sábado, 26 de setembro de 2015

Ação trinacional na fronteira Brasil-Uruguai debate aborto e violência na America Latina


Neste fim de semana que antecede o Dia Latinoamericano e Caribenho de Luta Pela Descriminalização e Legalização do Aborto, cerca de 500 mulheres brasileiras, argentinas e uruguaias se reuniram para mais uma etapa da IV Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres. Intitulada Primavera do Direito ao Corpo e à Vida das Mulheres, a ação se estende pelos dias 26, 27 e 28 com atividades culturais, de formação e mobilização na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, nas cidades de Santana do Livramento e Rivera.
No sábado (26), a programação priorizou o intercâmbio de debates sobre as conjunturas e estratégias de resistência diante das diferentes barreiras impostas pelo patriarcado no Brasil, Uruguai e Argentina. Os paineis do dia contaram com a presença de mulheres dos três países, o que enriqueceu muito a complexa contextualização do tema da legalização do aborto e da autonomia das mulheres.
Legalizar o aborto
O primeiro painel foi “A conjuntura de descriminalização e despenalização do aborto na Argentina, Brasil e Uruguai”. A presença da feminista Maru Casanova, do movimento Mujer y Salud en Uruguay (MYSU), foi de grande importância para as brasileiras e argentinas ampliarem seus conhecimentos sobre uma experiência concreta e próxima de legalização do aborto na America Latina.
Maru desmistificou o aborto legal uruguaio como uma iniciativa apenas de seu presidente, e retomou a invisibilizada história de lutas feministas que culminaram nesta conquista de todas as mulheres. Também relatou sobre o processo de penalização das mulheres, que não se findou junto à legalização do aborto. Sendo restrita a gestações de até doze semanas e a procedimentos no sistema de saúde publico, apenas com médicos ginecologistas, a legalização não impediu a existência de mulheres que, ainda hoje são processadas ou até presas por abortarem.
As falas de Sonia Coelho, da MMM Brasil, e Dora Martinez, da MMM Argentina, mostraram que a situação no Brasil e na Argentina é distinta, mas possui alguns pontos semelhantes, já que ambos estão longe de legalizar o aborto. Nestes dois países, o procedimento é legalizado apenas em casos específicos. Para Dora, “nem sempre escolhemos ser mães, porque o patriarcado nos colocou esta função de incubadoras. Ainda hoje, o que nos cabe é parir ao invés de decidir sobre o que é importante para nós, como construir nossas vidas e ter autonomia sobre nossos corpos”. 
Em sua fala, Sonia afirmou que “o aborto faz parte da vida das mulheres e sempre fez parte da humanidade”. A partir daí, retomou o histórico de lutas pela legalização do aborto no Brasil desde os anos 90, quando a mobilização se popularizou e envolveu feministas de diferentes movimentos sociais, mostrando que a pauta da autonomia das mulheres é também pauta dos movimentos sociais que se reivindicam contra o capitalismo.
O final dos anos 90 foi expressivo no que se refere aos ataques fundamentalistas contra a vida das mulheres, com projetos de lei que as criminalizam, a posterior formação de frentes contra o aborto e o crescente espaço conquistado nas grandes mídias. Hoje, “são tantos ataques contra as mulheres, que precisamos nos questionar: como fortalecemos nossa auto organização e nossa agenda da autonomia e da auto determinação?”, completa.
Nos países que criminalizam o aborto, a prática continua sendo uma realidade. A diferença está na relação com a vida das mulheres, pois enquanto aquelas com recursos financeiros abortam em clínicas clandestinas, as mais pobres – de maioria negra – realizam procedimentos inseguros, que colocam em risco sua saúde e até mesmo suas vidas. Apesar dos ataques conservadores, que crescem na maioria dos países latinoamericanos, faz-se necessário lutar por um projeto de legalização do aborto que descriminalize e despenalize as mulheres, e que retire de cada uma delas uma suposta “culpa” por abortar.
Enfrentar a violência sexista
O segundo painel, “Feminismo por um mundo livre de machismo, da violência e da lesbifobia”, teve a participação de Ana Naiara Malavolta (MMM/RS), Sabrina Gops (Pañuelos em Rebeldia/Argentina) e Maria Apellido (Feminista Autoconvocadas – Alerta Feminista/Uruguai). As mulheres debateram sobre suas realidades locais, as táticas e estratégias de enfrentamento às diversas violências misóginas que sofrem. A discussão sobre o fundamentalismo esteve presente, pois interfere na laicidade do Estado e, unido ao conservadorismo, é responsável por ataques e retrocessos contra os direitos das mulheres.
Foram lembradas algumas propostas recentes na política brasileira que atacam diretamente as mulheres, como é o caso da retirada do gênero como um dos eixos de atenção da educação nos Planos Municipais de Educação, o Estatuto do Nascituro, o PL de Eduardo Cunha que criminaliza ainda mais todas e todos que auxiliarem mulheres em procedimentos de interrupção de gravidez, e o recentemente aprovado Estatuto da Família, que nega a existência de todos e todas que não formam um casal homem-mulher. É um ataque não apenas às lésbicas, bissexuais, trans e gays, mas também às tantas famílias de mães solteiras, famílias compostas por avós e avôs, tios e tias etc.
A ausência de políticas públicas leva as mulheres a se auto organizarem para reivindicarem a construção da igualdade. O combate à violência e ao feminicídio é uma constante não apenas no Brasil, mas também no Uruguai, onde as mulheres se agruparam em torno de ações públicas chamadas de “Alerta Feminista”. No Uruguai, o feminicídio de Yamila, veiculado pela mídia machista de forma a culpabilizar a agredida, foi o ponto de partida para a organização do Alerta, que desde então se reunem em concentração pública para denunciar cada assassinato de mulheres no país, a partir da ideia de que “se tocó a una, se tocó a todas”.
É urgente em toda a America Latina o combate à violência contra as mulheres. É urgente também visibilizar as lutas em todos os países e regiões, como parte de uma importante estratégia rumo à igualdade, ultrapassando as fronteiras do capitalismo, do racismo e do patriarcado lesbifóbico.

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