segunda-feira, 6 de julho de 2020

Jornada de Formação Feminista: Ecosocialismo-Ecofeminismo

Marchantes,

seguindo com nosso compromisso para o 4º módulo da Jornada de Formação Feminista da MMM RS (ecofeminismos) para 5º Ação Internacional, apresentamos a útilma publicação do módulo.

Apresentamos a tradução do artigo ECOSOCIALISMO-ECOFEMINISMO, por ARIEL SALLEH, publicado em 1992 na segunda edição da revista Ecologia Política (disponível em https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6811968). Para melhor aproveitamento do conteúdo deste texto, sugerimos a leitura das publicações anteriores deste módulo de formação.

Aproveitamos para retomar a publicação sobre o II Congresso ANAMURI (Congresso Nacional da Associação de Mulheres Rurais e Indígenas do Chile: ¡Sin feminismo, no habrá socialismo! disponível em: https://marchamulheres.wordpress.com/2014/12/01/ii-congreso-anamuri/

O quinto módulo da jornada de formação feminista da MMM RS para a 5º Ação Internacional já está em construção!

Resistimos para viver, Marchamos para transformar!


ECOSOCIALISMO-ECOFEMINISMO, por ARIEL SALLEH
Desde o princípio esta revista** tem tratado do [ecofeminismo], mas o uso do termo tem levado a conceitos errôneos que devem ser elucidados. Mesmo que a certo nivel de abstração o ecofeminismo é paralelo ao ecosocialismo, também é complementar, enquanto que uma formulação coerente do ecosocialismo deve incluir análises ecofeministas.

Para começar, o eofeminismo é um acontecimento politico de uns 15 anos. Sua historia inclui iniciativas internacionais de mulheres sobre armas nucleares, pesticidas, engenharia genética, conservação da água e das florestas, aditivos cancerígenos nos alimentos, apenas para citar algumas intervenções. Tem em sua literatura cerca de duas dúxias de livros, e uns duzento ou mais artigos1. As teorias ecofeministas tratam distintos campos, desde a história da ciência à crítica epistemiológica, desde a ética ecológica à crítica a economia burguesa, desde a teoria marcxistas às políticas verdes2. Como apontou Lori Ann Thrupp (no primeiro número de Ecologia Política), os diversos paradigmas do pensamento feminista contemporâneo encontram uma nova síntese no ecofeminismo. Seu tema central é nossa crise global. As escritoras ecofeministas aproveitam de diferentes maneiras a tradição feminista, algumas insistem no sentido radical da [diferença], outras surgem do feminismo socialista, e há outras3. Há variações nos paradigmas do ecofeminismo, mas também há no incipiente ecosocialismo que aparece em Capitalism, Nature, Socialism. Além disso, o ecofeminismo é um fenômeno internacional, com variações típicas segundo a zona. A orientação espiritualista do ecofeminismo da costa oeste dos Estados Unidos é distinta do enfoque socialista da Europa e Austrália.

Assim, vamos considerar coneitos errôneos sobre o ecofeminismo. As vezes se supõe ao ecofeminismo atributos como [destinos biológicos] ao [feminimo] e ao [masculino]. No entanto, é difícil imaginar que nenhuma feminista com conhecimento de marxismo, psicoanalises e pós-estruturalismo, pode incorrer ao biologismo. De fato, que o gênero é uma construção social e não biológica, é o primeiro degrau do pensamento feminista, assim como a determinação pelo modo de produção é, a priori, para os socialistas. As ecofeministas nos falam de termos [masculino] e [feminino] como categorias culturais universais, ou ao menos de uso comum. No entanto, insistem que estas categorias são impostas socialmente como atributos pessoais dos seres humanos sexuados, as vezes com mau ajuste.

Para as ecofeministas lhes interessera principalmente mostrar o resultado estrutural que tem a valorização social assimétrica do gênero: [masculino-razão-luz-ordem-cultura] versus [feminino-ecmoção-escuro-caos-natureza]. Estas imagens patricarcais de gênero estão imersas nas instituições sociais. A análise de Brinda Rao da identificação das mulheres com a água na Índia, mostra este processo e o impacto brutal que pode causar na vida diária das mulheres4. É interessante que James O’Conos havia escrito no mesmo número de CNS que os ecosocialistas se encontram em um dilema frente as ideologias naturalistas já que as rejeitam e ao mesmo tempo pedem que a [natureza] volte a entrar na economia política. James O’Connor disse, referindo-se ao capitalismo mais que ao patriarcado, que a [essência da ideologia é o naturalismo coisificado]5. As ecofeministas também tratam de desconstruir sutilmente a ideologia patriarcal da [Mãe Natureza] enquanto tentam teorizar a inclusão humana no que chamamos [natureza]. Como tem indicado O’Connor, os movimentos devem lutar contra as condições hegemônicas, mas desde dentro. Isto é como caminhar em uma corda frouxa, mas não é um trabalho impossível para aqueles que tem aprendido a refletir.

As feministas não creem que [a biologia seja o destino]. Ao mesmo tempo pensam que as pessoas do sexo feminino, e determinadas por isto, podem decidir reafirmar esta [diferença] como uma maneira de se fortalecer: por exemplo, os rituais baseados na celebração do corpo de alguns grupos ecofeministas. Estas práticas, que são em sí mesmas criativas, ajudam a destruir as ideologias patriarcais da [feminilidade]. É igualmente importante o trabalho de outras ecofeministas que analisam as consequências sociais, politicas e econômicas do sexo biológico. Isto não significa [essencializar] a feminilidade, e sim entender as condições materiais da experiência vivida das mulheres. As mulheres que criam crianças nas favelas das cidades do Brasil sabem bem que este é um fato econômico. No entanto, os políticos não podem desprezar o [biológico], pois esse desprezo é precisamente o que leva ao capitalismo patriarcado do Ocidente a um beco sem saída ecológica, fazendo necessária uma teoria ecosocialista.

É uma permissa fundamental do ecofeminismo que nas culturas patriarcais os homens tem o direito de explorar a natureza do mesmo modo que exploram as mulheres. No entanto, muitos homens ecologistas dificilmente aceitam isso. Podem aceitar a substancial contribuição das mulheres para as atividades ecologistas e desejam que na sociedade futura se elimine a opressão das mulheres, mas não podem ir tão longe reconhecendo que há uma teoria distinta e independente chamada ecofeminismo. Há quem diga simplesmente que o ecofeminismo é parte da Ecologia Social, que acredite que a dominação social e a dominação da natureza estão relacionadas. Enquanto a maioria das ecofeministas estão de acordo com esta proposição, chegam a elas desde diferentes lugares: desde o anarco-comunismo; desde o feminismo socialista; e desde os conceitos radicais culturalistas de [diferença]. Além disso, a maioria das mulheres ativistas, mães ou avós, chegam a esta conclusão sem ajuda de nenhuma teoria.

A palavra [ecofeminismo] foi utilizada pela primeira vez, que sabemos, em Paris, em torno de 1974, mas durante a década de 70 a ideia surgiu independe em mais vários lugares – Sicilia, Japão, Venezuela, Austrália, Finlândia, Estados Unidos. Para as mulheres não é preciso que lhes expliquem uma filosofia social fechada para entender que seu trabalho e sexualidade são [utilizadas] pelos homens de maneira semelhante a como exploram a natureza. A apropriação do trabalho de Rachel Carson pela ecologia oficial de hoje é um exemplo. A constituição da EPA (Environmental Protection Agency – Agência de Proteção Ambiental) foi uma resposta direta a sua investigação. No entanto, enquanto que Pinchot, Muir, Berry y Commoner são conhecidos como [padres] do movimento ecologistas, a contribuição de Rachel Carson é invariavelmente silenciada. A história do ecologismo dos Estados Unidos de Daniel Faber y James O’Connor remedia muito pouco, já que subestima a força das mulheres nas campanhas ecologistas. Como [trabalhadoras] políticas formam parte da metade dos membros ativos da maioria das organizações, muitas são [donas de casa], incluindo mães solteiras não pagas, como Kathy Hall explicava em CNS7. Esta observação também valia na URSS, se acreditarmos o que dizia uma delegação de periodistas russos que visitou Chicago em 1989. No entanto, Faber y O’Connor creem que a espinha dorsal do movimento ecologista é a classe de novos [assalariados] no Estados Unidos e os [científicos] na URSS. Em verdade, os profissionais, normalmente homens, assumes as posições de porta-vozes, mas isto é julgar um movimento político segundo as aparências ignorando o movimento de base. Uma questão interessante é: Por que as mulheres chegam ao ecologismo neste momento histórico?

Ao discutir o ecofeminismo, o artigo de Faber y O’Connor toma um rumo oposto àqueles que querem fazê-lo desaparecer absorvido pela Ecologia Social. Sua tendência é incluir o ecofeminismo não na Ecologia Social e sim no seu rival, a Ecologia Profunda. Por isso dizem que as ideologias neorromânticas sobre a natureza influenciam e se fundem nas novas ideias e valores ecofeministas8. O nascimento do ecofeminismo como uma força política autônoma se perde aqui. E o que é pior, somente se faz referencia a uma fonte escrita ecofeminista, e mesmo assim, no é uma contribuição norte-americana. De fato, ironicamente, esta fonte é uma critica contra a Ecologia Profunda. Um ensaio que, junto a outros de tendência de esquerda, provocou cerca de 60 páginas de respostas enfadadas desde o campo da Ecologia Profunda9. Não, o ecofeminismo não é submisso a Ecologia Profunda, embora compartilhe eu projeto de [desfazer o artificio ideológico que separa a humanidade da natureza], projeto que o mesmo ecosocialismo deve empreender já que as crises ecológicas nos tem trazido a necessidade de entender quais são as conexões entre humanos e natureza. No entanto, há outra curiosidade na citação da fonte ecofeminista no artigo de Faber y O’Connor. Este meu artigo – escrito enquanto era editora de uma revista socialista – se classifica como neorromantico e, portanto, politicamente regressivo. Isto, apesar de que o articulo estende a crítica marxista ao positivismo e a racionalidade instrumental, ao cientificismo tático e as tendências de gestão tecnocráticas de alguns textos da Ecologia Profunda. Ademais, em meu artigo falo da importância do trabalho das mulheres em meia dúzia de lugares. Isto precisamente não é silenciar as atividades econômicas das mulheres.

Em resposta a critica de Lori Ann Thrupp na mesma revista, Faber y O’Connor agravam seu [breve tratamento] com a ideia de que o ecofeminismo radical é romântico em três sentidos10. Primeiro, creem que é anti científico e anti tecnológico. Isto não faz justiça às sofisticadas criticas epistemológicas apresentadas por algumas mulheres. Tão pouco reconhece o trabalho pioneiro de algumas mulheres ativistas do Terceiro Mundo no campo da tecnologia apropriada. Em segundo lugar, o ecofeminismo radical é visto por Faber y O’Connor como a superioridade do corpo sobre a mente, outra vez o velho problema do biologismo. Esperamos que os leitores estejam persuadidos de que, o que agora se está tratando no ecofeminismo, é as desconstruções das noções patriarcais do corpo, enquanto se exploram concepções alternativas. É um processo dialético. Uma analogia com o ecosocialismo poderia ser que o ecosocialismo uma vez que critica a noção de [escassez] burguesa-liberal, deve inventar novas práticas econômicas para a vida sustentável em um mundo de recursos esgotáveis. Mas, há uma questão mais fundamental na objeção de Faber y O’Connor contra a preocupação ecofeminista pelo corpo: a adoção do dualismo patriarcal que separa [corpo] e [mente] como se fossem entidades independentes. Entidades valorizadas de formas diferentes, a mente na esfera [masculina], com privilégios sobre o corpo, inerte, impuro, [feminino]. Aqui os autores continuam a tradição judaico-cristã, baconiana-cartesiana, marxista-sartriana. Cada um destes discursos tem sido impulsionado pela vontade [masculina] comum de desconectar e transcender nossa condição material: o que Marx chamou necessidade. Esta é precisamente a mesma epistemologia que tem subordinado a ecologia à economia, uma hegemonia que o ecosocialismo deve aprender agora a rechaçar. Em terceiro lugar, Faber y O’Connor relacionam o ecofeminismo racial com o romantismo porque o associam com [teorias orgânicas que enfatizam laços emocionais com (o cuidado) da comunidade]. Aqui o impulso racionalista de transcender a conexão corporal com um lugar e com relações determinadas mostra, outra vez sua face. Patrocinam um modelo de sociedade que abstrai, quantifica e devolve mercadorias não somente à experiência humana, mas também à natureza. A critica marxista diz que este impulso racionalista é guiado pela dominação e controle social. De qualquer modo, esta base epistemológica descansa sobre um naturalismo coisificado que é pura ideologia e é algo que Faber y O’Connor seguramente não querem apoiar.

Voltemos finalmente a ideia de [cuidar]. Embora muito desprezada, esta tem sido sempre a classe de serviço/trabalho que se tem requerido das mulheres no capitalismo patriarcal. Enquanto a sociedade difama o valor deste trabalho, a reprodução social no se pode dar sem ele. Esta é uma atividade que deve ser considerada economicamente desde o ponto de vista ecológico (mesmo que não tenha valorização crematística) e como tal deve interessar aos teóricos do ecosocialismo. Em um contexto pós-patriarcal futuro, os homens também podem assumir os trabalhos de [cuidadores]. A menos que, claro, novas forças de produção ou tecnologias se encarreguem disso. Por enquanto, já que os ecosocialistas buscam uma fórmula coerente da [totalidade concreta], poderiam ler um pouco mais cuidadosamente o trabalho ecofeminista. Muitas mulheres passaram boa parte dos anos 1970 e 1980 tentando que seus irmãos socialistas reformulassem as categorias do marxismo levando em conta o gênero. O efeito tem sido nulo. Seria uma lástima que o dialogo entre ecofeminismo e ecosocialismo na década de 90 se limite a repetir, simplesmente, a velha história.             

*Socióloga e escritora australiana.
**Revista Ecologia Política, ISSN 1130-6378, Nº 2, 1992, págs. 89-92

[1] O primeiro seminário de ecofeminismo foi organizado por Ynestra King no Instituto para Ecologia Social, mas algumas universidades agora ofertam o seminário. Na Universidade de Chicago, 27 graduações (desde Teologia até Políticas Públicas) seguiram um curso com a autora em 1989. Este é oferecido na Universidade de New South Wales, Austrália, desde 1984.
[2] Livros representativos das ecofeministas são Rosemary Ruether, New Woman, New Earth (NT: Dove, 1975), Leonie Caldecott y Stephanie Leland, eds., Reclaim the Earth (Londres: Women’s Press, 1983), Vandana Shiva, Staying Alive (Londres: Zed, 1989)
[3] Lori Ann Thrupp, <>, CNS, 3, novembro, 1989, en cast. En Ecología Política, 1, 1990.
[4] Brinda Rao, <>, CNS 2, verão, 1989. En Ecologia Política, 1, 1990.
[5] James O’Connor, <>, CNS 2, verão 1989, p.5.
[6] Daniel Faber y James O’Connor, <>, CNS 2, verão, 1989, en Ecologia Política, 1, 1990.
[7] Kathy Hall, <
[8] Faber y O’Connor, op cit, p.32.
[9] Ariel Salleh, <Environmental Ethics
, 6, 1984.
[10] Daniel Faber y James O’Connor, <CNS, 3,3 novembro 1989, p.177, en cast. en Ecologia Politica, 1, 1990.

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