Não,
esse texto não é sobre a Xuxa, é sobre preconceito, misoginia,
sexismo. É sobre a incapacidade de discernimento de algumas pessoas.
Sobre oportunismo de outras. Sobre a ignorância de todas elas.
No
domingo, 20 de maio, no Fantástico, a Xuxa revelou ter sofrido
abusos sexuais na infância, mais de uma vez, por um amigo do pai e
por um professor. Não me interessa o que a Xuxa representa, o que a
Globo representa, o que o Fantástico representa. Importa o que o
abuso sexual sofrido por qualquer mulher representa para o meu
feminismo, para mim. Não relativizo violência contra mulheres. Não
há mais violência, menos violência, há machismo e preconceito.
O
que é emblemático nesse caso são as justificativas usadas para
tirar a misoginia do armário. O assunto tomou conta das redes
sociais com as piadas politicamente incorretas fazendo sucesso,
surgindo a afirmação de que o caso foi inventado apenas para
desviar o olhar público sobre a última CPI. É tão absurdo que não
merece nem argumentação. Outras publicações sugerem que ela não
merece crédito poque namorou o Senna, o Pelé, ou a Marlene Matos.
Como dizemos na Marcha Mundial das Mulheres: Se o corpo é da
mulher, ela dá para quem quiser, inclusive para outra mulher.
Mas é para quem ela quiser mesmo, e só se ela quiser. E falamos de
mulheres adultas. Mulheres jovens, crianças, masculinas ou
femininas, não desejam ser abusadas, são sempre as vítimas.
A
Xuxa mentiu, dizem muitos, para aumentar o Ibope da Globo. Ora, a
Globo tem seu gado cativo, precisa bem menos do que isso para segurar
o olhar d@s telespectador@s. Não acredito
que uma mulher invente um abuso sexual, um caso de pedofilia, algo
tão horroroso assim, apenas para ganhar pontos no IBOPE. Há formas
bem mais prazeiras e menos humilhantes de chamar muito mais a
atenção, de causar polêmica.
Outro
ponto curioso dessa misoginia nas redes sociais é que grande parte
das pessoas que hoje compartilham fotos da Xuxa com piadas sobre seu
abuso, sua sexualidade, sua conduta moral, são as mesmas que
postam convites para a Marcha das Vadias, afirmando que somos todas
isso, somo todas aquilo. Infelizmente a única coisa comum a todas
nós é a opressão patriarcal e capitalista. Algumas de nós tem em
comum a luta para mudar esse mundo machista e
androcentrico. Nenhuma de nós passa pela vida sem sofrer com o
preconceito.
Espero
que um dia possamos dizer que não somos nem santas, nem vadias, nem
putas, porque seremos todas livres e solidárias. E que nossa conduta,
qualquer que seja, não sirva de justificativa para o abuso e
controle dos nossos corpos. Que poderemos, de fato, apoiarmo-nos
mutuamente, reconhecendo na outra mulher a opressão que pesa sobre
cada uma de nós. Que possamos exercitar solidariedade com a nossa
classe até o ponto em que classes não existam mais, que sejam superadas
por um mundo justo e igualitário. Mas que, até lá, a condição de
mulher não seja esquecida pelas diferenças econômicas e
ideológicas.
Sou
solidária com a Xuxa da mesma forma que sou com todas as outras
mulheres. Repudio a forma como essa sociedade machista trata o abuso
da Xuxa, como trata o assassinato da Eliza Samúdio, como tratou a
minha colega da 7° série que foi estuprada pelo pai e por conta
disso nunca mais foi à aula. Sou solidária, só isso.
*Vanessa Gil é Cientista Social
Militante Feminista da Marcha Mundial das Mulheres RS
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