sábado, 20 de dezembro de 2008

Poder de Polícia para o parlamento - ou seria apenas tudo uma questão de interesse?

Sirlanda Selau
Analine Specht
Cláudia Prates
Militantes da Marcha Mundial das Mulheres de Porto Alegre e
Ofensiva pela Legalização do Aborto


O pedido de abertura da CPI do aborto, anunciada nesta última semana, busca se consubstanciar em uma diversidade de fatos que envolvem a temática no último período: fechamento de clínicas clandestinas, declarações do Ministro da Saúde, e em especial nos processos de Cuiabá, onde centenas de mulheres já enfrentam desdobramentos jurídicos em decorrência de sua conduta relacionada a presumidas intervenções para interrupção voluntária da gestação.
Por iniciativa dos mesmos parlamentares que neste mesmo ano, negaram-se a fazer um debate consistente e necessário sobre o aborto, na oportunidade da apreciação do Projeto de Lei 1135/91. Aqueles e aquelas parlamentares que lavaram as mãos sobre as condições que estão submetidas um grande número de brasileiras. Sim, são eles e elas agora, que postulam o status de inquisidores nesta declarada caça as bruxas.
O que procuram, ou o que pretendem achar, com esta CPI? Quais são os interesses que pesam para sua existência?
A CPI consolida a lógica de que aborto é caso de polícia e usa como ponto de partida os processos de Cuiabá, e outros fatos que são produtos da própria criminalização, imposta a partir das legislações e decisões emanadas desta instância de poder. Com isso o discurso de proteção à vida, cai por terra, pois não alcança as mulheres que tiveram suas vidas devastadas pelas investigações da Justiça do Mato Grosso e não alcança aquelas outras todas que se colocaram na condição de clandestinas quando recorreram a processos abortivos.
Então o argumento de proteção da vida, não é tão consistente como se pretende!
A formação da CPI contempla interesses apenas, e nada pretende se achar ou investigar, mas novamente demonstrar. A existência desta CPI é uma demonstração de controle e da força das estruturas sociais que estão colocadas a serviço da manutenção do poder de produzir e aprofundar desigualdades.
São diversos os elementos que envolvem o debate acerca da legalização e descriminalização do aborto. A função da maternidade como reprodução social, os aspectos religiosos que contornam a formação do Estado brasileiro, as questões dos direitos sexuais e reprodutivos, a constatação da atual condição das mulheres sendo o aborto tratado como crime. Mas é situando o debate como autonomia das mulheres sobre suas vidas e seus corpos que se coloca o cerne dos interesses que se confrontam aqueles e aquelas que são favoráveis ou não ao seu reconhecimento.
A CPI é portanto, mais uma manifestação dos interesses do patriarcado, que exerce função regulatória e agora inquisitorial também através de seus representantes no parlamento. Eles que se travestem numa justificativa "pró – vida", reproduzem o controle e as mais bárbaras interpretações sobre a vida e o direito das pessoas e das mulheres. Condenando as mulheres a dupla instância de averiguação: julgamento legal e moral. Como se a observação desta absurda previsão legal por si só não bastasse!
"Centenas de mulheres no Brasil estão sendo perseguidas, humilhadas e condenadas por recorrerem à prática do aborto. Isso ocorre porque ainda temos uma legislação do século passado – 1940 –, que criminaliza a mulher e quem a ajudar."
"A criminalização das mulheres e de todas as lutas libertárias é mais uma expressão do contexto reacionário, criado e sustentado pelo patriarcado capitalista globalizado em associação com setores religiosos fundamentalistas. Querem retirar direitos conquistados e manter o controle sobre as pessoas, especialmente sobre os corpos e a sexualidade das mulheres"
Nos parece que o interesse de manter a hipocrisia que esconde a realidade sobre o aborto como crime no Brasil, forja com este intento de CPI, um momento de demonstração de força, dos que representam as opiniões mais retrogradas e prejudiciais à intenção democrática e de dignidade humana. Opiniões que em nada dialogam com a realidade brasileira. O que parece irônico em um país com farta pauta para apurações parlamentares por meio das CPI’s, as mulheres é que foram eleitas como objeto do inquérito.
Está reaberta a Caça às bruxas no Brasil I

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