quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Acolher, escutar, ajudar e não julgar

 



Por Cláudia Prates, Gabriela Cunha, Vanessa Gil e Patrícia Ferreira*


Ao invés de banalizar ou naturalizar a violência contra as mulheres, vamos acolher?

Por que escutar sem julgamentos deveria ser nossa primeira ação diante de uma denúncia de violência contra uma mulher?


A violência contra as mulheres é a maior expressão das desigualdades vividas em nossa sociedade, e a raiz disto tudo está neste sistema capitalista, patriarcal e racista que exerce controle, apropriação e exploração da vida, do trabalho, do corpo e da sexualidade das mulheres. 

Estamos diante de mais um 25 de novembro ** em que nós, as mulheres, viemos alertar a sociedade para esta herança maldita do machismo e da misoginia, produto desta opressão patriarcal/racista, que estrutura a subordinação das mulheres.

Não basta só nos indignarmos com o aumento da violência e a aparente falta de compromisso e omissão das instituições, dos governos e do sistema judiciário em erradicar a violência contra as mulheres e meninas, principalmente no Brasil. Assistimos o racismo e a intolerância serem protagonistas nas redes sociais e nos meios de comunicação - naturalizadas e banalizadas - e não conseguimos dar um basta a este cenário macabro.

Estamos enfrentando um governo federal que desmontou políticas públicas conquistadas pelo movimento feminista com muita luta, e que representa o conservadorismo que não suporta avanços de melhoria na vida das mulheres. Declaram abertamente seus ódios às mulheres e outros grupos sociais injustiçados e atacam as mulheres em espaços de poder através de ameaças e fake news.

Desde o golpe misógino sofrido pela presidenta Dilma em 2016 a rede de atendimento a mulheres vítimas de violência tem sofrido com corte de verbas e de descaso por parte do poder público. 

Durante os momentos mais críticos da pandemia de COVID, o número de casos de violência doméstica subiu exorbitantemente. Ou seja, a pandemia também foi de violência contra as mulheres, confinadas no lar com seus agressores e sem redes de atendimento capacitadas para lidar com essa demanda. 

Se perguntarmos de forma rápida nas ruas quais são as violências tipificadas em nossa legislação (Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio e  Lei do Racismo) a maioria irá acertar quase todos os tipos. Nenhuma violência pesa mais ou pesa menos em uma pessoa. Quando é violência ela já assume um fardo enorme a se carregar. E ninguém deve ser julgada pela violência que sofreu.  Parece uma frase estranha, e até óbvia, mas é isto que muitas relatam – são julgadas do porque estavam ali, vestia aquela roupa, responderam a uma mensagem ou tiveram algum contato com seu agressor. Isto é a transferência da responsabilidade do agressor para a vítima. 

A gente sabe que o machismo estrutural e a misoginia matam todos os dias, mas a banalização da violência nos mostra a triste realidade que marca a vida de muitas mulheres. Não uma banalização por pessoas desconhecidas, não! Acontece por pessoas do seu próprio círculo de relacionamento, amizade ou afeto. 

O debate sobre a violência contra as mulheres é permanente na agenda do movimento feminista onde realizamos formação sobre como as mulheres devem romper com o silêncio. Há uma grande dificuldade das mulheres quando se deparam com a violência, pois ela acontece pelas mãos de pessoas que eram do convívio e afeto delas. O silêncio das mulheres também é carregado de culpa, de vergonha e sentimento de humilhação. O medo do agressor e/ou de retaliação por parte de pessoas de seu círculo social e, ainda, por parte daquelas pessoas representantes do estado que deveriam fornecer proteção, é uma realidade nos casos de denúncia. Garantir espaços seguros e proteção efetiva é fundamental para que as mulheres possam seguir denunciando, o que faz parte da construção de políticas públicas de enfrentamento e erradicação da violência contra as mulheres, gerando dados, provas e relatos.

Mas para que a gente possa avançar na luta por uma vida sem violência primeiro precisamos desnaturalizar a violência sofrida pelas mulheres – não é normal, não é natural; segundo, construir espaços de auto organização das mulheres para que todas possam romper com o isolamento – e se sentirem mais protegidas.

Devemos lembrar ainda que o combate à violência é um compromisso de todos os movimentos, todos os dias, numa campanha permanente, não só das mulheres. E que quando uma mulher assume fazer a denúncia, nossa tarefa deve ser a da solidariedade, sem julgamentos. A palavra da mulher nunca deve ser desacreditada. 

Mesmo sabendo que estamos no caminho certo, também sabemos que ele é longo e difícil. Mas não podemos nos calar nem aceitar que tirem de nós o direito à indignação e à justiça.

Seguiremos em luta permanente contra o capitalismo patriarcal e racista, contra o fascismo, contra os feminicidios e o genocídio, assim como a todas as formas de violência contra as mulheres e meninas.


*Cláudia Prates, Gabriela Cunha, Vanessa Gil e Patrícia Ferreira são militantes feministas da Marcha Mundial das Mulheres RS.


** 25 de novembro foi escolhida como Dia Latino Americano e Caribenho contra a Violência à Mulher para homenagear as irmãs Mirabal, que foram assassinadas pela ditadura de Trujillo, na República Dominicana, em 1960. Desde 1981, o movimento feminista faz ações durante o mês de novembro para denunciar a violência sexista.

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