quarta-feira, 6 de abril de 2011
Quando o preconceito está implícito e fica explícito
Reportagem especial de Zero Hora desta segunda-feira - ilustrada com 06 fotos, das quais 03 eram de beijos homossexuais - explicita mais do que o preconceito, mas a falta de visão social de vários problemas.
A primeira surpresa vem com a manchete: "vandalismo, drogas e sexo a céu aberto" ilustrada com 03 casais homossexuais se beijando, de forma absolutamente "normal", em três diferentes situações.
Minha primeira surpresa foi perceber que nunca tinha visto tantos beijos gays numa mesma reportagem de ZH, infelizmente, com conotação tão pejorativa e distorcida. Espero que, daqui para adiante, tais demonstrações de afeto e carinho entre pessoas do mesmo sexo deixem de ser tabu para este veículo e seus afiliados (e amadrinhados) país afora.
A segunda surpresa, ao ler a reportagem buscando os fatos, foi me deparar com tanta falta de sensibilidade com relação a um problema que há anos se arrasta na cidade de Porto Alegre: a falta de alternativas para adolescentes e jovens com relação a atividades culturais e mesmo com relação a pontos de encontro na capital.
Em mais de um trecho da "reportagem" - se é que se pode chamar de
reportagem uma matéria que aborda apenas um lado do problema - pude
perceber a preocupação com os comerciantes da região "invadida" pelos
jovens, e com a descrição de que um referido supermercado (o mesmo que
vende bebidas alcóolicas a baixos preços a garotada) é obrigado a
fechar seus banheiros. Me pergunto quantas vezes os jovens que compram
garrafas de cachaça (também visível em uma das fotos) foi obrigado a
apresentar carteira de identidade para comprovar que era maior na hora
da compra da bebida no caixa do supermercado?
O problema na região da cidade baixa não é frequência de lésbicas e
gays, como sugere a malfadada matéria, mas a presença de um conjunto
de jovens de todas as orientações sexuais que, sem alternativas na
cidade, vítima da falta de políticas públicas para esta população, com
completo acesso a álcool e drogas as mais variadas, encontra, nos
arredores do parque que frequenta de dia, a continuidade da
socialização peculiar de sua faixa etária durante o final da tarde e a
noite.
Tivéssemos na cidade - como já tivemos em outros tempos - shows
públicos, mostras de teatro, cinema a baixos preços, praças seguras e
iluminadas e esta garotada teria um destino diferente.
Ao invés de ficarmos preocupados com o lucros de domingo de alguns
comerciantes rançosos, que evitam em seus espaços a circulação de
gente que não lhes pareça como uma imagem de espelho, preocupemo-nos
com a segurança e o desenvolvimento (afetivo, cultural, social) desta
garotada que grita que não será como aqueles que lhes torcem o nariz.
Espero que o mesmo espaço reservado às fotos de gays e lésbicas em
situação tão negativa (não pelos beijos, é claro, mas pela insinuação
grotesca do texto) seja dada a esta população nos momentos em que
reivindicamos o fim da homofobia, a aprovação da PLC122/06, o
casamento gay, a adoção por casais do mesmo sexo. Espero ver este
jornal contribuir para a imagem positiva de nossa população e para a
conquista de direitos e oportunidades, ao invés de fomentar o ódio
anti-gay, anti-lésbica, anti-travesti que se subentende de reportagens
como esta.
Aos responsáveis pela matéria (jornalistas?
gustavo.azevedo@..., marcelo.gonzatto@...),
sugiro a dignidade de entrevistar a população que ali foi retratada,
procurando as suas razões para os excessos que foram apontados. Tenho
certeza que poderão perceber que esses meninos e meninas são mais
vítimas sociais do que vândalos incontroláveis que perturbam a ordem
de nosso "Porto tão Alegre dos Casais". Assim, quem, sabe, consigam
contribuir para que este porto seja para todos os casais, para todas
as idades, para todas as pessoas e não apenas para aqueles que mantém
comércio ou que detém o poder da imprensa.
Cobre-se do poder pública uma ação educativa na região, políticas
definidas para jovens e adolescentes, oportunidades de trabalho e
renda, combate ao tráfico de entorpecentes e à venda de bebidas para
menores de idade e coloque-se na cadeia aqueles que se aproveitam e
lucram com isso. E, por favor, parem de apontar o amor entre pessoas
do mesmo sexo como a causa do problema. Não somos marginais - ainda
que muitos queiram nos manter à margem - e não permitiremos que nos
tratem como se fôssemos!
Ana Naiara Malavolta
Articuladora Estadual daLiga Brasileira de Lésbicas
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