Marchantes,
seguindo com nosso
compromisso para o 4º módulo da Jornada de Formação Feminista da MMM RS
(ecofeminismos) para 5º Ação Internacional, apresentamos a útilma publicação do
módulo.
Apresentamos a tradução
do artigo ECOSOCIALISMO-ECOFEMINISMO,
por ARIEL SALLEH,
publicado em 1992 na segunda edição da revista Ecologia Política (disponível em
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6811968). Para melhor aproveitamento do conteúdo deste texto, sugerimos a leitura das publicações anteriores deste módulo de formação.
Aproveitamos para
retomar a publicação sobre o II Congresso ANAMURI (Congresso Nacional
da Associação de Mulheres Rurais e Indígenas do Chile: ¡Sin feminismo, no habrá
socialismo! disponível
em: https://marchamulheres.wordpress.com/2014/12/01/ii-congreso-anamuri/
O quinto módulo da jornada de formação feminista da MMM RS para a 5º
Ação Internacional já está em construção!
Resistimos para viver, Marchamos para transformar!
ECOSOCIALISMO-ECOFEMINISMO, por ARIEL SALLEH
Desde o princípio esta revista** tem tratado do [ecofeminismo], mas o uso do termo tem levado a conceitos
errôneos que devem ser elucidados. Mesmo que a certo nivel de abstração o
ecofeminismo é paralelo ao ecosocialismo, também é complementar, enquanto que
uma formulação coerente do ecosocialismo deve incluir análises ecofeministas.
Para começar, o eofeminismo é um acontecimento politico de uns 15
anos. Sua historia inclui iniciativas internacionais de mulheres sobre armas nucleares,
pesticidas, engenharia genética, conservação da água e das florestas, aditivos
cancerígenos nos alimentos, apenas para citar algumas intervenções. Tem em sua
literatura cerca de duas dúxias de livros, e uns duzento ou mais artigos1.
As teorias ecofeministas tratam distintos campos, desde a história da ciência à
crítica epistemiológica, desde a ética ecológica à crítica a economia burguesa,
desde a teoria marcxistas às políticas verdes2. Como apontou Lori
Ann Thrupp (no primeiro número de Ecologia Política), os diversos
paradigmas do pensamento feminista contemporâneo encontram uma nova síntese no
ecofeminismo. Seu tema central é nossa crise global. As escritoras
ecofeministas aproveitam de diferentes maneiras a tradição feminista, algumas
insistem no sentido radical da [diferença], outras surgem do
feminismo socialista, e há outras3. Há variações nos paradigmas do
ecofeminismo, mas também há no incipiente ecosocialismo que aparece em Capitalism,
Nature, Socialism. Além disso, o ecofeminismo é um fenômeno internacional,
com variações típicas segundo a zona. A orientação espiritualista do
ecofeminismo da costa oeste dos Estados Unidos é distinta do enfoque socialista
da Europa e Austrália.
Assim, vamos considerar coneitos errôneos sobre o ecofeminismo. As
vezes se supõe ao ecofeminismo atributos como [destinos
biológicos] ao [feminimo] e ao [masculino].
No entanto, é difícil imaginar que nenhuma feminista com conhecimento de
marxismo, psicoanalises e pós-estruturalismo, pode incorrer ao biologismo. De
fato, que o gênero é uma construção social e não biológica, é o primeiro degrau
do pensamento feminista, assim como a determinação pelo modo de produção é, a
priori, para os socialistas. As ecofeministas nos falam de termos
[masculino] e [feminino] como categorias culturais
universais, ou ao menos de uso comum. No entanto, insistem que estas categorias
são impostas socialmente como atributos pessoais dos seres humanos sexuados, as
vezes com mau ajuste.
Para as ecofeministas lhes interessera principalmente mostrar o
resultado estrutural que tem a valorização social assimétrica do gênero:
[masculino-razão-luz-ordem-cultura] versus
[feminino-ecmoção-escuro-caos-natureza]. Estas imagens
patricarcais de gênero estão imersas nas instituições sociais. A análise de
Brinda Rao da identificação das mulheres com a água na Índia, mostra este
processo e o impacto brutal que pode causar na vida diária das mulheres4.
É interessante que James O’Conos havia escrito no mesmo número de CNS que os
ecosocialistas se encontram em um dilema frente as ideologias naturalistas já
que as rejeitam e ao mesmo tempo pedem que a [natureza] volte a
entrar na economia política. James O’Connor disse, referindo-se ao capitalismo
mais que ao patriarcado, que a [essência da ideologia é o naturalismo
coisificado]5. As ecofeministas também tratam de desconstruir
sutilmente a ideologia patriarcal da [Mãe Natureza] enquanto
tentam teorizar a inclusão humana no que chamamos [natureza].
Como tem indicado O’Connor, os movimentos devem lutar contra as condições
hegemônicas, mas desde dentro. Isto é como caminhar em uma corda frouxa, mas
não é um trabalho impossível para aqueles que tem aprendido a refletir.
As feministas não creem que [a biologia seja o
destino]. Ao mesmo tempo pensam que as pessoas do sexo feminino, e
determinadas por isto, podem decidir reafirmar esta [diferença]
como uma maneira de se fortalecer: por exemplo, os rituais baseados na
celebração do corpo de alguns grupos ecofeministas. Estas práticas, que são em
sí mesmas criativas, ajudam a destruir as ideologias patriarcais da
[feminilidade]. É igualmente importante o trabalho de outras
ecofeministas que analisam as consequências sociais, politicas e econômicas do
sexo biológico. Isto não significa [essencializar] a
feminilidade, e sim entender as condições materiais da experiência vivida das
mulheres. As mulheres que criam crianças nas favelas das cidades do Brasil
sabem bem que este é um fato econômico. No entanto, os políticos não podem
desprezar o [biológico], pois esse desprezo é precisamente o que
leva ao capitalismo patriarcado do Ocidente a um beco sem saída ecológica,
fazendo necessária uma teoria ecosocialista.
É uma permissa fundamental do ecofeminismo que nas culturas
patriarcais os homens tem o direito de explorar a natureza do mesmo modo que
exploram as mulheres. No entanto, muitos homens ecologistas dificilmente
aceitam isso. Podem aceitar a substancial contribuição das mulheres para as
atividades ecologistas e desejam que na sociedade futura se elimine a opressão
das mulheres, mas não podem ir tão longe reconhecendo que há uma teoria
distinta e independente chamada ecofeminismo. Há quem diga simplesmente que o
ecofeminismo é parte da Ecologia Social, que acredite que a dominação social e
a dominação da natureza estão relacionadas. Enquanto a maioria das
ecofeministas estão de acordo com esta proposição, chegam a elas desde
diferentes lugares: desde o anarco-comunismo; desde o feminismo socialista; e
desde os conceitos radicais culturalistas de [diferença]. Além
disso, a maioria das mulheres ativistas, mães ou avós, chegam a esta conclusão
sem ajuda de nenhuma teoria.
A palavra [ecofeminismo] foi utilizada pela primeira
vez, que sabemos, em Paris, em torno de 1974, mas durante a década de 70 a
ideia surgiu independe em mais vários lugares – Sicilia, Japão, Venezuela,
Austrália, Finlândia, Estados Unidos. Para as mulheres não é preciso que lhes
expliquem uma filosofia social fechada para entender que seu trabalho e
sexualidade são [utilizadas] pelos homens de maneira semelhante a
como exploram a natureza. A apropriação do trabalho de Rachel Carson pela
ecologia oficial de hoje é um exemplo. A constituição da EPA (Environmental
Protection Agency – Agência de Proteção Ambiental) foi uma resposta direta a
sua investigação. No entanto, enquanto que Pinchot, Muir, Berry y Commoner são
conhecidos como [padres] do movimento ecologistas, a contribuição
de Rachel Carson é invariavelmente silenciada. A história do ecologismo dos
Estados Unidos de Daniel Faber y James O’Connor remedia muito pouco6 ,
já que subestima a força das mulheres nas campanhas ecologistas. Como
[trabalhadoras] políticas formam parte da metade dos membros
ativos da maioria das organizações, muitas são [donas de casa],
incluindo mães solteiras não pagas, como Kathy Hall explicava em CNS7.
Esta observação também valia na URSS, se acreditarmos o que dizia uma delegação
de periodistas russos que visitou Chicago em 1989. No entanto, Faber y O’Connor
creem que a espinha dorsal do movimento ecologista é a classe de novos
[assalariados] no Estados Unidos e os [científicos]
na URSS. Em verdade, os profissionais, normalmente homens, assumes as posições
de porta-vozes, mas isto é julgar um movimento político segundo as aparências
ignorando o movimento de base. Uma questão interessante é: Por que as mulheres
chegam ao ecologismo neste momento histórico?
Ao discutir o ecofeminismo, o artigo de Faber y O’Connor toma um
rumo oposto àqueles que querem fazê-lo desaparecer absorvido pela Ecologia
Social. Sua tendência é incluir o ecofeminismo não na Ecologia Social e sim no
seu rival, a Ecologia Profunda. Por isso dizem que as ideologias neorromânticas
sobre a natureza influenciam e se fundem nas novas ideias e valores
ecofeministas8. O nascimento do ecofeminismo como uma força política
autônoma se perde aqui. E o que é pior, somente se faz referencia a uma fonte
escrita ecofeminista, e mesmo assim, no é uma contribuição norte-americana. De
fato, ironicamente, esta fonte é uma critica contra a Ecologia Profunda. Um
ensaio que, junto a outros de tendência de esquerda, provocou cerca de 60
páginas de respostas enfadadas desde o campo da Ecologia Profunda9.
Não, o ecofeminismo não é submisso a Ecologia Profunda, embora compartilhe eu
projeto de [desfazer o artificio ideológico que separa a humanidade da
natureza], projeto que o mesmo ecosocialismo deve empreender já que as
crises ecológicas nos tem trazido a necessidade de entender quais são as
conexões entre humanos e natureza. No entanto, há outra curiosidade na citação
da fonte ecofeminista no artigo de Faber y O’Connor. Este meu artigo – escrito
enquanto era editora de uma revista socialista – se classifica como
neorromantico e, portanto, politicamente regressivo. Isto, apesar de que o
articulo estende a crítica marxista ao positivismo e a racionalidade
instrumental, ao cientificismo tático e as tendências de gestão tecnocráticas
de alguns textos da Ecologia Profunda. Ademais, em meu artigo falo da
importância do trabalho das mulheres em meia dúzia de lugares. Isto
precisamente não é silenciar as atividades econômicas das mulheres.
Em resposta a critica de Lori Ann Thrupp na mesma revista, Faber y
O’Connor agravam seu [breve tratamento] com a ideia de que o
ecofeminismo radical é romântico em três sentidos10. Primeiro, creem
que é anti científico e anti tecnológico. Isto não faz justiça às sofisticadas
criticas epistemológicas apresentadas por algumas mulheres. Tão pouco reconhece
o trabalho pioneiro de algumas mulheres ativistas do Terceiro Mundo no campo da
tecnologia apropriada. Em segundo lugar, o ecofeminismo radical é visto por
Faber y O’Connor como a superioridade do corpo sobre a mente, outra vez o velho
problema do biologismo. Esperamos que os leitores estejam persuadidos de que, o
que agora se está tratando no ecofeminismo, é as desconstruções das noções
patriarcais do corpo, enquanto se exploram concepções alternativas. É um
processo dialético. Uma analogia com o ecosocialismo poderia ser que o
ecosocialismo uma vez que critica a noção de [escassez]
burguesa-liberal, deve inventar novas práticas econômicas para a vida
sustentável em um mundo de recursos esgotáveis. Mas, há uma questão mais fundamental
na objeção de Faber y O’Connor contra a preocupação ecofeminista pelo corpo: a
adoção do dualismo patriarcal que separa [corpo] e
[mente] como se fossem entidades independentes. Entidades
valorizadas de formas diferentes, a mente na esfera [masculina],
com privilégios sobre o corpo, inerte, impuro, [feminino]. Aqui
os autores continuam a tradição judaico-cristã, baconiana-cartesiana,
marxista-sartriana. Cada um destes discursos tem sido impulsionado pela vontade
[masculina] comum de desconectar e transcender nossa condição
material: o que Marx chamou necessidade. Esta é precisamente a mesma
epistemologia que tem subordinado a ecologia à economia, uma hegemonia que o
ecosocialismo deve aprender agora a rechaçar. Em terceiro lugar, Faber y O’Connor
relacionam o ecofeminismo racial com o romantismo porque o associam com
[teorias orgânicas que enfatizam laços emocionais com (o cuidado) da
comunidade]. Aqui o impulso racionalista de transcender a conexão
corporal com um lugar e com relações determinadas mostra, outra vez sua face.
Patrocinam um modelo de sociedade que abstrai, quantifica e devolve mercadorias
não somente à experiência humana, mas também à natureza. A critica marxista diz
que este impulso racionalista é guiado pela dominação e controle social. De
qualquer modo, esta base epistemológica descansa sobre um naturalismo
coisificado que é pura ideologia e é algo que Faber y O’Connor seguramente não
querem apoiar.
Voltemos finalmente a ideia de [cuidar]. Embora
muito desprezada, esta tem sido sempre a classe de serviço/trabalho que se tem
requerido das mulheres no capitalismo patriarcal. Enquanto a sociedade difama o
valor deste trabalho, a reprodução social no se pode dar sem ele. Esta é uma
atividade que deve ser considerada economicamente desde o ponto de vista
ecológico (mesmo que não tenha valorização crematística) e como tal deve
interessar aos teóricos do ecosocialismo. Em um contexto pós-patriarcal futuro,
os homens também podem assumir os trabalhos de [cuidadores]. A
menos que, claro, novas forças de produção ou tecnologias se encarreguem disso.
Por enquanto, já que os ecosocialistas buscam uma fórmula coerente da
[totalidade concreta], poderiam ler um pouco mais cuidadosamente
o trabalho ecofeminista. Muitas mulheres passaram boa parte dos anos 1970 e
1980 tentando que seus irmãos socialistas reformulassem as categorias do
marxismo levando em conta o gênero. O efeito tem sido nulo. Seria uma lástima
que o dialogo entre ecofeminismo e ecosocialismo na década de 90 se limite a repetir,
simplesmente, a velha
história.
*Socióloga e escritora australiana.
**Revista Ecologia Política, ISSN 1130-6378, Nº 2, 1992, págs.
89-92
[1] O primeiro seminário de ecofeminismo foi organizado por
Ynestra King no Instituto para Ecologia Social, mas algumas universidades agora
ofertam o seminário. Na Universidade de Chicago, 27 graduações (desde Teologia
até Políticas Públicas) seguiram um curso com a autora em 1989. Este é
oferecido na Universidade de New South Wales, Austrália, desde 1984.
[2] Livros representativos das ecofeministas são Rosemary
Ruether, New Woman, New Earth (NT: Dove, 1975), Leonie
Caldecott y Stephanie Leland, eds., Reclaim the Earth (Londres:
Women’s Press, 1983), Vandana Shiva, Staying Alive (Londres:
Zed, 1989)
[3] Lori Ann Thrupp, <>, CNS, 3, novembro, 1989, en cast. En Ecología
Política, 1, 1990.
[4] Brinda Rao, <>, CNS 2, verão, 1989. En Ecologia
Política, 1, 1990.
[5] James O’Connor, <>, CNS 2,
verão 1989, p.5.
[6] Daniel Faber y James O’Connor, <>, CNS 2, verão, 1989, en Ecologia Política, 1, 1990.
[7] Kathy Hall, <
[8] Faber y O’Connor, op cit, p.32.
[9] Ariel Salleh, <Environmental Ethics
, 6, 1984.
[10] Daniel Faber y James O’Connor,
<> CNS, 3,3 novembro 1989, p.177, en cast.
en Ecologia Politica, 1, 1990.
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