso compete apenas a ela.
Nasci no mesmo ano que ela, e no meio social onde vivi sua sexualidade era mais ridicularizada do que glorificada (mas obviamente isso é um recorte cultural e social BEM específico).
Se a intenção dela era manter o tradicional papel de "mulher pra casar" não haveria porquê ela dizer que não casou virgem.
Das propagandas de cerveja que conheço essa foi, sinceramente, uma das mais leves (algo que foi inclusive estratégico da parte dos publicitários - é só analisarmos o rolo que teve com a propaganda anterior).
Não vi nenhuma insinuação de submissão ou uma apelação sexual - o que se vc for ver os comentários em youtube e outras redes sociais causou INDIGNAÇÃO por pessoas machistas.
Até no discurso da cantora ela utilizou a palavra devassa mais como "despojada" do que "aquela que serve sexualmente aos homens".
Sobre a magreza da cantora, nunca a vi explorando esse aspecto tanto quanto outras "celebridades" que pousam de biquini pra revistas de dieta...
Eu conheço muito bem "o entorno que a opressão machista causa", mas creio que há "celebridades" que se submetem muito mais à propagandeação desse universo do que ela.
Ass: alguém que nunca imaginou "defender" a Sandy! kkk