quarta-feira, 7 de março de 2012

O DNA socialista e revolucionário do 8 de março


Vanessa Gil*

Com a proximidade do Dia internacional da Mulher somos bombardeadas (os) com imagens de mulheres reproduzindo os papéis que lhes foram impostos nos espaços privados: mãe, esposa e filha. Na mídia, as propagandas e anúncios dão a impressão de que quase todos poderiam ser reaproveitados para as comemorações do Dia das Mães. No espaço público é valorizada pelas qualidades que adquiriu nos cuidados com a família: a trabalhadora é sensível como as mães, organizada como as donas de casa e assim por diante. Mas esse ideal da mulher cuidadora em nada reflete os reais fatos que levaram ao oitavo dia de março ser dedicado às mulheres. A data foi escolhida por ter sido nela em que as mulheres russas iniciaram aquela que seria, com seus equívocos e acertos, a maior revolução do século 20.

O papel das mulheres na Revolução 1917 foi apagado da história. Durante quase um século tivemos como referência, para o inicio das comemorações do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulheres, o incêndio ocorrido nos Estados Unidos onde trabalhadoras de uma indústria têxtil morreram queimadas. Tal fato realmente ocorreu, mas nada há de ligação entre esse triste dia e o início das comemorações.

A partir de novas pesquisas, sabemos que unificar as comemorações do Dia Internacional da Mulher em 8 de março foi proposto na II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague, em 1910. Anteriormente, sem dia definido, acontecia em diferentes datas ao redor do mundo. Foram as mulheres russas que fizeram do oito de março um dia tão marcante, conforme conta Trotsky:

“O dia 23 de fevereiro (8 de março no calendário russo, orientado pelo calendário juliano) era o Dia Internacional da Mulher. Os círculos da social-democracia tencionavam festejá-lo segundo as normas tradicionais: reuniões, discursos, manifestos. Na véspera, ainda ninguém poderia supor que o Dia da Mulher pudesse inaugurar a Revolução. Nenhuma organização preconizara greves para aquele dia, tal foi a linha preconizada pelo Comitê na véspera do dia 23, e parecia ter sido aceita por todos. No dia seguinte, pela manhã apesar de todas as determinações, as operárias têxteis de diversas fábricas abandonaram o trabalho e enviaram delegadas aos metalúrgicos, solicitando-lhes que apoiassem a greve. Foi contra a vontade, escreve Kayurov, que os bolcheviques entraram na greve, secundados pelos operários mencheviques e socialistas-revolucionários. Visto tratar-se de uma greve de massas, não havia outro remédio senão fazer com que todos descessem rua e tomar a frente do movimento. Ninguém, absolutamente ninguém, supunha que o dia 23 de fevereiro marcaria o início de uma assalto decisivo contra o absolutismo.” (Gonzalez, 2010, p.55)

Ou seja, foi o protesto e a organização das mulheres contra a guerra que tirava a vida de seus filhos e maridos, aumentava a escassez de alimentos, a fome e o descaso do governo czarista, que levou em dois dias mais de 190 mil mulheres às ruas em Petrogrado. A partir das suas reivindicações, da força de seu protesto, surgiu vitoriosa a Revolução Russa. E como afirma a pesquisadora Ana Isabel Álvarez Gonzalez:

“Foi para relembrar a ação das mulheres na história da Revolução Russa que o Dia Internacional das Mulheres passou a ser comemorado de forma unificada no dia 8 de março. A decisão de unificação da data foi tomada na Conferência de Mulheres Comunistas, coincidindo com o congresso da Terceira Internacional, realizado em Moscou em 1921...” (2010, p. 15)

Sendo a história escrita até hoje pelas mãos dos vencedores, a luta das mulheres nas trincheiras desapareceu. Pouco se fala sobre seu papel na Comuna de Paris, poucos sabem das Marianas, nome dado ao pelotão de mulheres que venceu ao lado de Che Guevara e Fidel Castro, em Cuba. A história apagou a luta feminina do cenário oficial. Mas ela existiu, existe e sempre existirá, uma vez que é improvável que, sendo metade da população mundial, não exista em parte alguma vozes e consciências femininas a reivindicar o reconhecimento de seu protagonismo, sua autonomia, sua liberdade, sua história.

Inventar novas versões para a fatos históricos é, desde muito, umas das principais formas para perpetuar a dominação. Desvendá-los é a melhor forma de rompê-la. Por isso devemos sempre voltar a falar das origens do oito de março.


Vanessa Gil é socióloga, pós-graduada em Pensamento Marxista.

Referência: As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres. Ana Isabel Álvarez González. São Paulo: Expressão Popular ‐ SOF ‐ Sempreviva Organização Feminista, 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário