segunda-feira, 8 de junho de 2020

Jornada de Formação Feminista: MULHERES LATINO-AMERICANAS EM DEFESA DA VIDA - CUIDANDO NOSSOS CORPOS-TERRITÓRIOS



Olá a todas as marchantes,

Seguindo nosso compromisso com a Jornada de Formação Feminista da Marcha Mundial das Mulheres RS para a 5º Ação Internacional, e também dando sequência ao que assumimos como compromisso em estar compartilhando, estamos no 4º módulo da jornada, publicando uma série de artigos sobre ecofeminismos, feminismo e ecologia, feminismo e meio ambiente e etc. Os encontros estavam organizados em formato presencial, mas frente a Pandemia causada pelo Covid-19, estamos reorganizando as agendas e encontrando a melhor maneira de estarmos conectadas – virtualmente, e manter forte nossa rede feminista durante este período de distanciamento social.


Nesta etapa da jornada, retomamos o artigo "As feministas exigem: Amazônia fica, Bolsonaro sai!", por Natália Lobo, militante da MMM, publicado no site da SOF - Sempreviva Organização Feminista. (disponível em http://www.sof.org.br/as-feministas-exigem-amazonia-fica-bolsonaro-sai/)


"As feministas exigem: Amazônia fica, Bolsonaro sai!

A natureza e os bens comuns são elementos centrais na nossa luta feminista. Segundo a Economia Feminista, paradigma que temos debatido muito nos nossos espaços militantes, nós somos interdependentes como pessoas, e ecodependentes na relação com a natureza. O trabalho das mulheres, que é invisibilizado, garante a sustentabilidade da vida, da mesma forma que a natureza é a base de sustentação da vida, aquilo que torna possível que as comunidades e pessoas existam e se reproduzam. Nos reconhecer enquanto interdependentes e ecodependentes é fundamental na nossa estratégia de luta, e temos afirmado que a libertação das mulheres está intimamente ligada com a autonomia dos povos sobre suas vidas e seus territórios.

 A sociedade está vivendo um momento do neoliberalismo em que a contradição entre o capital e a vida se apresenta como nosso maior conflito. Além de explorar nosso trabalho, o capitalismo nessa fase tem avançado cada vez mais sobre nossos corpos e territórios, expandindo o controle sobre nossas vidas e sobre as bases que a sustentam. Por este motivo, o que tem ocorrido na Amazônia é muito importante para o nosso debate feminista. O avanço do agronegócio e da mineração sobre a floresta é motor de um modelo que, nós sabemos, causa destruição, morte e precarização da vida das mulheres.
 
O ritmo de destruição dos nossos bens comuns tem sido cada vez mais rápido no Brasil, o que coloca a questão da Amazônia no centro de muitos debates, nacionais e internacionais. Nós, mulheres, estamos atentas a isso há muito tempo. Quando os empreendimentos de mineração e agronegócio chegam, as mulheres são as primeiras a terem a vida afetada pela perda de terra para produção de alimentos para o autoconsumo, pela privatização da água, assim como pelo aumento da violência e da exploração sexual.

 Por isso nos preocupa muito o fortalecimento desse modelo, impulsionado pela política do governo Jair Bolsonaro: com a diminuição da fiscalização ambiental, a flexibilização de leis que garantiam a conservação e a retirada de direitos das comunidades, o incentivo a atos de violência e destruição por parte de latifundiários e donos de empresas. Acompanhamos em 2019 no Brasil uma escalada de violência contra comunidades, lideranças e até agentes de órgãos ambientais (como o Ibama). No dia 10 de agosto deste ano, fazendeiros do município de Nova Progresso, no Pará, marcaram a ação que denominaram de “Dia do Fogo”, onde combinaram de realizar incêndios de forma orquestrada. Os incêndios afetaram enormemente a população e uma unidade de conservação da região. Os próprios fazendeiros assumiram que se sentem amparados pela política do governo federal para tomar tais ações: afirmaram que a data tinha o intuito de mostrar para o presidente que eles “querem trabalhar”.

 O caso de Nova Progresso é emblemático dos tempos em que estamos vivendo, mas sabemos através de dados do INPE – órgão que está sendo sistematicamente atacado por Bolsonaro – que o número de queimadas aumentou na Amazônia inteira. O número de focos de incêndio  triplicou em relação ao mês de agosto de 2018, e 1.701km² ( o equivalente a 170.100 campos de futebol) de floresta foram desmatados. A ocorrência de incêndios naturais na Amazônia é muito rara devido a umidade, então é certo que esse aumento não tem relação com alguma possível alteração no clima deste ano. Eles foram ocasionados como um instrumento de desmatamento, com o intuito de aumentar ainda mais a expansão territorial do agronegócio. Depois da queimada, os latifundiários avançam para dominar mais terras, com mais violência.  Os incêndios também aumentaram em quase todos os outros biomas brasileiros e estão ocorrendo também em países vizinhos, na Amazônia Boliviana e no Pantanal Boliviano e Paraguaio.

 Estes casos mostram que este tipo de ataque à vida e às comunidades tem se intensificado não só no Brasil, mas também em outros países da América Latina. A ascensão da extrema direita no Brasil é parte de uma dinâmica internacional, e que impacta particularmente a nossa região, legitimando e incentivando o avanço das fronteiras do agronegócio e da mineração. Por este motivo, nossas lutas também são construídas regionalmente: contra as empresas transnacionais, a financeirização da natureza, a privatização e militarização de nossos territórios, a violência racista e a criminalização dos movimentos sociais. A Jornada Continental Pela Democracia e Contra o Neoliberalismo tem sido um espaço de afirmarmos que nossa estratégia de luta para estes tempos deve necessariamente ser conjunta, e a solidariedade com o povo venezuelano na luta contra o imperialismo estadunidense tem sido um exemplo disso.

 Os governos e empresas ignoram os recentes crimes da Vale em Mariana e em Brumadinho e seguem colocando a vida em risco com esse modelo destrutivo. Eles querem entregar a Base de Alcântara aos Estados Unidos, afetando os povos quilombolas no Maranhão e acabando com nossa soberania. Não podemos permitir que a extração e a exploração predatória que já é um problema, se torne regra. Não admitimos a submissão do nosso povo e do nosso país aos interesses dos Estados Unidos. Queremos viver em um país soberano e que coloque a vida em primeiro lugar!

 A ação das queimadas na Amazônia foi largamente noticiada e gerou rejeição e indignação em diversos setores da população. O governo Bolsonaro começou a ser muito pressionado por organismos e movimentos nacionais e internacionais. Como resposta a estas pressões, o que eles tem nos apresentado é mais das falsas soluções do mercado, que não resolvem os problemas reais da vida das pessoas. O Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, depois de receber inúmeras críticas pela falta de política ambiental que culminou no aumento vertiginoso dos incêndios,  tem mantido um discurso de que só poderemos manter a Amazônia preservada se fizermos ela gerar lucro para as empresas. Em coluna para o Jornal Folha de São Paulo, o ministro afirmou que: “Durante muito tempo se defendeu que a floresta em pé vale muito mais do que deitada. Todos concordamos com isso. Porém, para que esse discurso se concretize, é preciso gerar valor efetivo à biodiversidade: investimentos privados, patentes, pesquisa e desenvolvimento, cadeias produtivas e tudo mais que faça com que valha a pena preservar.”

 Este tipo de discurso já é um conhecido dos movimentos que lutam pela agroecologia e pela defesa dos bens comuns. Sempre que urge a necessidade de conter a devastação ambiental, os agentes do mercado nos oferecem essas falsas soluções. Essa ideia de que a floresta precisa gerar dinheiro para que “valha a pena” preservá-la ignora o fato de que as comunidades tradicionais tem sobrevivido historicamente em harmonia com a floresta justamente por estarem em luta contra sua privatização.

 Sabemos pelos relatos de comunidades que já tem experiências da dita Economia Verde – o mesmo capitalismo de sempre com maquiagem de sustentabilidade – em seus territórios, notadamente no estado do Acre, que este tipo de desenvolvimento não gera nenhum benefício para as comunidades. Ao aceitarem que a floresta seja vendida na bolsa de valores, através dos créditos de carbono, as comunidades perdem seu direito ao território, recebem limitações nas suas práticas tradicionais de agricultura e começam a se sentir mais vigiadas e controladas por mecanismos de fiscalização.

 Portanto, em termos de política ambiental os governos neoliberais têm apresentado apenas duas opções: destruição completa da natureza e dos bens comuns em nome de mega empreendimentos do agronegócio e da mineração, ou financeirização da natureza que culmina em um controle absoluto dos modos de vida das comunidades. Na economia verde, esses são caminhos que se complementam em uma lógica de compensação que só aprofunda a lógica da acumulação capitalista.
 
Como feministas temos rechaçado estas duas opções, afirmando que nenhuma delas servem para ser um projeto emancipatório para as comunidades e para as mulheres. No mundo que queremos viver, e lutamos para construir, a relação com a terra é construída através da agroecologia e da soberania alimentar e energética. As lutas que travamos para isso são amplas, como a luta pela reforma agrária, mas também estão sendo feitas nas vidas cotidianas das mulheres na construção dos comuns: no trabalho em mutirão, na manutenção dos bancos de sementes, nas cozinhas coletivas.

 Com lutas e práticas, mostramos que temos um projeto de longo prazo para a sociedade, que envolve destruir o capitalismo patriarcal e racista, mudar radicalmente nossa relação com a terra e com os alimentos e organizar a economia colocando a vida em primeiro lugar. Não admitimos ter uma vida melhor só quando atingirmos todos os nossos objetivos. No caminho até eles, estamos construindo formas de vida melhores enquanto lutamos contra a privatização de nossos territórios e bens comuns, construímos a agroecologia e o feminismo e afirmamos que nossos corpos, vidas e territórios não estão à venda."




E dando continuidade a série de tradução, apresentamos o texto MULHERES LATINO-AMERICANAS EM DEFESA DA VIDA - CUIDANDO NOSSOS CORPOS-TERRITÓRIOS, escrito por Angela Daniela Rojas Becerra da Rede Latino-americana de Mulheres Defensoras dos Direitos Sociais e Ambientais, publicado na revista Madreselvas - Teciendo Ecofeminismo (disponível em https://amigosdelatierra.org.ar/biblioteca/). 





.
"MULHERES LATINO-AMERICANAS EM DEFESA DA VIDA - CUIDANDO NOSSOS CORPOS-TERRITÓRIOS
Por Angela Daniela Rojas Becerra, Rede Latino-americana de Mulheres Defensoras dos Direitos Sociais e Ambientais.

A Rede Latino-americana de Mulheres Defensoras dos Direitos Sociais e Ambientais é uma organização de mulheres latino-americanas que repercute nas políticas, projetos e práticas que contribuem com a defesa dos direitos das mulheres defensoras, direitos ambientais e direitos da natureza, mediante ações de impacto e solidariedade nos cenários regional e global através de encontros, intercâmbios, espaços de formação, de acompanhamento de casos e de processos de organização social. As ações da rede buscam fortalecer e tecer novas pontes entre os feminismos e os ecologismos, entre a defesa dos direitos dos povos, das mulheres e da natureza.
Denunciamos publicamente as múltiplas e sistemáticas violências cometidas pelo extrativismo mineral, que em muitos casos com a conivência do Estado e do crime organizado, são praticadas com total impunidade contra as defensoras dos territórios na América Latina. Neste sentido, promovemos uma campanha que se intitula “Reexistir” e busca informar e promover um papel mais ativo de denúncia e defesa, assim como repercutir no seguimento e cumprimento de políticas públicas e instrumentos que garantam os direitos das defensoras (www.reexistir.com).
Para seguir unindo forças como mulheres defensoras, nos reunimos em Chachimbiro (Equador) de 4 a 10 de agosto de 2018, quando assumimos a tarefa de analisar o contexto político na América Latina e o papel das mulheres nas lutas pela autonomia dos territórios, principalmente as mulheres que fazem frente à mineração.
Convocamos mulheres do Peru, Bolívia, Equador, El Salvador, Chile, Colômbia e contamos com convidadas do Brasil, Venezuela, Argentina e México, a partir da chamada: Reforçando os fios do nosso tecido entre mulheres pela defesa da vida e de nossos corpos-territórios.
Neste cenário, reconhecemos que são várias situações problemáticas que temos em comum nesses países a cerca da defesa de nossos territórios, como consolidação da economia baseada no extrativismo, que por sua vez coincide com a tomada de poder pela direita em alguns governos; violação sistemática dos Direitos Humanos vinculada a defesa dos territórios, disputa pela água e iniciativas contra sua privatização; disciplinamento e controle dos “territórios corpo” e dos “territórios terra” através do medo e da violência; violência e criminalização de lideranças; aplicação do discurso “interesses nacionais em recursos naturais estratégicos” para argumentar políticas de mau uso das terras, como também o progresso e o crescimento econômicos como único caminho, entre outros.
Frente a este panorama de repressão e violência, identificamos e analisamos também a força que tomaram as lutas das mulheres a cerca da defesa da natureza e nossos corpos. Testemunhamos a articulação de mulheres diversas da América Latina que lutamos para que as autonomias sejam o princípio da nossa existência.
Neste sentido, trazemos nosso trabalho como Rede, como organizações e como mulheres em defesa da vida, os desafios que temos no contexto mencionado previamente, entre os quais estão:
- Seguir dando voz as mulheres que se encontram em contexto de conflito ambiental;
- Fortalecer as mulheres defensoras em cenários desfavoráveis as lutas por terra e meio ambiente, mas também em suas lutas contra o sistema patriarcal, colonial e capitalista;
- Identificar, visibilizar e partilhar iniciativas de ações autônomas propostas por mulheres que sejam alternativas às ideias de progresso e desenvolvimento impostas;
- Impulsionar a articulação de lutas feministas urbanas com as lutas em territórios rurais-periféricos.
Finalmente, como Rede Latino-americana de Mulheres Defensoras dos Direitos Sociais e Ambientais apostamos na união a partir da construção de autonomias. Reforçamos nossa identidade ecofeminista em uma luta radical contra a mineração baseada na sororidade e em uma perspectiva territorial e diversa que nos permita nutrir os processos de defesa de nossos “territórios corpos” e “territórios terra”."

Nenhum comentário:

Postar um comentário