sábado, 31 de julho de 2021

Artigo | “Baile de Favela”: Mas onde estão as feministas?!

 "A escolha da música Baile de favela é um erro segundo a classe média que nunca deve ter tido a vivência da favela"

Porto Alegre | BdF RS |
 


Ginasta Rebeca Andrade é a primeira brasileira a conquistar uma medalha na ginástica artística dos Jogos Olímpicos - Martin Bureau / AFP

A preta da favela, filha de uma empregada doméstica, que é mãe solo, conquistou uma medalha histórica nas Olimpíadas de Tóquio. 

Mas a escolha da música "Baile de favela" é um erro segundo a classe média que nunca deve ter experienciado a vivência de quem mora na favela. 

Que baixo nível! Será mesmo que não havia ninguém para dizer que ela não levasse em conta o contexto social em que vive antes de decidirem a música que seria usada? 

"Deu match, a música é a minha cara e não tem como negar'', disse Rebeca. 

Mas que horror! 

Gente, horror é o juízo de valor que vocês fazem, a criminalização, o preconceito ou seja lá que nome apaziguador que vocês queiram dar pra criticar hipocritamente o funk. 

O contexto social de quem vive na periferia é o oposto de quem repele e criminaliza o funk, fato! Caso contrário não veríamos tanto preconceito distribuído em textos, falas e expressões. Só que aí me pergunto onde vocês militam quando toca uma música entendida como de bom gosto que deturpa a mulher? 

Estava ouvindo “Tua Cantiga” do Chico Buarque quando me deparei com esse alvoroço no Facebook, e fiquei me perguntando se quando vocês ouvem isso não ficam com o dedo acusador coçando pra vir criticar quem consome esse estilo de música... 

“Quando teu coração suplicar
Ou quando teu capricho exigir
Largo mulher e filhos e de joelhos vou te seguir”

Chico se justificou, "Será que é machismo um homem largar a família para ficar com a amante? Pelo contrário. Machismo é ficar com a família e a amante".

Tá! Pulei então para a música seguinte, dei de cara com a “Bola Dividida” do Zeca Baleiro...

“Ela é uma morena sensacional
Digna de um crime passional
E eu não quero ser manchete de jornal...”

Zeca, apologia ao feminicídio em pleno 2008?! 

Pulei mais uma…

Formosa, não faz assim
Carinho não é ruim
Mulher que nega
Não sabe não
Tem uma coisa de menos
No seu coração

mas Vinícius, como assim?! Não é não! 

E o que vocês me dizem daquela mulher indigesta que merece tijolo na testa que quando se manifesta merece entrar no açoite?! Noel Rosa, meu filho!

O Bezerra da Silva terminou então como minha tour… 

“Eu só sei que a mulher que engana o homem
Merece ser presa na colônia
Orelha cortada, cabeça raspada
Carregando pedra pra tomar vergonha”

Tá certo! a problemática mesmo é a xota ardendo, como assim a Xota ardendo?! Ai essa turma da periferia, não tem cultura, não consome a Música Machista Popular Brasileira. (Contém ironia)

Aiai, o machismo sempre esteve escancarado nas composições musicais e essa exclusividade não pertence ao funk, ao contrário do que qualquer estereótipo possa apontar, só pra constar e dizer que o buraco é bem mais embaixo. 

A escolha da música carrega outros elementos que a gente esquece na hora de julgar. Não à toa estamos longe dessa parcela da população, não dialogamos mais com a juventude que cresce entre vielas, não compreendemos mais os anseios da periferia. 

Enquanto isso o fascismo no poder só cresce e se alastra, o genocídio consome vidas, e tem gente preocupada com as feministas que não se manifestam. 

Francamente, eu mulher branca jamais irei criticar a escolha de uma menina negra que sabe se lá pelo que passou para estar ali hoje inspirando tantas outras meninas negras de favela. Eu vou é comemorar a medalha dela, desejar que outras meninas tenham esperança, e tá tudo bem se a música for um funk. Estou mesmo é preocupada e ocupada em contribuir para mudar a realidade social de quem vive a margem da sociedade e que se afunda na desigualdade social. Quem sabe assim as letras de músicas mudem e reflitam um lugar bem mais adequado para se viver com dignidade. 

A feminista aqui está tentando entender como alguns homens não conseguem fazer a crítica sem cobrar posicionamento das mulheres. Eles sempre tendem a direcionar questionamentos a nós feministas, vai ver não se sentem responsáveis pela mudança estrutural que é urgente e necessária. Não se sentem parte disso ainda e acham que tudo é de responsabilidade das feministas. 

Que preguiça!

* Militante da Marcha Mundial de Mulheres, graduanda em Ciências Sociais, mãe, moradora da periferia.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko

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