segunda-feira, 15 de abril de 2013

A prostituição sob o olhar do feminismo que transforma, por Débora Mendonça


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Na lógica perversa do capitalismo, onde tudo se converte em mercadoria, o corpo da mulher torna-se passível de compra e venda. Como em uma prateleira de supermercado, onde se escolhe tamanho, cor e prazo de validade. Como objetos que servem, ainda, para reforçar a dominação masculina por meio da satisfação de suas necessidades. Com a pobreza presente na vida das mulheres, sem opções que possibilitem formas que garantam sua sobrevivência, sujeitam-se a uma das explorações mais antigas em nossa história: a prostituição.
No imaginário das pessoas, a prostituição se dá em uma esquina, em uma boate, em um bordel, mas na realidade ela se expressa de várias formas e nas mais diversas conjunturas. Não se pode falar da prostituição sem questionar o porquê das mulheres estarem em tal situação. Sem pensar em qual contexto as levam a expor seus corpos inclusive a atos de violência.
Ao longo de nossa história, as mulheres sempre exerceram papéis de servir e cuidar se esquivando de seus desejos e suas vontades, encaixadas no que é dado como obrigação e naturalização pelo simples fato de ser mulher. A imposição dos papéis ditos femininos passa de geração a geração. Eles são reforçados pela cultura machista, por instituições como a igreja e o Estado, reproduzidos pela educação escolar e cobrados pela sociedade. A diferenciação entre as mulheres que são objeto de prazer masculino ou a esposa zelosa, prolonga-se e perpetuam-se. A intimidade entre marido-esposa é tratada como simples meio de reprodução e o desejo sexual (do homem), suprido por outra categoria de mulheres: as prostitutas, que justificam assim, que as mulheres “esposas zelosas”, não satisfaçam seus desejos.
É importante lembrar que em nenhum momento da história houve reconhecimento da mulher sobre seu trabalho, seja na esfera privada (doméstica), seja no espaço público. Lembremos que no século XIX, com as inovações tecnológicas, as mulheres foram discriminadas mesmo sendo ativas em ocupações em fábricas, mas sendo objetos de dominação masculina, principalmente no âmbito sexual, assim como menciona Goldman (2011):
Em nenhum lugar a mulher é tratada de acordo com o mérito de seu trabalho, mas apenas como sexo. Portanto, é quase inevitável que ela deva pagar por seu direito a existir, a manter uma posição, seja onde for, com favores sexuais. Assim, é apenas uma questão de grau se ela vende a si mesma, a apenas um homem, dentro ou fora do matrimônio, ou a vários homens. Quer os nossos reformadores o admitam ou não, a inferioridade econômica e social da mulher é a responsável pela prostituição.[...] Em vista desses horrores econômicos, é de se admirar que a prostituição e o tráfico de escravas brancas tenham se tornado fatores tão dominantes?. (GOLDMAN, 2011, p.249)
A posição da igreja católica sobre a prostituição, em muitos momentos da história, transitou entre a condenação e a tolerância. Tolerância essa geralmente mediada pelos tributos e impostos pagos pelos serviços dessas mulheres. Nas situações em que se atribuía à prostituição a responsabilidade de “conter o fogo masculino”, para que os homens não procurassem as mulheres de “boa família”, chegou a ser considerada uma instituição social de serviço público, sendo tolerada e regulada pelo Estado.
Os moralistas estão sempre prontos para sacrificar metade da espécie humana em nome de alguma instituição miserável da qual não podem escapar. Na verdade, a prostituição não é a salvaguarda da pureza do lar, nem as rígidas leis são uma salvaguarda contra a prostituição. [...] No entanto, a sociedade não tem uma palavra de condenação para o homem, ao passo que nenhuma lei é tão monstruosa que não possa ser posta em ação contra a vítima indefesa. (idem, ibidem, p.256)
A regulação vigorou durante boa parte do século XIX em quase todos os países europeus, mas implicava para as prostitutas no seu registro, exames médicos obrigatórios custeados por elas sem ajuda do Estado e a internação compulsória quando constatada alguma doença venérea. Aos homens, na qualidade de clientes, não havia nenhuma cobrança. Mesmo nos casos que envolviam doenças, ficavam isentos de qualquer responsabilidade, tendo em vista que a raiz de todo o mal, no caso a sífilis, estaria nas mulheres.
Na Europa no fim do século XIX, teve inicio o movimento contra a regulamentação da prostituição, incitado pelas feministas. Josefine Butler, uma feminista da Federação Abolicionista Internacional que participava do movimento, afirmava em 1875:
Se a prostituição é uma necessidade social, uma instituição de saúde pública, então os ministros, os prefeitos da polícia, os altos funcionários e os médicos que a defendem, faltam a todos os deveres, não lhes consagrando as suas filhas. (SANTOS, 1982, p.21)
Podemos observar que os homens ficam isentos da reprovação e as mulheres carregam censuras e estigmas, reforçando as desigualdades entre mulheres e homens.
Discutir sobre prostituição não é um debate fácil, desta forma, não podem ser desconsiderados elementos importantes que fortalecem sua construção e ressaltar que ela está associada diretamente a violência sexual, pobreza, mercado sexual e autonomia das mulheres.
Atualmente, presenciamos a proposta do Projeto de Lei Nº 4211/2012, que regulamenta a atividade das profissionais do sexo, apresentado pelo Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL). Tal projeto, na nossa compreensão, reforça a naturalização da prática como diz Legardinier:
A questão ética levantada pela prostituição, que envolve a violação dos direitos humanos é dissolvida na vicissitude do vocabulário, substituído pela conotação “trabalhador”, que legitima a ideia superficial de uma profissão como qualquer outra. (LEGARDINIER, 1998, p.01).
O projeto legitima a exploração do corpo e da vida das mulheres, além de minimizar o debate em garantias de direito trabalhista, inclusive associando a pauta da autonomia, defendida por nós feministas, na perspectiva da construção de uma sociedade em que as mulheres exerçam suas vontades, seus desejos e possam fazer suas escolhas. Porém tal argumento não cabe nessa pauta, pois não existe um leque de opções para uma mulher que se encontra em situação de prostituição. O exercício da prostituição, para a grande maioria das mulheres não é uma escolha, é uma condição social à qual as mulheres estão sujeitas para garantir no mínimo sua existência e reproduzir o padrão de beleza imposto (no caso, as prostitutas de luxo) e através disto, reforçar o poder masculino sobre as mulheres. É inadmissível que aceitemos que este projeto seja aprovado, nosso posicionamento é contrário à regulamentação da prostituição como profissão. Precisamos aprofundar o debate a partir de uma visão mais crítica e ampla sobre as condições de vulnerabilidades que envolvem mulheres nessa situação.
Nesse sentido, pensar sobre a problemática da prostituição das mulheres enquanto uma expressão da questão social, e por essa razão reconhecer a profundidade crítica na reflexão das muitas expressões das contradições de um Estado capitalista, desigual, opressor, injusto; que esmaga “corações e mentes” e que destrói os corpos e a dignidade das mulheres.
*Por Débora Mendonça, militante da Marcha Mundial das Mulheres no Ceará.

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