sexta-feira, 24 de julho de 2020

Porque a luta antirracista também é nossa, mulheres marchantes, por Bruna Letícia*

O dia 25 de julho é o dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data é um marco para a visibilidade da luta e resistência de Mulheres Negras, além de chamar atenção anualmente para as problemáticas sociais que fazem parte da vida dessas mulheres. O dia 25 de julho, foi escolhida no ano de 1992, em um encontro entre 32 países da América Latina e do Caribe, promovido na República Dominicana. Em junho de 2014 a Presidenta Dilma sancionou via decreto de Lei o dia 25 de julho como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no Brasil.

Apesar da invisibilidade, ora quebrada, da contribuição política, intelectual e das experiências sociais de mulheres negras, pela busca histórica de outras possibilidades de existir desde a instauração de territórios colonizados por meio da escravização, mulheres negras acumularam ações e saberes que romperam as fronteiras dos Estados-Nações, e hoje, nos servem de base para a prática política da busca por igualdade. É histórica a ação de mulheres negras tendo em vista a ocupação e reivindicação do Estado pela conquista de direitos. Costumo dizer que nossos passos em direção às políticas públicas vêm de longe.  

Se voltarmos o nosso olhar através de uma perspectiva de gênero para o processo de construção das Abolições nas Américas ao longo de todo o século XIX, veremos que a centralidade do processo da conquista de liberdade, assim como, da manutenção da escravização por parte dos escravistas, esteve colocada no corpo das mulheres e na luta travada pelo direito de posse sobre seus próprios corpos, principalmente seus ventres. Isso torna a experiência de mulheres negras interseccional, ou seja, houve uma construção de gênero para as mulheres negras que perpassou pela exploração biológica de seus corpos para a implementação e manutenção do sistema econômico, unindo, dessa forma, gênero, raça e classe. Esse processo está muito bem colocado no primeiro capítulo de Mulheres, raça e classe de Angela Davis.

Como sabemos, o sistema capitalista na América colonizada, foi implementado sob a base escravocrata, ou seja, houve uma sofisticação e readequação do modo de exploração do trabalho que já estava estruturado pela escravização. Assim, as construções sociais do corpo biológico é que determinam o modo como o trabalho será explorado, e mais do que isso, como essas as vidas negras e brancas serão tratadas na sociedade vigente. Isso explica as mulheres negras serem as que mais exercem a função de empregada doméstica, as que recebem os menores salários, as que mais exercem o trabalho informal, as que mais perderam empregos em tempos de crise, e as que mais demoram para se recolocarem em vagas registradas pela CLT. E, ainda, nós mulheres negras não somos reconhecidas pelo nosso trabalho intelectual para a luta política mesmo dentro das esquerdas.  

Contudo, a experiência histórica, social, intelectual e de luta das mulheres negras é de grande contribuição para nós, mulheres marchantes que compomos um movimento mundial feminista anticapitalista. A experiência de classe de mulheres negras, ou da exploração do trabalho de mulheres negras, é atravessada pelas construções de raça e gênero, dessa forma, expõem a lógica de funcionamento do sistema capitalista. Além da já citada Angela Davis, temos a contribuição de Lélia Gonzalez, importante intelectual brasileira sobre o tema.

Lélia Gonzalez, deixou de uma forma muito nítida, através de seus estudos que a observação das representações e da forma de exploração do trabalho exercido por mulheres negras nos dão chaves de interpretação sobre o racismo à brasileira, como a autora falava, que serve para a manutenção da exploração no atual sistema econômico. Como sempre nos lembra Angela Davis, não existe capitalismo sem racismo, pois esse é um dos pilares que estrutura todo o sistema, juntamente como o gênero, e sustenta a sua manutenção, ainda que, o racismo atue de maneira específica sobre a vida de mulheres, e também homens negros. Nesse ponto quero chamar a atenção, que, diante das necropolíticas instauradas pela presente fase do neoliberalismo, é necessário que ampliemos a discussão sobre a vida dos homens negros, exterminados e encarcerados diariamente diante de nossos olhos.  

Se somos mulheres feministas anticapitalistas e compreendemos que a exploração das vidas nesse sistema está alicerçada, mantida e estendida a todas e todos a partir da estrutura de raça, necessariamente somos e devemos ser mulheres antirracistas e assumimos e reafirmamos essa posição política na passagem do dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

* Bruna Letícia dos Santos é Professsora e historiadora, militante feminista da MMM Caxias do Sul

quinta-feira, 23 de julho de 2020

O dia 25 de julho é Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. por Cláudia Prates


Foi desde 1992, que mulheres negras de 32 países da América Latina e do Caribe se reuniram na República Dominicana para tornar visíveis as lutas e a resistência das mulheres afro latino americanas e definir estratégias para enfrentar o racismo na perspectiva feminista. Um dos resultados dessa reunião foi marcar esta data como um dia de luta, reflexão e resistência.

No governo da Presidenta Dilma, em 2 de junho de 2014, foi instituído por meio da Lei nº 12.987, o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, numa forma de reconhecimento e resgate da memória desta importante liderança negra, símbolo da luta contra a escravização, que viveu no século 18 e que foi morta em uma emboscada.

Por mais de 500 anos sofremos com a escravidão, onde para as mulheres negras sempre teve um peso maior, mais cruel e mais letal. Mesmo sofrendo com a opressão histórica e o preconceito na pele, não iremos deixar que apaguem a nossa memória, tampouco apaguem da história do Brasil ser o último país do Ocidente a abolir a escravização.

 O mês de julho tem sido para as mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais um espaço na agenda para organizarem atividades para contribuir com o fortalecimento desta luta. Para que cada vez mais jovens negras sintam orgulho de sua origem histórica, da cor da sua pele e do crespo dos seus cabelos.

Vivemos num país onde a população negra corresponde a 54% do total, segundo o IBGE. Na América Latina e no Caribe, 200 milhões de pessoas se identificam como afrodescendentes, de acordo com a Associação Mulheres Afro. Porém, tanto no Brasil quanto fora dele, essa parcela populacional também é a que mais sofre com a pobreza: três em cada quatro são pessoas negras, também segundo o IBGE.

 As mulheres negras estão em situação mais precária em comparação às mulheres brancas, seja em termos de acesso à educação, à universidade, emprego, salários e qualidade de vida.

Além destes campos, vimos a representatividade das mulheres negras ao longo da história completamente invisibilizada. Na representação política é ainda mais difícil encontrarmos mulheres negras nos parlamentos do Brasil. Isto é reflexo da realidade brasileira.  

Neste sentido que muitas vozes negras tem ecoado ao longo da história, resistido na luta, e mesmo sob a chibata, as balas do fuzil ou a botina no pescoço, insistem em seguir gritando. Para alcançar a visibilidade que queremos é fundamental o engajamento de todas e todos, independente da cor da pele.

" Numa sociedade racista, não basta não ser racista é preciso ser antirracista" Ângela Davis

Neste 25 de julho não estaremos nas ruas, não teremos marchas, mas estaremos nas redes sociais enegrecendo as telas, pois os nossos desafios são ainda maiores. Neste período de pandemia vimos as desigualdades agudizarem - as mulheres negras sofrem violência doméstica no confinamento com o opressor, também são mais exploradas no trabalho doméstico das casas que não lhes dá o direito de se cuidar e se isolar como seus colonizadores. São elas que estão adoecendo e morrendo, são elas que estão sem renda, são elas que sofrem suas dores sem que ninguém veja.

Apesar deste cenário, temos assistido cada vez mais mulheres conseguindo romper este apagamento e denunciando o extermínio da juventude negra e periférica. Mas precisamos ser ainda mais. Precisamos beber na fonte das mulheres que escrevem sobre o racismo estrutural e o machismo, que nos mostram que, para que a gente consiga pensar juntas sobre o nosso futuro precisamos reconhecer nossa história sem deixar que ninguém mais queira escrever ou falar por nós.


Resistimos para viver, marchamos para transformar!


*  Cláudia Prates é educadora popular, e militante feminista da MMM RS

Julho das Pretas, por Isis Marques*


Esse momento para uma mulher com a minha trajetória, tem um significado especial.
Digo isso, por estar vivendo um momento de pertencimento, de minha identidade, enquanto mulher negra feminista.
Tenho consciência, do grande desafio e compromisso que devo assumir, nesse lugar que conquistei, com muitos obstáculos superados.
O que me trás, ao encontro de um dos motivos que me move, responsabilidade de manter o legado, construído por grandes mulheres negras que me antecederam.
Derramaram suas lágrimas, muito suor e sangue, para que, nós mulheres pretas  tivéssemos  a oportunidade de estar nesse espaço de visibilidade.
 Nesse mês de julho, onde comemoramos o dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha Tereza de Benguela. Essa nossa grande referência, aqui do nosso Brasil, quanto uma líder quilombola, líder política que transformou o quilombo em que chefiou por mais de 20 anos, em um lugar de produção. Esse quilombo tinha uma diferença entre os outros quilombos da época,  que era o fato de ser multiétnico com predomínio de negros, indíos e cafuzos.
É importante considerar esta característica desse quilombo para a época, pois possuía uma povoação com quase 200 habitantes livres, construindo e mantendo uma sociedade alternativa que dizia não a escravidão da pessoa pela pessoa.
Tereza de Benguela comandou a estrutura política , econômica e administrativa do quilombo.
Isso demonstra a grandiosidade dessa líder quilombola quanto a sua visão feminista de inclusão e organização que ela construiu.
Assim, com este grande exemplo, nós mulheres pretas, seguimos esse legado de construção, organização dessa nossa pauta antirracista com muito acúmulo, e alternativas, para rompermos com essa saga de crueldade que nossas mulheres pretas ainda são submetidas, por essa grande estrutura escravocrata, que comanda o sistema capitalista em nosso Brasil.
Tenho certeza que nesse momento de pandemia está sendo necessário forçar esse debate entre nós mulheres plurais, reconhecendo e respeitando o lugar de fala de todas.
 Por isso encerro dizendo a todas, o que a grande Conceição Evaristo nos disse.
"Eles combinaram em nos  matar "
"Nós combinamos de não morrer"


Seguiremos em Marcha até que todas sejamos livres

*Isis Marques -Secretária de Combate ao Racismo da CUT RS, militante feminista da MMM RS

25 de julho, dia da mulher negra e caribenha - QUEM SOMOS? * Por Pérola Sampaio



 Somos as MULHERES NEGRAS, trazemos de nossa ancestralidade o espírito guerreiro de lutar todos os dias para tornar o mundo melhor;

 Somos MULHERES MÃES, filhas, netas, autônomas, arrimos de família, estudantes, empresárias, intelectuais e profissionais das mais variadas áreas do conhecimento; sempre numa busca incansável do nosso legítimo reconhecimento;

 Somos MULHERES INQUIETAS que não se intimida de enfrentar o novo, os desafios, os obstáculos, as adversidades, lutamos com muita resiliência diariamente pelos nossos ideais;

 Somos MULHERES DE CONSTRUÇÃO, temos a tarefa de construir caminhos para a sucessão de outras Mulheres Negras, para que dê continuidade ao legado de ser o que somos porque as outras Mulheres Negras mais velhas nos fazem ser pelo significado UBUNTU, construindo assim um mundo menos machista e mais igualitário;

 Somos muitas MULHERES, de diversos lugares, crenças, ideologias, costumes, filosofias, pensamentos e estilos estéticos de ser, mas nunca estamos sós, estamos unidas no mesmo projeto político internacional de lutar contra o patriarcado;

 DE ONDE VIEMOS?

 Somos MULHERES DE MÚLTIPLAS CORES, viemos de Mãe África, berço da humanidade, um continente com centenas de países, mas a diáspora nos fez ter uma diversidade na tonalidade da pele e também nos fez ser de muitos outros lugares do mundo;

 PARA ONDE VAMOS?

 Somos MULHERES EM MOVIMENTO, vamos marchando rumo a Marcha Mundial de todas as MULHERES, nos empoderando nos espaços estratégicos, bem como Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário e outros tantos espaços de “poder”. Somos  militantes de vários MOVIMENTOS SOCIAIS, porque acreditamos nas mudanças de paradigmas existentes numa sociedade machista, homofóbica, racista e jamais perderemos a esperança de dias melhores;

 Portanto, somos MULHERES NEGRAS com capacidade de se reinventar ainda mais no cotidiano da pandemia do COVID19, vamos criando defesas de imunidade no isolamento obrigatório de cada dia em uma aprendizagem constante de solidariedade com o próximo. Estamos vivendo uma situação atípica nunca antes vista na História, mas sabendo que cuidar umas das outras é um ato de amor.


* Pérola Sampaio, bacharel em Direito pela PUCRS, militante feminista do movimento negro e militante da Marcha mundial de Mulheres RS


Mulheres Negras latinas e caribenhas por *Gerusa Bittencourt


Em 2020, a celebração a Tereza de Benguela terá um caráter ainda mais especial. Nós, mulheres negras, somos linha de frente ao enfrentamento de um vírus mortal, que dizima a população negra aqui no Brasil, que realça ainda mais o racismo estrutural preexistente e que rasga o véu do machismo que violenta e mata as mulheres dentro das suas próprias casas.

E qual nosso papel nesta linha de frente? Somos nós, quem organiza o cuidado, a busca por soluções coletivas. Somos nós que compomos o corpo da Enfermagem brasileira, que é preta, e que cuida da população neste momento de dor, de luto e de perdas. Somos nós, quem tem majoritariamente organizado coletas de alimentos e doações nas comunidades, frente ao descaso da gestão pública no combate a fome e a miséria. Somos nós, que não tivemos o direito a #ficaremcasa, quando não tínhamos comida na mesa e tivemos que ir pra faxina pra sustentar os nossos. Somos nós, que tivemos que expor nossos corpos pretos a riscos, por falta de máscaras, álcool gel nas comunidades, para pegar ônibus lotados, para poder garantir que nossas crianças não passassem fome.

As mulheres, e especialmente as mulheres negras foram vítimas desta pandemia, sim. Porém, ao mesmo tempo, estamos sendo protagonistas de um cenário de luta e resistência jamais visto. São meses de enfrentamento, são meses de resistência. Sobre a morte das pessoas no cenário de pandemia, relembra muito o período de escravização no Brasil e por isso, trazemos luz a esta pauta em homenagem as mulheres negras. São os homens negros as grandes vítimas fatais da pandemia. Assim como ocorria no passado. E são estas mulheres, mães negras, viúvas que ficam a mercê do estado, com o seu luto solitário, desassistência, medo e dor. Assim como no período escravagista, seguimos não na senzala, mas nos piores lugares para habitar, sem saneamento, sem água potável, sem dignidade para viver.

Ser mulher e negra em 2020 é um ato de rebeldia, estar viva é um ato revolucionário. Proteger os nossos e prevenir mortes é o grande desafio.

Mas não se iludam, ainda somos maioria.

Eles nos chamam de minorias excluídas. Somos 54% da população brasileira, força braçal e intelectual deste país. Não nos subestimem, afinal resistimos há 5 séculos o vosso racismo e ódio.

Não há o que temer? Não deveríamos, mas por sabedoria, usemos de nossa inteligência e sagacidade para sobreviver.

A auto-organização das mulheres e o feminismo, tem abraçado as mulheres pretas. Muitos debates têm surgido e sido proveitosos pra nossa transversalidade, visto que o racismo assim como o machismo são estruturais. Algumas negam o conceito de feminismo negro. Acredito que, por ser transversal, nossa unidade como conjunto de mulheres é muito importante. Ao mesmo tempo que nossos recortes étnicos e de gênero também são, para garantir que as peculiaridades não passem despercebidas.

Dito isso, relembro que num viés inadequado e machista a gestão federal do governo Bolsonaro não assinou documento para garantir direitos sexuais das mulheres, em julho de 2020.

E Por que não? A política federal estruturada numa lógica machista, se sustenta sem dar explicações a população, afinal, não há ditadura, porém a sombra do FASCISMO nos rodeia.

Certamente vamos longe nesta briga, mas assim como Teresa de Benguela, pretas, pobres, brancas, lésbicas, trans resistiremos. Porque o que nos une não nos afasta. Vencer o medo, enfrentar a dor, resistir, mudar o mundo.

O que deixaremos para quem no futuro olhar pra trás? Aquelas mulheres enfrentaram o Corona vírus 19, o governo Bolsonaro, o machismo, o racismo, a miséria e a fome e SOBREVIVERAM!

Vivas nos queremos!

Viva Tereza, viva Marielle, Viva Dandara, Viva Dilmas, Viva Beneditas, viva Marias e Carolinas e a todas nós, negras, latinas e caribenhas !

* Gerusa Bittencout é enfermeira graduada pela Universidade de Santa Cruz do Sul, Atualmente trabalha como coordenadora da Unidade de Saúde Modelo, em Porto Alegre e faz Mestrado em Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS.