quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Isso é sobre feminismo, não sobre o amor[1]



 










Algumas atrás semanas participei de um seminário onde o tema era Mulheres, Justiça e Participação Social, numa universidade no norte do país, no coração da Amazônia, para ser mais exata. O evento era aberto para toda a comunidade, acadêmica ou não.
 As mulheres ribeirinhas foram convidadas e estavam em maioria. Muitas alunas também participaram e o seminário foi um sucesso de público (feminino). Mas e os homens? Pois é. Os professores não liberaram os alunos para participar e seguiram suas aulas como se nada estivesse acontecendo, além de outros boicotes que não cabem nesse texto.
Dessa forma, já na abertura do evento, o público era quase totalmente feminino e não havia um professor sequer na “platéia”. A mesa era composta somente por mulheres, eu, uma doutoranda em história e uma doutora em filosofia. Assim que foram abertas as inscrições surgiram falas, de ambos os sexos, de que os homens deveriam ter sido chamados, que deveriam estar na mesa de abertura, afinal, é com eles que as mulheres precisam dialogar. Lindo, só que não.
Nas últimas semanas, em diversas discussões na Internet, seja por conta da luta pelo compartilhamento do trabalho doméstico, seja pelo caso do professor pseudo intelectualóide que acha tranquilo enviar fotos de seu pênis para quem não demonstra nenhuma intenção de vê-lo e a defesa feita por outros homens que se solidarizam com o pobre professor, um argumento gêmeo do apresentado no seminário apareceu recorrentemente, o de que não podemos ser grosseiras com os homens, não podemos ter uma fala ou uma atitude violenta, pois assim estaríamos agindo como eles e os afastando do debate.
Bueno, o ocorrido na universidade diz muito para esses dois discursos que questionam a razão pela qual os homens foram convidados. A universidade inteira foi convidada. Porém, de fato, eles não foram chamados para as falas acadêmicas de abertura e por isso não foram. Eles não participaram do seminário porque não havia um deles no lugar de poder, no lugar de autoridade no assunto. Não participaram porque as glórias do evento iriam para uma professora, uma mulher jovem que está tendo a ousadia de levar a população feminina e ribeirinha para dentro da universidade e assim fazê-la cumprir seu papel social. Eles não foram porque não vêem a fala de mulheres sobre mulheres como algo que possa contribuir para suas vidas e de seus alunos e alunas. Mas o discurso construído pelo patriarcado de que as feministas odeiam homens é tão forte, tão enraizado, que o primeiro pensamento é o da culpabilização das mulheres, de que elas não haviam convidado os machos, descumprindo o papel de gentileza e docilidade e de onde nenhuma mulher pode se retirar.
A mesma lógica opera quando se diz para uma feminista que ela deve valorizar cada passo que um homem dá para diminuir o seu machismo, aplaudindo de pé como uma mãe que vê o filho ir ao banheiro sem a sua ajuda. O feminismo não é um discurso de amor incondicional, materno e amoroso. É uma luta cotidiana e permanente para construir uma sociedade onde não sejamos mortas por sermos mulheres, para que possamos nos libertar da escravidão do trabalho doméstico e onde nós e homens estejamos, de fato, em pé de igualdade, se relacionando de forma fraterna e solidária. Não queremos matar homens, mas não queremos ser mortas por eles.
Não podemos colocar as feministas no lugar de professoras de homens, dizendo “olha querido, vou mostrar pra você, com todo o amor, como você está errado, não pode bater na coleguinha”, ou “nossa, que lindo, você aprendeu que mostrar o seu pintinho para as meninas que não querem vê-lo é feio, mas não se preocupe, não vou contar pra sua mãe”, ou, ainda, “Joãozinho é tão querido, tem quarenta anos e faz sua própria comida, parabéns Joãozinho”. Não, né, gente?
Uma mulher é estuprada a cada quatro minutos no Brasil, a nossa taxa de feminicídio em 2013 foi de 5,82 casos para cada 100 mil. As mulheres trabalham, em média, o dobro do que os homens nos afazeres domésticos. Nossa representação na política é vergonhosa, eleição se ganha com recurso financeiro, o que, obviamente, falta às candidatas. Morremos todos os dias por conta de abortos inseguros. Bolsonaros nos ameaçam todos os dias.
Não estamos espalhando amor pelo mundo. Estamos lutando para que o mundo seja um lugar onde o amor possa florescer. E essa luta, às vezes, será dura. Aqueles que nunca nos deram voz terão que ouvir nossos gritos. O feminismo é uma luta coletiva contra um poder instituído socialmente. Um poder que mesmo o homem mais parceiro das feministas possui e do qual, mesmo que queira, não pode abrir mão. Portanto, é gratificante, maravilhoso quando encontramos homens avançando conosco, lutando conosco, apoiando sem tentar protagonizar a nossa luta. Mais lindo ainda quando eles compreendem que a luta é dura e nem sempre mediadora, que avançamos pressionando um patriarcado violento.
Sou solidária a qualquer ser humano oprimido, seja quem for. Mas minha aliança fundamental, minha energia vital está com as mulheres. Seguimos em Marcha!!!!

[1] Vanessa Gil, militante da Marcha Mundial das Mulheres RS

 

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