terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Damares Alves: ela não! E o Estatuto do Nascituro também não!

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“Não em nosso nome”. É isto o que nós, feministas da Marcha Mundial das Mulheres, dizemos à futura ministra da Mulher, da Família e dos Diretos Humanos.
O Ministério da Mulher, a Secretaria de Políticas para as Mulheres e outros organismos de políticas para mulheres são parte de uma conquista do movimento feminista que vem de longos anos. A primeira Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres foi criada no primeiro ano do governo de Lula (PT), em 2003.
O debate feminista parte da compreensão de que o Estado não é neutro em relação às desigualdades que sofrem as mulheres e a população negra. Entendemos que essas desigualdades são estruturantes do conjunto das relações sociais. Isso exige, portanto, mudanças econômicas, políticas e sociais. O Estado é conivente, reforçando a violência e a discriminação, ao recusar sua responsabilidade de criar políticas para reverter essa situação.
Desde 2003 até o golpe contra a presidenta Dilma ocorrido em 2015, a Secretaria de Políticas para as Mulheres ou Ministério da Mulher perseguia o objetivo de alterar as desigualdades vividas pelas mulheres na sociedade, através de políticas para o enfrentamento à violência, de articulação de políticas para as mulheres rurais elaboradas em conjunto ao também  extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário, políticas de criação de creche junto à pasta de Educação etc. Outra importante tarefa foi incentivar, através de apoio e recursos, que Estados e Municípios organizassem organismos de políticas para as mulheres, visando a implementação de políticas públicas locais. Com o golpe, estas políticas foram, em sua maioria, desmontadas.
O novo governo de Bolsonaro, antes mesmo de eleito, incitou a campanha #EleNão, que mobilizou manifestações massivas, organizadas em todo o território nacional pelo movimento de mulheres. Estas manifestações foram uma resposta à misoginia, ao racismo e à política econômica apresentada por ele na campanha. Mas não foi só isso. Bolsonaro, Eduardo Cunha , Magno Malta e outros dessa turma são velhos inimigos, que o movimento de mulheres há anos vem denunciando.
A proposta de nomear Damares Alves para estar à frente do Ministério da Mulher, da Família e Direitos Humanos casa direitinho com as proposta de Bolsonaro. Já era de se esperar, mas reafirmamos: este ministério não tem nada tem a ver com as necessidades das mulheres trabalhadoras do país, nem das famílias, que hoje são muito diversas, incluindo as famílias LGBTs e aquelas formadas apenas por mãe e avó, por exemplo, que não seguem o modelo nuclear. Além disso, sabemos que é impossível que este ministério responda às necessidades de luta por diretos humanos. Se Bolsonaro é a favor da tortura, do assassinato e da censura, como seu governo poderia respeitar os direitos humanos?
A primeira proposta de Damares é aprovar o Estatuto do Nascituro (PL 497/2007). Faz mais de dez anos que esses setores conservadores tentam aprovar tal projeto, que só não foi aprovado por conta da luta e resistência do movimento feminista. Este Projeto de Lei pretende considerar o óvulo fecundado como se fosse um sujeito pleno de direito. Isso significa que o organismo concebido e não nascido passaria a ter mais direitos do que a mulher.
O projeto pretende ainda legalizar a violência sexual que as mulheres sofrem, como o estupro, constrangendo as mulheres a não fazer o aborto consequente desta violação e instituindo o pagamento de auxílio para sustentação do nascido até os 18 anos. O projeto institui a chamada “Bolsa Estupro”, como é conhecida pelos movimentos de mulheres, reforçando que a punição recairá sobre a própria mulher violentada. A bolsa deverá ser paga pelo agressor e, caso não o faça, o ônus recairá sobre o Estado.
O estupro é um crime hediondo. Através deste projeto, o estuprador passa a ser chamado de genitor, e a vítima é obrigada a se relacionar com o criminoso, já que ele deverá assumir a paternidade. A hipocrisia, o abrandamento, a naturalização do crime do estupro e a violação de vários direitos das mulheres serão ainda mais fortes. Caso aprovado esse projeto, fica proibida ainda qualquer manifestação que trate do assunto do aborto, cerceando nosso direito ao debate, requisito fundamental da democracia.
A retomada do “Estatuto do Nascituro” é uma ameaça aos direitos das mulheres. Nele, estão reunidas as pautas mais retrógradas e de submissão, ostentadas pelo patriarcado e pelas instituições que o perpetuam ao longo dos séculos, praticando o controle sobre o corpo das mulheres, a institucionalização da violência sexual e o domínio sobre o destino e a vida das mulheres.
A Marcha Mundial de Mulheres repudia a posição desqualificada e medíocre da Ministra Damares e afirma: não em nosso nome! Damares não está ao lado das mulheres, e sim dos poderosos conservadores.
A nossa luta é todo dia! Por igualdade, autonomia e uma vida livre de fascismo, racismo, machismo e LGBTfobia!

Marcha Mundial das Mulheres

13 de dezembro de 2018

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Sônia Coelho: “O neoliberalismo precariza o trabalho das mulheres”




A educadora popular Sônia Coelho é integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e também da Marcha Mundial de Mulheres (MMM).

Militante desde a década de 1980, Coelho foi entrevistada pelo Brasil de Fato para avaliar as organizações políticas das mulheres, traçando paralelos entre os movimentos feministas pela redemocratização no período da ditadura militar e as manifestações no período após o golpe de 2016, em especial contra a candidatura de extrema-direita de Jair Bolsonaro (PSL).

O candidato de extrema-direita une propostas neoliberais para a economia com uma visão depreciativa das mulheres. Para Sônia, o modelo neoliberal necessita do trabalho precarizado que está concentrando nas mulheres.


Brasil de Fato – Como era a forma de organização das mulheres brasileiras no período da redemocratização?


Sonia Coelho – A base de organização das mulheres neste período era nos bairros e a partir de suas condições de vida – na luta por saúde e por transporte, por exemplo. No período da ditadura também tinha a articulação dos movimentos, então o movimento sindical (que era oposição) não tinha espaço tradicional do sindicato e muitas vezes se organizava a partir dos bairros. Havia muita interlocução com os movimentos. 


Teve outro ator que contribuiu na organização das mulheres neste período da ditadura que foi a própria igreja – via formação de pastorais, de clube de mães, de clube de mulheres. Então ali estava um pouco dessa base da organização das mulheres. As mulheres nesse período da ditadura fizeram um movimento muito marcante que foi contra a carestia, porque as mulheres também têm essa capacidade de trazer os elementos da vida cotidiana de forma a politizar e a questionar o modelo.


Na ditadura, formou um movimento muito forte que a grande base, inclusive as lideranças, eram de mulheres da periferia que questionaram profundamente o modelo da ditadura e que foi aparecendo como movimento de resistência e de confronto à ditadura. Então, o movimento feminista no Brasil sempre teve essa base popular. 


Nesse período dos anos 1970, parte das mulheres da esquerda também saíram para exílio pela ditadura e tiveram muito contato com os movimentos feministas em outros países, e quando essas mulheres voltam para o Brasil são uma força que vai construir grupos para discutir a questão da autoconfiança, da opressão de gênero. Vai ser um fermento que também se encontra com essas mulheres populares e que estão nessa luta cotidiana. Esse movimento vai ser muito forte e vai ser parte dessa luta por redemocratização do país.


As mulheres começaram a participar de movimentos e protestos a partir de um determinado momento histórico ou isso sempre aconteceu?


O que a gente vê na história é que em todos os momentos de transformação da sociedade as mulheres sempre estiveram lá se organizando e participando. Se pegar, por exemplo, a revolução francesa, as mulheres se organizaram – inclusive foi um marco e depois suas líderes foram guilhotinadas. 


Se observar todo o processo na América Latina de emancipação, mesmo a luta antiescravagista aqui no Brasil, tem muitas mulheres liderando esses processos de luta. O feminismo é um movimento histórico, internacional e de grande relevância. O problema é que o movimento feminista nunca foi considerado na história como um movimento importante, tanto que precisou das feministas estudarem esse movimento, trazerem a tona esse movimento. 


Como você avalia essas novas formas de se manifestar e também utilizando as redes sociais, como as recentes manifestações de mulheres contra o candidato Jair Bolsonaro (PSL)?


Vale lembrar que já tiveram outras reações como essa ao Bolsonaro, como contra o Eduardo Cunha [em 2015 e 2016]. Naquele momento ninguém colocava o “Fora Cunha” como elemento fundamental para a situação que a gente estava vivendo. O PT, que era mais diretamente implicado, não colocava, os movimentos não colocavam, e nós na Marcha das Margaridas colocamos o “Fora Cunha”. Quando foi chegando mais para o final do ano, ele também foi apresentando os projetos dele – do estatuto do nascituro, “bolsa estupro”, aqueles projetos horríveis todos – estourou o que foi chamado de "Primavera Feminista".


Não foram só os movimentos organizados, mas milhares de mulheres. E havia muitas jovens também naquele processo de ocupação das escolas, no qual as meninas tiveram muito protagonismo e que foi um momento importante no Brasil de resistência das mulheres e de denunciar Cunha como um dos principais sujeitos políticos no golpe.


Outro elemento que temos que contextualizar é que nós, dos movimentos organizados, denunciamos desde os anos 2000 o crescimento do conservadorismo no Brasil. Isso se expressa de forma visível com golpe na sua forma tão misógina contra Dilma Rousseff. 


Então muitos movimentos começam a entender que o neoliberalismo não está tão afastado do conservadorismo. As mulheres estão cada vez mais conquistando espaços públicos, querendo autonomia, lutando por liberdade e igualdade, então não são sujeitos que interessam ao neoliberalismo. Porque o neoliberalismo também precisa continuar tendo uma mão de obra subserviente, precária, barata e isso está concentrado nas mulheres. 


As mulheres precisam continuar a fazer todo o trabalho doméstico – que gera riqueza e tem um valor econômico que nós queremos distribuir, compartilhar, na sociedade com as políticas públicas. Para o neoliberalismo é ao contrário: todo este trabalho precisa ser feito por nós porque o Estado precisa ser mínimo. Se o Estado precisa ser mínimo, não pode ter políticas públicas para compartilhar trabalho doméstico e então precisa que as mulheres estejam neste lugar.


E vemos no Bolsonaro isso muito explícito. O Bolsonaro deprecia as mulheres, coloca as mulheres como seres inúteis, seres reprodutores apenas e com extrema violência, que é um elemento muito importante, porque a violência é um mecanismo para controlar o corpo, a vida, e colocar em um lugar de subordinação. Ele utiliza da violência contra as mulheres explicitamente.


O feminismo sempre teve a capacidade de olhar esse todo, de olhar o modelo de forma integral e de como esse modelo necessita da exploração das mulheres para se manter e se alimentar tal como é – também do racismo. 


Acredito que neste momento é muito importante essa reação das mulheres porque mostra também a capacidade delas resistirem. A internet ajuda, porque os meios de comunicação são totalmente ligados a esse modelo neoliberal de dominação e jamais dariam espaço para as mulheres fazerem o nível de crítica que conseguem fazer pelas redes.

sábado, 1 de dezembro de 2018

Plenária Estadual MMM-RS










Dia 15/12 - sábado, das 9h às 17h, no SindiPetro, 818, em Porto Alegre!

Companheiras, chamamos nossa plenária estadual de fim de ano para tratarmos de diversas pautas importantes pro nosso compromisso de transformar o mundo para transforar a vida das mulheres. São algumas delas:

1) Acolhimento
2) Retorno do seminário SOF e reunião nacional MMM
Almoço
4) Principais pautas 2019
5) Nossa auto organização no RS
Faremos em apenas um dia. Caso você precise de pouso solidário, por favor, informar nas respostas do formulário, ou fale com as companheiras de Porto Alegre.
Quanto a alimentação:
- faremos café solidário, então pedimos para as companheiras que puderem trazer algo para nosso lanche coletivo que traga.
- para o almoço, iremos no restaurante em frente ao Sindipetro e as companheiras que não puderem pagar devem comunicar a executiva. Nenhuma ficará sem alimentação. Nos organizaremos quanto aos recursos.
- Tragam copos, pratos e talheres!


Inscrições aqui: 

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Lições do movimento feminista: só a luta de massas pode barrar o fascismo

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*Por Maria Júlia Montero
Desde 2014, a polarização política no Brasil se acentua. Se há 4 anos passamos por uma campanha polarizada, este ano nos vemos diante de um cenário de escancarada agudização da luta de classes no Brasil.
O fascismo cresce a passos largos em nosso país. A candidatura fascista de Jair Bolsonaro, tragicamente, tem chances reais de vitória. Se isto ocorrer teremos a frente da presidência da república mais um “homem de bem”, temente a Deus,  misógino, racista e homofóbico, falso nacionalista, que governará para aqueles que ele representa, a saber: a burguesia e o grande capital financeiro internacional. Para realizar seus objetivos, eliminará tudo e todos aqueles que entrem em seu caminho – inclusive fisicamente –, como já vêm fazendo alguns de seus seguidores, que atacaram inúmeras pessoas, e assassinaram, comprovadamente,  três brasileiros/as, Mestre Moa, Priscila e Laysa. Caso a nossa mobilização consiga virar o jogo e eleger Fernando Haddad, também teremos muitos desafios pela frente, pois os monstros que foram tirados do armário pelos golpistas temerários e pela família Bolsonaro não voltarão para casa após a derrota.
Nesse cenário, é natural que estejamos com medo, principalmente aqueles e aquelas marcados como alvos pelo candidato: mulheres, LGBTs, negros/as e indígenas. Basicamente, qualquer um que não seja um homem, branco e heterossexual – mas cuidado, porque caso você esteja de vermelho, ou quem sabe com um boné do MST, pode também virar um alvo.
Porém, apesar do avanço do fascismo, é preciso olhar, principalmente, para os nossos avanços e possibilidades de enfrentamento a essa realidade tão dura. O movimento feminista (ou de mulheres) tem se colocado o desafio de ser vanguarda no enfrentamento ao fascismo – nas ruas e também nas urnas. Foi o movimento de mulheres que chamou atos por todo o país, entendendo que era preciso organizar algo além da campanha eleitoral – e algo que também fosse para além das redes sociais.
Contrariando as afirmações feitas por alguns desavisados, estamos certas de que foram as mulheres e sua luta que barraram a vitória de Bolsonaro no primeiro turno. Se por um lado, Bolsonaro obteve uma porcentagem alta de votos, nós, mulheres, fizemos grandes atos no dia 29 de setembro. Em São Paulo, foram 500 mil pessoas. Meio milhão de pessoas nas ruas contra Bolsonaro! Em outras cidades, o grande número se repetiu: 500 mil em Recife, mais de 100 mil em Belo Horizonte, 20 mil em João Pessoa; em Petrolina, 30 mil. No dia 20 de outubro, repetimos a dose: organizamos grandes atos Brasil afora, e os números se repetiram.
Isso acontece, pois para nós, Bolsonaro é um perigo claro. Seu discurso evoca, ao mesmo tempo, o machão e a perda de direitos sociais, das quais as mulheres são as maiores vítimas. Ele representa, portanto, o marido que bate na esposa (que conseguiu se livrar da violência em grande medida por causa das políticas dos governos petistas, como a valorização do salário mínimo, Bolsa Família, além das políticas específicas de enfrentamento à violência), e também o desemprego, precarização da saúde e educação, entre outros.
Muitas companheiras estão fazendo panfletagem de porta em porta, dialogando com diversas mulheres. Em mais de um relato está presente a divergência entre o marido e a esposa: a mulher que vem conversar e o marido que vem tentar segurá-la, afirmando que o voto da casa toda é de Bolsonaro. Não é uma surpresa. Os homens se beneficiam individual e coletivamente do patriarcado. Mas hoje, não somos mais o que éramos há 10, 20, 30 anos. Temos mais autonomia, mais direitos e inclusive mais acesso a determinadas informações. O discurso de Bolsonaro é um refúgio para os homens que se sentem “atacados” pelo avanço do feminismo no Brasil – feminismo que muitas vezes não aparece com esse nome, mas vem entranhado em uma postura mais firme das mulheres perante os desmandos de seus maridos, namorados, ou mesmo do patrão. É com isso, entre outras coisas, que Bolsonaro pretende acabar.
A história nos mostra que é possível derrotar o fascismo – mas isso só é possível com muita, muita gente na rua. As mulheres deram o pontapé no que pode ser uma grande resistência contra o fascismo no Brasil. Além dos grandes atos, estamos organizando inúmeras atividades. São muitas mãos, muita energia, homens e mulheres, de movimentos organizados ou não. Isso significa que há muita, mas muita gente disposta a fazer luta no Brasil. E é esse o caminho. A única forma de enfrentar o fascismo é ampliar a nossa organização e nossa capacidade de construir grandes mobilizações de massa. O fascismo será derrotado com muita luta e nas ruas.
*Maria Júlia é militante da Marcha Mundial das Mulheres em São Paulo.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018


Link do evento em Porto Alegre: https://www.facebook.com/events/2206864566226342/


Frente Nacional contra Criminalização das Mulheres 
e pela Legalização do Aborto

CHAMADO À AÇÃO COLETIVA PELA VIDA DAS MULHERES, LEGALIZAR O ABORTO NO BRASIL! 

Neste contexto dramático de regressão nas leis e políticas públicas que efetivam os direitos humanos, o Brasil atravessa um período complexo do debate sobre direitos sexuais e reprodutivos, em particular da agenda sobre o direito ao aborto. 

Entre julho e outubro de 2018 dois eventos importantes produzem esta complexidade: as eleições de outubro e as audiências públicas, convocadas pelo Supremo Tribunal Federal para o início de agosto, com a finalidade de debater a ADPF 442, que demanda a descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação. Outro dado é a conjuntura argentina, onde a Lei que legaliza o aborto foi aprovada em junho, na Câmara dos Deputados, e será votada no próximo dia 8 de agosto, no Senado, num processo de grande repercussão regional. 

Tudo isto produz uma ampliação e acirramento do debate público, que nos coloca frente ao aumento dos ataques conservadores através das redes sociais e meios de comunicação (em particular rádios e TVs religiosas). Ataques conservadores encontram eco também nas instituições do sistema político (executivo, parlamento e judiciário) nos níveis estadual, municipal e federal. 

Trata-se de um contexto especialmente exigente, com perspectiva de um acirramento das tensões que se estende ao ano de 2019, quando se instala uma nova bancada nos legislativos federal e estaduais, com perspectivas preocupantes de composições tão ou mais conservadoras do que as que temos hoje. 

A avaliação é de que as organizações de mulheres e as organizações defensoras de direitos precisarão atuar em sintonia e articulação colaborativa, de modo a fortalecer uma estratégia convergente e orientada ao objetivo de enfrentar os ataques conservadores. Esta sintonia permitirá adesão e simpatia por parte da sociedade em geral e, em particular, das mulheres de diferentes grupos sociais e seus aliados e aliadas (profissionais de saúde e suas entidades representativas; operadores/as do direito e suas organizações representativas; sindicatos; partidos e todas as organizações políticas). 

Mais que nunca precisamos somar forças no nosso agir em favor da liberdade, da vida, da dignidade e autonomia das mulheres, num amplo calendário de mobilizações por todo o país. 

Precisamos articular e contribuir com as mobilizações de 2018, articulando e enraizando a Frente nos territórios de nossa ação e lutas; debatendo nossa estratégia no período do ‘esquenta para 28 de Setembro’ (com debates, reuniões e participação no Festival pela Vida das Mulheres em diferentes cidades); no 28 de Setembro propriamente dito, e no contexto das eleições de outubro. 


Nenhuma Mulher deve morrer, ser presa, punida, maltratada ou humilhada por ter feito um aborto! 


NOSSO CALENDÁRIO NACIONAL DE MOBILIZAÇÕES 

AGOSTO-SETEMBRO - Participação no Festival pela Vida das Mulheres, realizando atividades em diferentes cidades entre os dias 3 e 8 de agosto (período das audiências públicas no STF e da votação na Argentina). Na página eletrônica da Frente divulgaremos links para o acompanhamento das ações deste Festival. - Construção de um 28 de Setembro potente, seja nas redes sociais, nas ruas ou promovendo rodas de conversa entre mulheres, em especial mulheres das classes populares e negras, principais atingidas pelos efeitos perversos da ilegalidade do aborto. 

OUTUBRO - Prosseguir denunciando a criminalização das mulheres e das pessoas que as apoiam. - Prosseguir denunciando os ataques aos direitos sexuais e reprodutivos, e aos direitos humanos da população LGBTTI, que partem dos poderes públicos (legislativo, executivo e judiciário) em todos os níveis (municipal, estadual e federal). - Atuar no contexto eleitoral informando a população sobre parlamentares e agentes políticos que, no exercício de seu mandato, vêm retirando nossos direitos e derrubando políticas duramente conquistadas. 

NOVEMBRO - Debater o cenário pós-eleitoral e revisitar nossa estratégia numa reunião nacional da Frente, acolher novas adesões e deliberar sobre formas e calendário de construção da 3ª Plenária Nacional da Frente, em 2019. 

NOSSO PLANO PARA AMPLIAR, RENOVAR E FORTALECER A FRENTE - Atuar apresentando e acolhendo novas adesões à Frente; - Iniciar, em agosto de 2018, a atualização da Plataforma da Frente, aprovada em 2008, revisada em 2011, considerando novas questões que vêm sendo e serão levantadas nos debates locais e no interior dos coletivos, movimentos e organizações que integram a Frente. – Iniciar, em setembro de 2018, a atualização do nosso Dossiê sobre a Criminalização das Mulheres, de 2014, conferindo visibilidade ao problema no Dia 28 de Setembro – Dia Latino-americano e Caribenho de Luta pela Legalização do Aborto. - Promover, em setembro, um encontro nacional com coletivos feministas que atuam na Frente, e com outros coletivos que desejam dialogar sobre as práticas de luta e organização da força feminista pelo direito ao aborto. 

Todas à frente! Sem protagonismos ou coadjuvantes. 
Todas somando na Frente Nacional em favor do direito ao aborto para todas as mulheres! 

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Chamado às manifestações pela Legalização do Aborto

 



Companheiras da MMM RS,
Nossa luta pela legalização do aborto vem de muitos anos na história, com muita adesão em alguns momentos, com ações defensivas em outros, mas nós da MMM nunca abrimos mão da luta pela legalização do aborto e nunca aceitamos negociar menos que este direito.
Foi no início dos anos dois mil que retomamos as ruas com lambes pelo direito ao aborto, com a construção dos comitês pela legalização do aborto, somos parte da construção da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto, e desde sempre, nunca nos furtamos a solidariedade aquelas que tomam a decisão por fazer valer o direito de decidir.
Neste momento está colocado o debate público sobre a questão do aborto tanto pela luta na Argentina como pela a ADPF (Arguição de descumprimento de Preceito fundamental 442) aqui no Brasil, apresentada pelo PSOL e ANIS.
A Nossa luta como Marcha Mundial é para que o aborto seja um direito para todas as mulheres. Neste momento de ebulição, vamos continuar fazendo o debate e mantendo no centro a Legalização do aborto no Brasil e na América Latina.
A experiência Argentina, assim como a luta no Uruguai já nos mostrou que a luta institucional não é suficiente para avançarmos nesse direito. Ademais que no Brasil temos que articular a luta pela legalização do aborto, a luta por Democracia e pela defesa do SUS, contra a emenda constitucional 95 que desmonta o SUS.
Sem Democracia não há direitos e nem soberania dos corpos, e acreditamos que é a luta das ruas, da mobilização e do trabalho de base, nos bairros, locais de trabalho e na periferia que vai ganhar mentes e corações  para que possamos construir  uma correlação de forças feminista, capaz de enfrentar o conservadorismo fundamentalista e obter uma vitória para todas as mulheres.
Somos parte da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, e esta Frente está propondo uma série de atividades, entre elas o Festival pela Vida das Mulheres e pela Legalização do Aborto que acontecerá em Brasília e outras cidades com atos.
Neste momento nos somaremos as atividades de rua reforçando a LEGALIZAÇÃO DO ABORTO, lembrando que neste momento acontecerão três datas muito próximas de atividades: 3, 6 e 8 de agosto, e precisamos fazer um esforço de estar levando nosso apoio com nossas marchantes, com nossas bandeiras e nossas músicas pela Legalização do Aborto.
Aqui no Rio Grande do Sul organizamos atividades em Porto Alegre, Caxias do Sul, Santana do Livramento, Bagé e Santa Maria, assim como estamos participando das ações chamadas pelos movimentos unificados. É importante que nossas marchantes organizem rodas de conversa, reuniões ou outro tipo de atividade de formação, em apoio e solidariedade às nossas hermanas argentinas principalmente no dia 8 de agosto.
Em Porto Alegre, a MMM irá organizar uma operação lambe-lambe na semana do dia 8, e também acontecerá uma Plenária chamada pela Frente pela Legalização do Aborto RS, dia 26/07 quinta-feira das 18:30 – 21:30h no DCE UFRGS, para deliberar sobre as melhores estratégias de datas e atos para estarmos nas ruas. 
Em anexo o chamado da Frente Nacional e nosso adesivo para, quem puder, reproduzir nos municípios e levarmos para as atividades.
Link para acessar a pasta do google drive onde tem nossos lambeshttps://goo.gl/TbFzJQ


segunda-feira, 18 de junho de 2018

Por que lutamos pela legalização do aborto?

Atividade de Formação Feminista e Plenária da MMM RS


Companheiras,

A maré verde feminista que tomou conta da Argentina nos encheu de esperança e ganas de lutar. Dia 13 de junho de 2018, um milhão de mulheres tomaram às ruas da capital, Buenos Aires, e por mais de 24 horas permaneceram em vigília. Gritavam "Que Sea Ley" para o Parlamento, saindo vitoriosas depois de anos de mobilização pela Legalização do Aborto. 

Sim, a vitória ainda não se concretizou por completo, depende de votação no Senado, mas diante de um cenário de governo neoliberal, as mulheres argentinas mostram que cenário favorável para avançar no tema dos direitos sexuais e reprodutivos, da autonomia do corpo, se constrói com luta e mobilização unitária de todas as mulheres!

É com este espírito de esperança e resistência feminista que vamos realizar nossa Plenária Estadual, dia 30 de junho, para construirmos nossas estratégias de luta e enfrentamento do patriarcado.

Abriremos a plenária, com uma atividade de formação feminista, no dia 29 de junho, sobre o tema "POR QUE AS FEMINISTAS DA AMÉRICA LATINA LUTAM PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO?", que nos ajudará a chegarmos ainda mais inspiradas para nossa plenária.

Assim, convocamos todas as marchantes do Estado e convidamos as companheiras de outros movimentos, estados e independentes que quiserem participar conosco deste espaço de reenergização feminista.







PROGRAMAÇÃO

Bate-papo aberto e Confraternização Feminista
Tema: POR QUE AS FEMINISTAS DA AMÉRICA LATINA LUTAM PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO? 
Quando: 29 de junho (sexta-feira)
Horário: 18h30m 
Onde: SindiPetro-RS (Av Lima e Silva 818 - Cidade Baixa/ POA)

Plenária Estadual da MMM/RS
Quando: 30 de junho (sábado)
Horário: das 9h às 18h
Local: CPERS Sindicato – Endereço: Av Alberto Bins n 480 - Centro, Porto Alegre - RS

Pauta:
1º ENALESBI da MMM
Congresso das Mulheres do Povo nos núcleos e no RS
Conjuntura da Marcha Mundial das Mulheres 
Auto Organização da MMM/RS
Agenda de lutas


PREENCHAM O FORMULÁRIO goo.gl/kDkzEG

sexta-feira, 15 de junho de 2018

A hora de surfar na maré verde


O movimento feminista argentino afirma a potência das ruas/Foto: Fernanda Pessoa | Catarinas
Irmãs argentinas pelo direito ao aborto legal é uma conquista pela autonomia, cidadania e vida. Como muitas colegas escreveram, trata-se do resultado de um movimento argentino articulado de mulheres sob uma pauta específica: Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto, que em 2018 completou 13 anos. A batalha foi ganha, mais ainda é necessário que a lei passe no Senado.


Não pretendo aqui discutir o processo Argentino, mas colocar algumas impressões e ponderações sobre o Brasil ao acompanhar as votações. Ficou evidente o impacto da maré verde, da pressão popular, das mulheres organizadas e atuantes na rua. Mesmo àqueles que votaram contrários a lei, tiveram que fazer algum tipo de manobra verbal, explicar-se para estas mulheres, não possível apenas afirmar que votavam pela “família”, que votavam “por Deus” – como ouvimos à exaustão na votação do impeachment. As mulheres, as feministas, àquelas de lenços de verde nas ruas, estas eram interlocutoras impossíveis de ignorar ou menosprezar.


A mobilização gigantesca das mulheres tornou a sua presença, enquanto sujeitas um fato incontornável dentro daquele congresso. As mulheres que também votaram contra, também tiveram que justificar-se enquanto mulheres, destacaram seu trabalho como pioneiras, como ativistas, como mulheres engajadas.




Foto: Fernanda Pessoa | Catarinas

O que percebo então, é que as feministas hoje, na Argentina são interlocutoras legítimas, o que descarta ataques morais/cristãos rasos, é necessário, pelo menos neste caso, argumentos vestidos de alguma lógica.


Como feminista e brasileira, acho que essa é uma conquista e tanto. Não estou falando da votação histórica em si, mas sim do que veio junto com isso: a evidência de que o movimento de mulheres é um sujeito político fundamental, gigante, e que não é possível desprezar, menosprezar e diminuir sua potência histórica – mesmo os oponentes de projeto histórico feminista tiveram que lidar com isso.  Vivendo em um país em que o que mais se vê são ataques vazios e de cunho moralista, parabenizo as feministas argentinas por mais essa conquista.


Faço um alerta para a possibilidade que temos diante de nós: tramita neste momento, no Supremo Tribunal Federal (STF) a ADPF 442, protocolada pelo PSOL.  Não é uma lei, como no caso de nossas vizinhas, mas uma arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que defende a tese de que “que as razões jurídicas que moveram a criminalização do aborto pelo Código Penal de 1940 não se sustentam, porque violam os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde e do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas”. Além disso, a peça pretende questionar a razoabilidade de criminalizar o aborto sob a justificativa de que a defesa do feto e do embrião estariam asseguradas na Constituição.





Um ponto fundamental na argumentação dessa ADPF é de que as demandas feitas nessa ação estão em consonância com outras ações e respostas anteriormente dadas pelo STF. Faz-se um apelo, para: (1) que a demanda pela descriminalização seja entendida como resultado de um processo cumulativo, consistente e coerente da própria Corte no enfrentamento da questão do aborto como uma matéria de direitos fundamentais; (2) que os ministros avaliem as demandas dessa ADPF, tendo em vista os posicionamentos anteriores da Corte, cujos princípios funcionarão como base para a elaboração de seus votos nesse caso específico.


Há, assim, um apelo para uma linha de continuidade entre as decisões já tomadas pelo STF, e, ainda, uma reivindicação de que o que se está em pauta não é a questão da moralidade da prática do aborto. A questão argumentativa central é de que a criminalização do aborto – criminalização que está contida em nos artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940, anterior à Constituição de 1988 – configura violação à dignidade da pessoa humana, à cidadania, à não discriminação de mulheres, e impacta nos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à proibição da tortura e ao planejamento familiar de mulheres, ainda, que mulheres negras, indígenas, nordestinas e pobres são as que têm as suas vidas mais negativamente afetadas pela criminalização da prática.


Está nas mãos do judiciário a possibilidade de uma maior segurança e autonomia das mulheres brasileiras. O judiciário tem sido o caminho adotado por muitos movimentos sociais que diante de um legislativo conservador e a atualmente reacionário, procura na Justiça o espaço de reivindicações por direitos e cidadania. Se por um lado, não entendo como intrinsicamente negativo o fato de a nossa demanda pelo aborto estar tramitando no judiciário, final temos que lutar nas frentes possíveis e com as armas que temos, por outro, observo na movimentação feminista brasileira em torno do aborto, uma ênfase mais institucional, seja como quadros de Estado (algo possível até o golpe), ou como lobistas no Judiciário. Estes são caminhos válidos, importantes e necessários, porém, não sustentável: sem pressão popular, sem a força contundente das ruas fica difícil encampar qualquer decisão e posicionamento realmente feminista e de autonomia para as mulheres.



Foto: Prensa Obrera

Em 3 e 6 de agosto teremos audiências públicas no STF, referentes à ADPF 442, ouviremos argumentos favoráveis e contrários mas o que me atormente é pensar que diferentemente da Argentina, nossos opositores não terão pudor algum em desmoralizar o movimento de mulheres, e ainda fundamentar seus posicionamentos em argumentos cristãos de defesa pela “vida” e pela “família” sem realmente levar em conta o que, de fato está em jogo: a vida das mulheres e o fato de que abortos sempre foram e continuarão a se realizar neste país.


A pauta do aborto nunca foi prioritária pelas esquerdas, nem mesmo no campo feminista há um consenso sobre sua centralidade, entretanto, com a guinada conservadora e com o avanço destes grupos sobre os corpos femininos, os inúmeros Projetos de Lei com o objetivo de retroceder nos poucos direitos reprodutivos que tínhamos, esse quadro começa a mudar. Marchas e movimentações feministas foram articuladas no Brasil todo, não restando dúvidas sobre a potência combativa das mulheres no país. Então, agora é hora de surfar na maré verde, reforçando os movimentos feministas de rua e colocando a pauta do aborto como urgente, não só para as mulheres, mas para a democracia no Brasil. Temos que, assim como as Argentinas, nos fortalecer enquanto movimento popular, de modo que nossa presença – enquanto movimento articulado pelos direitos e autonomia – seja uma presença incontornável nos debates em que a vida das mulheres estejam em jogo. É hora de reafirmar-nos enquanto sujeitas revolucionárias fazendo a América Latina feminista.


*Maria Ligia Elias é doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutoranda na Universidade Nacional de Brasília (UNB).

quinta-feira, 14 de junho de 2018

O que aprender com as feministas argentinas na luta pela legalização do aborto? Solidariedade e mobilização popular

Dia histórico na Argentina: projeto que legaliza o aborto é aprovado na Câmara dos deputados. Foto: Emergentes
Por Luiza Mançano*
As feministas argentinas têm protagonizado uma verdadeira “onda” verde em defesa da aprovação da legalização do aborto, uma marea verde, como dizem em espanhol.
Organizadas na Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito, que existe desde 2005, apresentaram, pela décima segunda vez, um projeto de lei que exige a legalização do aborto no país, permitido atualmente, como no Brasil, só em casos específicos.
Com o lema “Educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar e aborto legal para não morrer”, as feministas discutiram por anos, durante encontros regionais e nacionais, a formulação de um projeto de lei, e agora, nos últimos dois meses, desde que o Congresso acatou a proposta de debatê-lo, participaram intensamente das discussões que aconteceram todas as terças-feiras na Casa, apresentando o resultado de anos de organização, dados, informações, formulações políticas.
Mas, sobretudo, realizaram uma massiva mobilização nas ruas e nos espaços públicos para dialogar com a população do país e reafirmar suas pautas. Enquanto o projeto era discutido no Congresso, organizaram manifestações que ficaram conhecidas como pañuelazos (e que não arrisco uma tradução): o ato de erguer seus panos verdes, símbolo da campanha, em defesa da legalização do aborto, para reafirmar esta luta, tão antiga quanto urgente para as mulheres, não só na Argentina, mas em todos os países onde esse direito ainda não foi reconhecido legalmente.
Nas últimas semanas, nas ruas de Buenos Aires, capital do país, mulheres de todas as idades, muitas jovens principalmente, andavam com seus paninhos verdes da campanha pendurados no pescoço, nas mochilas, nas bolsas. Um ato individual que representa uma posição política coletiva: estar “identificadas” para defender a autonomia dos seus próprios corpos, para defender a vida e a saúde das mulheres. Uma forma de expressar a defesa de um direito negado, no sentido contrário à forma como o aborto é tratado, entre muitos cochichos, em voz baixa, clandestinamente.
O que estavam expressando nas ruas é: as mulheres abortam (eu aborto, tu abortas, somos todas clandestinas), todos os dias, com comprimidos ou em clínicas e queremos que o Estado reconheça o aborto como um direito, que o Estado assegure não só que as mulheres não sejam criminalizadas, mas que garanta que possam fazer abortos nos hospitais públicos, com acompanhamento médico, que as mulheres tenham acesso à informação e medicamentos seguros.
Nas redes sociais, com as informações que chegavam pelos meios de comunicação e compartilhadas pelas nossas companheiras argentinas, podemos acompanhar a potência da luta das mulheres que vivem no país vizinho, que, assim como nós, enfrentam uma conjuntura econômica e social que tem tornado a vida material das mulheres mais difícil, inseridas num contexto de avanço do neoliberalismo, traduzido em reformas, precarização, aumento das tarifas, endividamento do Estado.
Essa gigantesca mobilização chega até nós como um alento, nos dá fôlego. Nos dá, sobretudo, movidas pelo sentimento de solidariedade internacional, a oportunidade de pensar o nosso enfrentamento a partir da nossa própria realidade e, a partir do que aprendemos com as nossas hermanas, ampliar nossa organização política para defender nossos direitos.
Foto: Emergentes
Nos ensina que não há conjuntura “adequada” para defender a legalização do aborto, como ouvimos sempre dos companheiros homens, para os quais há sempre outra luta mais importante para acontecer. Na Argentina, a aprovação do projeto de lei para legalizar o aborto no Congresso não representa, ao contrário do que muitos afirmam, uma “cortina de fumaça” para as outras tantas aprovações que prejudicam a vida das mulheres e de toda a população. Esta aprovação nos diz que, com organização e mobilização popular, fica muito mais difícil ignorar o que exigimos.
Na última manifestação por Ni una menos [Nenhuma a menos], que aconteceu na segunda-feira, 11 de junho, a palavra de ordem das feministas exigia: “vivas, livres e desindividadas nos queremos”. Uma palavra de ordem que conecta as pautas históricas das mulheres na América Latina, o aborto e o fim do feminicídio, com a atual conjuntura do país, com o avanço de um projeto neoliberal, o retorno do FMI, dizendo não à política econômica do presidente Macri.
Por aqui e em tantos outros tantos países do nosso continente, o aborto continua sendo considerado um crime, enquanto continuamos a reafirmar que ele é um direito das mulheres. Penso nas nossas companheiras da Venezuela, que têm articulado a luta pelo aborto com a defesa da soberania nacional, por exemplo, e levarão o debate sobre aborto à Assembleia Constituinte no próximo dia 20 de junho. Nas nossas companheiras chilenas, que agora se levantam para exigir uma educação não-sexista.
Penso em nós, feministas brasileiras, diante de um golpe de Estado, do avanço da militarização e da perda de direitos que considerávamos básicos. O aborto continua sendo um direito fundamental, por ele, muitas companheiras nossas lutaram e lutam há pelo menos duas décadas, por ele, em todos os cenários, vamos precisar batalhar muito. À luta, companheiras!

*Luiza Mançano é militante da Marcha Mundial das Mulheres em São Paulo.