#Ep.08 - O episódio conta com a participação especial de Jeanice Dias Ramos, jornalista, especialista em gestão de políticas públicas com ênfase para igualdade racial e de gênero convidada para refletir sobre a luta feminista e antirracista. A partir do conceito de colonialidade do poder e racismo estrutural, o episódio reflete sobre desigualdades e violências naturalizadas em nosso cotidiano e como a luta antirracista e feminista pode e deve envolver toda a sociedade em novas práticas e ações cotidianas.
O cenário brasileiro composto por disparidade social e econômica se transforma num desafio não só para negras e negros, mas que tem que ser enfrentado, através de políticas públicas e privadas de promoção de igualdade racial e combate ao racismo, envolvendo estratégias para eliminar a mortalidade, como também o encarceramento da juventude negra.
No momento que estamos passando não existe diálogo.
As coisas são resolvidas pela comunidade branca, sem os negros serem ouvidos, sem direito a voz.
Enquanto permanecermos apartados não teremos um projeto de nação.
A indiferença pela questão racial, que não é colocada na mesa de discussão, não é prioridade, faz com que a sociedade como um todo não progrida.
Nós negros somos parte importante deste espectro.
Sabemos que as cotas implantadas foram importantes para alavancar jovens negros nas universidades, mas logo após a formatura se deparam com um mercado de trabalho adverso.
A meritocracia impera, atravancando espaços que podem ser ocupados pelo jovem negro egresso da universidade.
Na área de segurança, por exemplo, teríamos que contar com uma política de combate as drogas, que seduzem nossa juventude, por um boné de grife e um tênis de marca importado.
Negros da periferia, recrutados pela ilusão do consumismo.
São mães diaristas, manicures, garçonetes, cozinheiras, ambulantes dando conta do trabalho e dos filhos.
Não tem condições de acompanhar a trajetória imediatista do filho adolescente.
As mulheres negras são segmento da sociedade que mais sofre a discriminação.
Considerando que historicamente falando a abolição é algo recente, e nas muitas transformações que aconteceram no país as mulheres negras foram tratadas com desprezo, desdém, nunca com dignidade.
Estuprada, com família desestruturada, com salário ínfimo, sem poder estudar, tendo que trabalhar muito jovem, com mercado de trabalho que as rejeita, enfim uma série de fatores que não contribuem para uma vida com saúde física e mental.
Só mais recentemente são vistos estudos acadêmicos sobre o adoecimento da população negra, como a depressão, a ansiedade, nem sempre diagnosticado, em função do desconhecimento, como o acesso ao tratamento.
Com a entrada no mercado de trabalho de médicos, psicólogos, enfermeiros negros, que entendem a problemática, ficou mais fácil de enxergar as causas da doença.
Existe ainda um mito de que negros são mais resistentes a dor. É corriqueiro o relato de violência obstétrica entre as mulheres negras.
Muitas vivendo em moradias precárias, em favelas e comunidades, com dificuldades de água e esgoto, com limitado acesso à saúde pública.
Mas a mulher negra é aguerrida.
Ao longo desses anos foram sendo estruturada uma rede de contatos.
Em Porto Alegre podemos citar organizações não governamentais que atuam para dar suporte à mulher negra.
Temos Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras, onde Maria Conceição Lopes Fontoura é Coordenadora Adjunta. Desenvolvem suas atividades na Vila Cruzeiro.
Lá as jovens aprendem informática, culinária e embelezamento. A pedido das próprias alunas foi incluído um curso de como gerenciar seu dinheiro, este último em parceria com o SICREDI.
Temos a ACMUN - Associação Cultural de Mulheres Negras, que atua mais na área da saúde, sob a coordenação de Simone Cruz.
Também a ATINUKÉ - Grupo de Estudos sobre o Pensamento de Mulheres Negras, ligado ao Africanamente, tendo como mentora Nina Fola.
E ainda AKANNI – Instituto de Pesquisa e Assessoria em Direitos Humanos, Gênero, Raça e Etnias, coordenado por Reginete Bispo.
Isto é uma pequena amostragem de como as mulheres se mexem e furam a bolha que as mantém afastadas do conforto, da serenidade, como se todo o tempo estivessem em uma constante guerra.
Para chegar nesse patamar de conhecimento e vivências as mulheres negras tiveram alguns espelhos. Tanto Angela Davis como bell hooks foram as fontes onde as feministas negras beberam.
Com atraso de décadas vieram as informações dos Estados Unidos, tanto é que atualmente Angela Davis mudou o seu foco de trabalho, lidando agora com o encarceramento da comunidade negra e a Palestina.
Mas uma grande mentora nacional foi Lélia Gonzalez, motivadora do feminismo negro.
Evoluímos mais um pouco e já temos duas filósofas negras brasileiras reconhecidas: Sueli Carneiro e Djamila Ribeiro, esta última amplamente tietada pelos jovens.
Temos que elaborar um projeto de nação que contemple as periferias e favelas, que dialogue com a vida real do povo negro.
Que a população negra saia deste lugar subalterno e protagonize, em conjunto, as mudanças que se fazem necessárias para reduzir a vulnerabilidade da juventude negra, que diminua a violência racial, a taxa de homicídios e o encarceramento da juventude negra.
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