sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Mulheres em marcha por água, terra e agroecologia e contra a Megamineração no RS



Por Gabriela Cunha, Isabel Freitas e Isabella Madruga da Cunha, militantes da Marcha Mundial das Mulheres no RS

O papel do Brasil na economia mundial capitalista é essencialmente o de fornecedor de minérios, dentre outras commodities. Vejamos, em 2017 o Brasil foi o segundo maior exportador de minérios do mundo [1]. Mesmo que o extrativismo esteja intrinsecamente relacionado com a colonização, o que se percebe é que nos últimos 30 anos tem ocorrido uma intensificação do extrativismo nos países do sul global ou de terceiro mundo, como o Brasil. Maristela Svampa, socióloga argentina, aponta uma tendência dos países do norte em deslocar das suas fronteiras as primeiras fases da atividade extrativa, no sentido de preservar a natureza em seus territórios, porquanto isso significa em maior destruição nos países do sul global utilizados como fonte de recursos e sumidouro de resíduos [2].
Nesse contexto é que o Estado do Rio Grande do Sul também se tornou alvo, estando seus territórios ameaçados pela expansão do que chamamos de “fronteira da mineração”. Há mais de 160 projetos planejados por empresas privadas transnacionais para extração de diversos tipos de minérios, na sua grande maioria localizados nas regiões do bioma Pampa.
Até então, já ocorreram audiências públicas em alguns dos municípios de interesse minerários [4], que é parte obrigatória do processo administrativo de licenciamento ambiental visando a participação da comunidade nas decisões. Porém, é sabido que apenas uma audiência pública não cumpre a função de garantir a democracia nos processos, e há casos de projetos que foram efetivados mesmo tendo a maioria da população se manifestado contrária [5]. Através destas audiências públicas, iniciou-se uma mobilização intensa por moradores das regiões atingidas, movimentos sociais populares, estudantes, pesquisadores, entidades ambientalistas e população local em geral, com objetivo de elaborar questionamentos, sanar dúvidas, apontar lacunas e instaurar um amplo e profundo debate público para garantir que suas vozes sejam ouvidas, e que a atividade minerária não seja simplesmente imposta à população gaúcha.
Os recentes casos de desastres ambientais provocados pela mineração trouxeram os impactos e as violações de direitos humanos causados por essa atividade econômica para o centro do debate público nacional. O rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho em Minas Gerais, causaram a morte de mais de 320 pessoas, mataram a vida dos rios Doce e Paraopeba e o meio de sustento de alimento e trabalho de diversas famílias [6]. Em 2018 houve vazamento de Bauxita no rio Pará, na região do município de Barcarena no Estado do Pará [7]. O avanço do garimpo na Amazônia, em busca de principalmente ouro, desmata e contribuí com o extermínio dos povos indígenas e tradicionais que resistem duramente para proteger seus territórios, modos de vida e a natureza. Agora, o governo federal articula para liberação de mineração em terras indígenas já demarcadas [8]. A mineração de Cobalto na África, na cidade do Cabo, uma das regiões mais biodiversas do mundo como a Amazônia, é realizada por um trabalho extremamente explorado da população pobre, dominada por facções, e que no seu cotidiano fazem parte os estupros coletivos de meninas e mulheres [9]. É fato o aumento da pobreza das regiões que se instalam cavas de mineração, acompanhada do aumento de depressão, do alcoolismo, do suicídio e da prostituição da população trabalhadora nas minas ou moradora do entorno [10].
Os projetos de tornar o Rio Grande do Sul mais um território da mineração no Brasil, não podem ser impostos pelos poderes privados das empresas transnacionais interessadas e do Estado cúmplice. Toda atividade mineradora causa profundos e definitivos impactos socioambientais. Assim, este é o momento de refletir sobre algumas questões: Qual o tipo de desenvolvimento que queremos? A quem serve o “desenvolvimento” supostamente proporcionado pela mineração? Qual o modelo energético que queremos? E como efetivar um desenvolvimento verdadeiramente sustentável [11]?
Um dos projetos previstos para o RS é a maior mina de carvão mineral a céu aberto do Brasil. Denominada Mina Guaíba, ela se localizaria em área de assentamento rural do INCRA no qual as famílias produzem alimento agroecológico, especialmente o arroz orgânico, entre outros [12], a pouco mais de 500 metros da Área de Proteção Ambiental do Delta do Jacuí, onde o Rio Jacuí deságua no lago Guaíba, área alagadiça com alta biodiversidade e diversas espécies de flora e fauna protegidas por lei. Uma possível contaminação das águas do entorno da onde pretende se instalar a mina, compromete o abastecimento de água de toda a Região Metropolitana de Porto Alegre (4.3 milhões de habitantes) que depende das águas do Guaíba e do Jacuí para produção de água potável [13]. A Mina Guaíba atende a Política Estadual do Carvão Mineral e que institui o Polo Carboquímico do Rio Grande do Sul, aprovada por quase unanimidade por todos os deputados em 2017 [14]. Caso concretizado, o projeto de instalação da Mina Guaíba elevará o RS a outro patamar nacional e internacional quanto a exploração, produção e venda de carvão mineral e a maior questão a ser posta neste momento é de quem será beneficiado com esta atividade? Quem será atingido? Há, de fato, benefícios para as e os trabalhadores? E os pequenos produtores rurais, assentados, povos e comunidades indígenas e tradicionais cujos territórios serão atingidos?
Nós, feministas antirracistas, anticapitalistas, na luta por outra sociedade que tenha como centralidade a sustentabilidade da vida, nos últimos anos, sob a consigna “a natureza não é uma mercadoria, as mulheres também não” participamos ativamente das lutas contra a mercantilização de recursos naturais que são bens comuns dos povos. No Brasil, o modelo de desenvolvimento defendido pelos governos, a partir de megaprojetos regionais, seja de mineração, seja de usinas hidroelétrica, seja de polo “produtivo” para livre circulação de mercadorias, visa somente atender aos interesses do grande capital em seu estágio de extrema violência contra a vida [19]. A partir das trocas de experiências entre as mulheres de diversos países, acumulamos o quanto é degradante para a vida, e mais ainda para as mulheres [20], os impactos de uma mineração que não está a favor das demandas básicas da população para produção e reprodução da vida, mas sim para venda de matéria prima para outros países a preços baixos, como no caso do Brasil.
As mazelas deixadas pelos projetos de mineração que expulsam pessoas dos seus territórios recaem implacavelmente sobre as mulheres. Somos nós as principais vítimas da histórica e injusta divisão sexual e racial do trabalho, somos as que cuidamos da saúde física e mental da família e da comunidade, cuidamos da alimentação e da água que a cada dia estão mais envenenadas. Portanto, nossa luta é por terra para morar e produzir alimentos saudáveis e, trabalho com dignidade, pelo uso consciente dos bens comuns naturais por todas/os que dela necessitam para viver [21]. Nós feministas da Marcha Mundial das Mulheres denunciamos há tempos os impactos degradantes gerados pelo modelo de desenvolvimento capitalista, entre eles, os provocados pela mineração predatória. [22].  Nossa tarefa tem sido dialogar sobre como esse modelo passa a ter como território em primeiro lugar, o corpo das mulheres e meninas, precarizando a vida em todos os sentidos. A promessa do emprego, do desenvolvimento das regiões, coloca trabalhadores contra trabalhadores e o discurso dos gestores públicos se fundem com o discurso dos “empreendedores” do grande capital [23]. Num contexto de completa desregulamentação extinção dos direitos sociais, o emprego propagandeado pelos capitalistas é trabalho precário, e os direitos da constituição de 1988 passam a ser difamados como privilegio.
A história recente das lutas dos povos latino-americanos tem demonstrado que é chegada a hora de dar um basta na aposta em modelos de desenvolvimento alinhados com o capitalismo financeiro neoliberal. É preciso abandonar a visão de que crescimento econômico, compreendido no sentido limitado de aumento do PIB, da produção de dinheiro no país, seja igual a produção de benefícios para toda a população.
Diante deste contexto, foi criado o Comitê em Combate a Megamineração no RS, reunindo visões diversas do campo socioambiental, composto por mais de 150 entidades que lutam para barrar esses projetos e debater com a sociedade um modelo energético e minerário que seja soberano e popular [24]. A Marcha Mundial das Mulheres do RS compõe este comitê [25] contribuindo com o acúmulo do movimento feminista para as estratégias e mobilização das ações do Comitê, pois só com a conscientização das populações gaúchas e seu protagonismo é que será possível barrar esses projetos e concretizar a criação de alternativas de desenvolvimento que sejam socialmente justas e sustentáveis. Fortalecer a produção agroecológica de alimentos e a soberania dos povos com suas relações culturais e afetivas, entre si e com a terra, é um caminho possível [26].

Para o feminismo, o capitalismo não tem eco. Por isso, seguiremos em marcha! Por água, terra e agroecologia e contra a Megamineração no RS!   

Links de referências:
[2] SVAMPA, Maristela. Modelo de desarrollo e cuestión ambiental em América Latina: categorias y
escenarios em disputa. In: WANDERLEY, F. (coord.). El desarrollo em cuestión: reflexiones em América
latina. La Paz: CIDES, OXFAN y Plural, 2011. p. 411-441. Disponível em: https://bit.ly/2kxa73x.

Nenhum comentário:

Postar um comentário