segunda-feira, 4 de maio de 2020

4º módulo da Jornada de Formação Feminista da Marcha Mundial das Mulheres - Ecofeminismos

Olá a todas as marchantes,

Seguindo nosso compromisso com a Jornada de Formação Feminista da Marcha Mundial das Mulheres para a 5º Ação Internacional, e também dando sequência ao que assumimos como compromisso em estar compartilhando, apresentaremos durante o mês de Maio o 4º módulo da jornada, publicando uma série de artigos sobre ecofeminismos, feminismo e ecologia, feminismo e meio ambiente e etc. Os encontros estavam organizados em formato presencial, mas frente a Pandemia causada pelo Covid-19, estamos reorganizando as agendas e encontrando a melhor maneira de estarmos conectadas – virtualmente, e manter forte nossa rede feminista durante este período de distanciamento social*.

A partir dos nossos encontros de formação e reuniões organizativas das militantes da MMM RS, principalmente naqueles que tivemos a presença das militantes das Amigas da Terra Brasil (movimento parceiro histórico da MMM), sentimos a necessidade de aprofundarmos sobre estes temas. Sabemos que há diversas linhas e teorias sobre “ecofeminismo”, porém nossa intenção aqui é inicialmente, entender este conceito e, assim, aprofundar nosso conhecimento sobre o tema sob a perspectiva feminista anti-sistêmica e anti-patriarcal, e criticando a realidade imposta da divisão sexual e racial do trabalho, bem como ampliar nossa visão ao apontarmos caminhos alternativos e soluções

Iniciamos traduzindo a revista Madreselvas – Tecendo Ecofeminismos, publicada em Novembro de 2018 pelas Amigas da Terra Argentina com colaboração da MMM Argentina. (disponível em <https://amigosdelatierra.org.ar/biblioteca/>)Os textos serão publicados, a princípio, a cada semana no nosso blog estadual e ficará disponível online de forma pública. Após a tradução desta revista, traduziremos e disponibilizaremos outros textos e artigos de autoras feministas como Yayo Herrero Ariel Salleh, que pensam a necessidade de considerarmos a intrínseca conexão entre o capitalismo acumulativo, colonialista, racista, extrativista e degradante da natureza com o patriarcado.

Orientamos as militantes da MMM a lerem estes textos também pensando em um futuro encontro de formação quando for possível (após pandemia. Por enquanto, fique em casa se puder!). É fundamental nos mantermos atualizadas aos debates sobre feminismo e natureza, e atentas as falsas soluções de proteção ao meio ambiente que as empresas apresentam, principalmente as transnacionais** – responsáveis pela degradação ambiental, expulsão dos povos dos seus territórios de origem e acaparramento destes territórios – maquiando o capitalismo de verde, mas mantendo sua lógica violenta e injusta, principalmente sobre as mulheres. Estas transnacionais, junto aos governos e estados, investem no marketing e propaganda de suas empresas com os slogans de “responsabilidade social corporativa”, entre outros termos do vocabulário financeiro e administrativo, apresentando pontuais ações em específicas regiões como se compensassem o seu grandioso poder de propriedade privada e de degradação em cima dos territórios a partir da mercantilização da natureza.

Boa leitura! Resistimos para viver, Marchamos para transformar!

Leia também:

*Jornada de Formação Feminista – módulo 2: A violência contra a mulher em tempos de Covid-19 e isolamento social. <http://mmm-rs.blogspot.com/2020/04/jornada-de-formacao-feminista-modulo-2.html>

Módulo 3 - Tema: O poder feminista contra as transnacionais 

**Documento internacional de chamado às 24 horas de solidariedade feminista contra as empresas transnacionais: http://www.marchamundialdasmulheres.org.br/24-de-abril-de-2020-24-horas-de-solidariedade-feminista-contra-as-empresas-transnacionais/




Madreselvas – Tejiendo Ecofeminismos


EDITORAL (p.3-p.4)
A publicação desta revista se dá em um contexto particular para nossa região: a realização da Cúpula do G20 em Buenos Aires. Mais uma vez, os países mais poderosos do mundo – promotores das políticas de ajuste dos estados “emergentes” e responsáveis por 82% do CO2 emitido a nível mundial – se reuniram em nosso país para estabelecer uma agenda de falsas soluções sociais, econômicas e ambientais em nosso território. Em um marco geopolítico de empoderamento das direitas latinoamericanas que assiste um futuro de agudização da precarização da vida humana e ambiental, acreditamos ser estratégico fortalecer e articular nossas lutas feministas anticapitalistas.

Somos parte da organização Amigos da Terra Argentina, membro da Federação Amigos da Terra Internacional. Trabalhamos pelo desmantelamento do patriarcado e pela justiça de gênero frente a toda forma de opressão que explora e desvaloriza as mulheres, os povos e a natureza. A revista Madreselvas surge com a intenção de abrir um novo espaço de diálogo e encontro para as vozes das mulheres, lésbicas, trans, travestis e demais identidades dissidentes que convergem na luta pela defesa do ambiente e dos territórios em contextos de profunda crise, mas também – e sobretudo- de efervescência das lutas feministas, sociais e ambientalistas. Com Madreselvas temos a intenção de promover encontros de experiências, entramar redes sororas e possibilitar debater políticos sobre nosso fazer cotidiano para abonar nosso construção e desconstrução coletiva.

Madreselvas é uma revista ecofeministas porque entendemos que o capitalista, o patriarcado, o colonialismo, o racismo e o ecocídio são caras de uma mesma moeda de um paradigma que provoca a profunda crise social, econômica, financeira e ambiental que atravessa nossos territórios. Somos ecofeministas compreendendo que a luta pela autonomia e autodeterminação dos corpos, dos povos e dos territórios somente será libertadora se compreender a dominação masculina sobre a natureza, a mulher e as identidades dissidentes.

Enfrentamos a divisão sexual do trabalho, a cisão entre cultura e natureza e a mercantilização dos corpos e dos territórios. Assim como é impossível sustentar a vida sem a natureza, tão pouco é possível sustentar sem a enorme quantidade de trabalho que implica a reprodução das vidas humanas. No entanto, o mesmo sistema que pretende anular o vínculo intrínseco entre as pessoas e as naturezas, nega e invisibiliza os papéis fundamentais que as mulheres tem ocupado - à força de imposições patricarcais – como produtoras e cuidadoras da vida.
Em um contexto geopolítico de aprofundamento das desigualdades entre o norte e o sul global – produto da exacerbação das políticas de ajustes, exploração de territórios e apropriação dos bens comuns -, são as mulheres, lésbicas, trans, travestis e demais identidades dissidentes, racialidades, indígenas, campesinas e afrodescendentes e migrantes que se encontram na faixa de maior vulnerabilidade econômica e social. Da mesma forma, são as mulheres que tem desenvolvido historicamente um papel fundamental na defesa do território, uma vez que, ao serem colocadas como “reprodutoras e cuidadoras”, conseguiram acumular uma série de aprendizados e conhecimentos que serviram para proteger o meio que permite o desenvolvimento da vida.

Em Madreselvas pretendemos nos encontrar atravessadas por transversalidades de gêneros, territórios, classes sociais e diversidades culturais e perspectivas ecofeministas. Nesta primeira edição, nos acompanha o relato de mulheres defensoras dos territórios frente a mineração a céu aberto, os monocultivos e o uso de agrotóxicos; nos aproximamos do trabalho em rede de mulheres defensoras do ambiente; recorremos à luta pela liberdade de escolha sobre nossos corpos e ao Encontro Plurinacional de Mulheres, Lésbicas, Travestis e Trans; pensamos a soberania alimentar desde uma perspectiva feministas e problematizamos a incidência do extrativismo e a divisão sexual do trabalho na vida das mulheres e dissidentes.

NOVEMBRO DE 2018
www.amigosdelatierra.org.ar
amigosdelatierra@amigos.org.ar "



TEXTO 1 (p.5-p6.): CONSTRUINDO SOBERANIA ALIMENTAR ENTRE TODES, por María Mercedes Gould – Amigos da Terra Argentina
A produção e o consumo de alimentos são organizados pelas sociedades desde os tempos ancestrais. No entanto, em um mundo globalizado, estes processos de encontram atualmente sujeitos a políticas internacionais. Nas últimas décadas, sob o impacto do neoliberalismo, a lógica capitalista se impulsionou com maior ênfase na força de produzir e distribuir alimentos.

Parece que não estamos mais diante da discussão de como gerar um novo ciclo de acumulação de capital, e sim nos encontramos frente a uma crise que é muito mais profunda, cuja a solução é complexa e implica uma radical reconfiguração das relações sociais, econômicas, políticas e culturais, que na atualidade são regidos pelo consumo desmedido e desigual, atravessado por explorações extrativistas, socialmente injustas e ambientalmente destrutivas. No entanto, sobretudo, esta crise implica uma grande desigualdade de gênero.

A medida que a globalização econômica guiada pelas grandes corporações multinacionais e pelas políticas desmedidas de livre comércio avançam sobre as comunidade rurais em todo o mundo, as organizações campesinas estão se unindo na luta pela soberania alimentar: uma alternativa política que consiste no direito que cada povo tem de definir suas próprias políticas agropecuárias e na matéria de alimentação, a proteger e regulamentar a produção agropecuária nacional e o mercado doméstico. Se trata de recuperar nosso direito a decidir sobre o que, como e onde se produz aquilo que comemos; que a terra, a água, as sementes estejam na mão dos campesinos e campesinas e que sejamos soberanos no que respeita nossa alimentação.

No entanto, é necessário repensar esta alternativa ao modelo agrícola dominante, incorporando uma perspectiva de gênero. Na América-Latina, as mulheres são as principais produtoras de comida, as encarregadas de trabalhar a terra, manter as sementes e colher os frutos, conseguir água e cuidar do gado. Se encarregam de cultivos básicos como o arroz, o trigo e o milho que alimenta as populações mais empobrecidas. Mas, apesar do seu papel chave na agricultura e na alimentação, elas são, junto as crianças, as mais impactadas pela fome.

As mulheres campesinas tem se responsabilizado, durante séculos, pelas tarefas domésticas, ocupando uma esfera privada e invisível. Apesar disso, as principais transações econômicas agrícolas tem sido, tradicionalmente, realizadas pelos homens, ocupando a esfera publica. Esta divisão de papéis, atribui as mulheres ao cuidado de casa, da saúde, da educação e de suas famílias, e atribui aos homens o manejo da terra de dos maquinários, mantendo intactos os papéis socialmente construídos de masculino e feminino que ainda hoje perdura.

Apesar disto, atualmente, existe uma notável incorporação das mulheres ao trabalho agrícola assalariado. Deste modo, muitas acessaram pela primeira vez um posto de trabalho remunerado, com renda, que permite um maior poder na tomada de decisão e a possibilidade de participar das organizações a margem do âmbito doméstico. Esta incorporação das mulheres ao âmbito laboral remunerado implica uma dupla carga de trabalho para elas, já que por um lado continuam executando o trabalho de cuidado de seus familiares enquanto trabalham para obter renda, majoritariamente, em empregos precarizados com remuneração inferior em relação a renda de seus companheiros pelas mesmas tarefas.

As políticas de ajustes e as privatizações repercutem de forma particular sobre elas. Como apontou Juana Ferrer, responsável pela Comissão Internacional de Gênero da Via Campesina em 2006: “Nos processos de privatizações dos serviços públicos as mais afetadas tem sido as mulheres, sobretudo em áreas como saúde e educação, já que as mulheres, historicamente, carregamos com as responsabilidades familiares mais fortes. Na medida em que não temos acesso aos recursos e aos serviços públicos, se torna mais difícil ter uma vida digna para as mulheres”. Somando a isto, o acesso a terra não é um direito garantido para muitas mulheres: em vários países as leis as proíbem deste direito e naquelas onde legalmente tem acesso, as tradições e as práticas as impedem de dispor de suas terras.

Como já dissemos antes, frente a este modelo agrícola dominante que tem um impacto muito negativo no meio ambiente e nas sociedades, especialmente as mulheres, surge o paradigma da soberania alimentar. Mas, se as mulheres são a metade da mão de obra no campo em escala mundial, uma soberania alimentar que não inclua uma perspectiva de gênero estará condenada ao fracasso. Este novo paradigma implica romper não somente com o modelo agrícola capitalista, mas também com um sistema patriarcal que oprime e sujeita as mulheres. Para isso, é necessário avançar na construção de alternativas ao atual modelo agrícola e alimentar e incorporar uma perspectiva de gênero.

O feminismo e a agroecologia tem transitado por diferentes caminhos, mas desde a um par de décadas tem coincidido com diálogos e práticas interdisciplinares. Por um lado, tem entendido que a destruição da natureza evidencia o vínculo entre o capitalismo e o patriarcado, ambos com efeitos muito negativos para a população em geral, mas sobretudo para as mulheres. Por outro lado, ambas perspectivas – agroecologia e feminismos – buscam melhorar as condições de vida, considerando que é necessário e urgente a restauração e preservação da natureza, a gestão integral dos territórios e das relações entre os gêneros.”


Resistimos para viver, marchamos para transformar!

sábado, 2 de maio de 2020

STF, aborto e a negação dos direitos das mulheres e crianças atingidas por zika



No Brasil, a discussão entre pessoas favoráveis e contrárias à ampliação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e pessoas com útero sempre gera muita polêmica. Porém, muitas vezes, essa polêmica é criada pela ação de robôs, perfis falsos nas redes sociais, para engajar seus simpatizantes. Foi o que ocorreu quando o Supremo Tribunal Federal (STF) pautou a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 5581, ajuizada pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), que pede que o STF proteja as necessidades de saúde e direitos de mulheres e crianças afetadas ou em risco de serem afetadas pelo vírus zika. 
 Na quinta-feira (23), uma tag contrária ao aborto chegou aos trending topics da rede social Twitter, disseminando informações equivocadas sobre a ADI 5581 que impossibilitaram o entendimento do que realmente estava em discussão na corte brasileira. Embora a ação, protocolada em 2016, tenha como enfoque cinco pedidos que se relacionam às necessidades de saúde e condições básicas de subsistência para as famílias afetadas por zika, a hashtag tornou visível somente o pedido de proteção da saúde mental de mulheres grávidas infectadas por zika que desejam interromper a gestação.
O vírus zika é responsável por inúmeros casos de malformações e de complicações neurológicas, as quais se encontram associadas à infecção de mulheres grávidas pelo vírus, levando essa situação a ser declarada como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em fevereiro de 2016. Além da microcefalia congênita, uma série de manifestações foram verificadas nas crianças que nasceram com a síndrome congênita do zika, incluindo desproporção craniofacial, convulsões, irritabilidade, disfunção do tronco encefálico, como problemas de deglutição, contraturas de membros, anormalidades auditivas e oculares, e anomalias cerebrais.
Rochelle Alves é uma das mulheres que foi infectada pelo vírus zika em 2016, quando estava grávida. Moradora de Goiás e casada há 12 anos, Rochelle trabalhava e tinha o sonho de terminar a faculdade de publicidade e propaganda, porém, após o nascimento de Hickelly Mariáh, diagnosticada com microcefalia no sétimo mês de gestação, Rochelle precisou deixar o emprego para se dedicar exclusivamente aos cuidados da filha.

 
Rochelle Alves dedica-se exclusivamente aos cuidados da filha de três anos afetada pela doença/Foto: Arthur Menescal/Anis


Com muita luta e persistência, ela terminou a faculdade mas, mesmo com Hickelly com 3 anos e 7 meses, Rochelle ainda não teve condições de voltar a trabalhar. “Os cuidados com ela são constantes, dia e noite e fica cada vez mais claro que as crianças precisam muito de atenção, que não é uma microcefalia simples. A gente tem visto que as crianças têm tido comprometimentos que vão se alastrando e aumentando com o passar dos anos. Os anticonvulsivos já são administrados com as dosagens máximas, e as crianças continuam tendo crises. A Hickelly faz tratamento com cannabis medicinal há um ano e isso tem ajudado a controlar as crises dela, mas ela ainda usa outros três remédios. Essa é a nossa vida, hoje”.
A realidade de Rochelle e Hickelly é apenas um exemplo das mais de três mil famílias que tiveram crianças que nasceram com a síndrome congênita do zika de 2015 a 2018.


Além das dificuldades no cuidado das crianças que demandam atenção exclusiva, as famílias enfrentam graves dificuldades financeiras devido ao preço dos medicamentos e dos tratamentos de saúde.
Por isso, por meio da ADI 5581, entidades buscaram via STF a garantia dos direitos das mulheres e das crianças de viverem com dignidade após terem sido contaminadas pelo vírus zika. Além do pedido protocolado pela Anadep, foram apresentadas, ao todo, cerca de trinta pedidos favoráveis como amicus curiae (ou amigos da corte, entidades que se dispõem a respaldar a matéria em exame) por instituições como a Anis – Instituto de Bioética, Grupo Curumim – Gestação e Parto, Instituto Patrícia Galvão, Católicas pelo Direito de Decidir; Cepia Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação, entre outros. Pedidos contrários apresentados como amicus curiae foram sete, por entidades como a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), entre outras.
A ação tem como enfoque demandas amplas, como a universalização do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que desde 2016 é restrito somente à famílias com renda de um quarto de salário mínimo. De acordo com Rochelle, esse recorte de renda deixa inúmeras famílias que precisam de fora do benefício. “Uma família que ganha um pouco mais que isso, um salário mínimo por exemplo, ou que recebe algum outro tipo de auxílio, como no meu caso que recebi o seguro maternidade, já não pode receber o BPC. E mesmo para quem recebe um pouco mais de um salário, com todos os gastos com medicamento, transporte e atendimento de saúde, acaba sendo muito pouco”. 
Mesmo com a aprovação, neste ano, da Lei 13.985, que garante pensão vitalícia para crianças afetadas pelo zika, essa lei ainda restringe o acesso ao direito somente às crianças nascidas entre 2015 e 2019, deixando de fora aquelas que nasceram após essa data, e mantém o mesmo recorte de renda de miserabilidade que já impedia às famílias o acesso ao BPC, pois somente quem já recebe o BPC é que pode migrar para a pensão, não sendo possível, ainda, acumular mais de um benefício. 
Outro ponto da ADI 5581 é o pedido de serviços de atenção especializada em saúde para crianças com a síndrome em um raio de até 50 km da residência, ou garantia de transporte gratuito aos serviços quando a distância for maior do que 50 km. De acordo com Rochelle, essa dificuldade é, principalmente, das famílias que vivem no nordeste, mas ela mesma, para levar Hickelly ao atendimento de saúde, precisa pegar ônibus e o tempo de deslocamento é de duas horas para ir e duas horas pra voltar. “Isso se os ônibus adaptados para cadeirantes pararem no ponto, se estiverem no horário, se a esteira não estiver quebrada ou se o ônibus não estiver levando outro cadeirante, pois não é possível transportar mais de um cadeirante por vez”.

A família de Rochelle é um exemplo das mais de três mil famílias que têm crianças com a síndrome congênita do zika/Foto: Arthur Menescal/Anis


Segundo o presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Pedro Paulo Coelho, desde que a contaminação pelo vírus se tornou epidêmica, em 2016, as famílias de mulheres e crianças que nasceram com síndrome congênita do zika estavam sem uma lei específica que as amparasse diante das dificuldades e das necessidades.
A ausência de políticas públicas, de informações e a dificuldade em controlar a proliferação do vírus, que é transmitido pelo mesmo mosquito que transmite a dengue (aedes aegypti), faz com que os casos de contaminação por zika vírus continuem aumentando, especialmente entre as populações mais empobrecidas e vulnerabilizadas.  
De acordo com a Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, que deu suporte à ação da Anadep, mais de quatro anos depois do início do surto, o zika continua sendo uma questão de saúde pública. “Considerando quais foram exatamente as famílias afetadas e que tiveram o desenvolvimento da síndrome congênita na gestação e nos seus filhos, a gente sabe que as mais vulneráveis são aquelas vivem em áreas urbanas precárias, ou em áreas rurais onde não há saneamento básico adequado, onde há vastas áreas com água parada onde o mosquito se prolifera. Então, o fato de a gente ter saído de uma situação de epidemia de zika não foi por um sucesso de enfrentamento ao mosquito, o mosquito ainda circula entre nós, é menos uma questão de ação eficiente do Estado do que uma questão da própria dinâmica da transmissão da doença mesmo”, explica Gabriela Rondon, pesquisadora e consultora jurídica da Anis.  
Segundo a organização, em 2019, 1.138 novos casos de crianças com suspeita de síndrome congênita pelo vírus foram notificados. Em 2020, apenas nos primeiros meses, já são 227 casos com suspeita, o que equivale a mais de dois novos casos por dia. Devido à dificuldade em acabar com a transmissão e ao surgimento de novos casos, outras demandas da ADI 5581 envolvem a disponibilização de informações atualizadas e de qualidade sobre zika, riscos e estratégias de prevenção, o acesso à políticas de planejamento familiar e saúde reprodutiva, incluindo métodos contraceptivos mais eficazes e de longa duração à disposição no sistema público de saúde, e a proteção à saúde mental de mulheres grávidas infectadas por zika, garantindo-lhes o direito de escolha pela interrupção da gestação, caso essa seja sua vontade. 
“Essas são demandas bem importantes. Eu mesma já conversei com meu marido e disse que não tenho condições de ter outro filho agora, mas ainda não tive acesso ao DIU, tenho tentado pelo SUS, mas ainda não consegui. E sobre o aborto, eu acho que isso é o que mais pesou, porque muitas pessoas são contra, não querem nem discutir, por causa da religião, enfim. E aí eu fiquei muito triste, me abalou muito, porque mesmo que a gente explicasse que não se tratava só disso, que tinham muitas demandas, a ação foi rejeitada, principalmente por conta dessa questão, como se não existissem as outras demandas. E aí a gente fica sem saber como vai ser”, analisa Rochelle, que também é presidente da Associação de Microcefalia e outras Malformações por Zika Vírus em Goiás, criada há cerca de um ano.
As demandas apresentadas na ação tornam-se ainda mais urgentes no contexto da pandemia da Covid-19: as crianças com a síndrome congênita do zika enfrentam maiores riscos de saúde, pois, com frequência, sofrem de graves problemas respiratórios. Mulheres grávidas também são consideradas grupo de risco. A garantia de renda para os núcleos familiares impactados pelo zika, conforme pleiteado pela ação, auxilia na promoção das necessárias políticas de isolamento social, além de que os serviços de saúde se encontram sobrecarregados com pacientes contaminados com o novo coronavírus, dificultando ou impossibilitando o atendimento e o tratamento das crianças com zika.
Em sessão virtual concluída nesta quinta-feira, 30, a relatora, ministra Cármen Lúcia, considerou a ação prejudicada pois, para ela, a Anadep não tem legitimidade para propor a ADI. A ministra ressaltou que não constatou interesse jurídico da associação de procuradores nas normas e políticas públicas questionadas. Todos os ministros seguiram a decisão da relatora, mas, em seu voto, Luís Barroso, fez ressalvas: “Mulheres devem ter o poder de fazer suas escolhas existenciais e não são úteros a serviço da sociedade”.
Além de garantir o direito à interrupção da gestação por mulheres infectadas por zika, a aprovação da ADI 5581 pelo STF, segundo a Anis, poderia assegurar que as crianças com a síndrome congênita não tenham seus quadros de saúde agravados durante a pandemia e que as famílias possam cumprir as recomendações de isolamento social. “As necessidades sobrepostas de duas epidemias não podem ser negligenciadas, pelo contrário: a atenção às necessidades especiais de populações vulneráveis será condição de sucesso das medidas de saúde no país”, divulgou o Instituto, em nota.
Ao rejeitar a ação, perde-se uma batalha pela garantia dos direitos das mulheres, crianças e famílias já injustamente afetadas pela epidemia de zika e, como argumenta a Anis, para impedir que essa mesma população venha a sofrer piores consequências com a Covid-19. 

Fonte: Portal Catarinas

sexta-feira, 1 de maio de 2020

“Sou empregada doméstica e me sinto sem opção nessa pandemia”

Para poder se isolar alguns dias, patroa exigiu que ela dormisse no trabalho uma semana, conta trabalhadora em relato

“Eu me sinto sem opção. Ou trabalho, ou fico sem emprego. Para mim, não existe a escolha por fazer quarentena e cuidar da minha saúde no meio dessa epidemia de coronavírus. E sei que não sou única, muitas pessoas passam por algo parecido. Muitas mulheres que, como eu, trabalham em casa de família e são obrigadas a seguir cuidando dos outros, enquanto colocam sua própria saúde em risco.

Eu trabalho há duas horas do meu serviço. A casa deles fica em um bairro nobre e eu moro na periferia de São Paulo. Tenho que pegar ônibus, metrô, trem e outro metrô. A minha patroa está gestante e tem duas crianças, e eu sinto que ela acha que a família dela é mais importante que a minha, como se a minha família não tivesse valor.

 Mas eu tenho família, também. Duas filhas adolescentes e minha companheira, que me ajuda a cuidar delas. E mesmo não sendo dos grupos de risco, eu fico preocupada, e se eu levar essa doença para dentro da minha casa?

Engraçado que minha patroa, o marido e os filhos estão de quarentena há semanas já, mas acham que o que está acontecendo é um exagero, tipo nosso presidente. Eu já não acho isso. Até porque eles têm mais recursos que eu, quando se trata de saúde. Se eu pego esse vírus, vou depender do SUS.

 Por ela eu passaria a quarentena na casa dela sem voltar para casa nem um dia.

O que consegui foi fazer um acordo: vou tirar 5 dias das minhas férias, que já estão vencidas, pra ficar em casa e poder fazer o isolamento que estão recomendando. Mas ela só aceitou se na semana seguinte eu trabalhar de segunda à sábado direto sem voltar para casa, dormindo no serviço. Aceitei a proposta.

Não que eu goste desse acordo. Quando eu durmo lá tem muito mais trabalho, raramente paro de trabalhar antes das 23:00. Normalmente, meu horário é das 8:30 às 17:30, mas quando fico até de noite, acabo nem tendo horário. Meus patrões estão fazendo home office. E trabalhar com eles em casa é bem cansativo porque tudo fica em dobro, não é como quando estão fora que eu arrumo e fica arrumado. Tenho que refazer tudo, parece.

 Além disso, não tem muito cuidado em relação ao vírus lá. A única coisa que eles me dão é o álcool em gel, eu preciso passar sempre que chego lá. Não tem máscara, nem luva. Nada pra me proteger, nem para proteger eles também, se eu tiver doente.

Isso tudo me faz pensar que trabalhador hoje é tratado como robô: se não tem serventia é trocado. E como nosso sustento vem todo do trabalho, não posso perder o emprego e acaba que a única opção é pôr a saúde em risco.”

O relato foi dado sob a condição de anonimato para a repórter d’AzMina. 


 - Link para a matéria: https://azmina.com.br/colunas/sou-empregada-domestica-e-me-sinto-sem-opcao-nessa-pandemia/ -

A jornalista e historiadora Claudia Santiago Giannotti relembra a atualidade do Dia Internacional do Trabalhador



Conflito eclodiu após a explosão de uma bomba em uma manifestação em prol da jornada de oito horas de trabalho, em 4 de maio de 1886 em Chicago - Ilustração Harper's Weekly / Domínio Público

A história do 1° de Maio vem de longe. Vem do surgimento das fábricas há uns 200 anos. Naquele tempo, os operários viviam numa grande miséria. Trabalhavam 12, 15 e até mesmo 18 horas por dia. Não havia descanso semanal, muito menos férias. Para o mundo do trabalho, não havia leis.
Alguma coisa nessa história te lembra os dias de hoje? A mim lembra. E muito. Estamos, ano após ano, voltando para um mundo do trabalho sem leis, sem férias, sem descanso. E sequer podemos contar com salário garantido no fim do mês.
Estamos passando por uma brutal retirada de direitos. E vendo crescer o número de trabalhadores e trabalhadoras entregues à própria sorte. Há 20 anos, os direitos trabalhistas são ‘flexibilizados’ e desregulamentados. Hoje, mais de 40% dos trabalhadores não têm direito algum e são incentivados a empreender. O empreendedorismo é uma mentira, um embuste. É fruto de uma política ultraliberal de retirada de direitos. É o cada um por si… Empreenda e se vire!
Nesse quadro, é muito importante conhecermos a história das lutas dos trabalhadores no Brasil e no mundo. Podemos aprender com ela e nela encontrar um caminho para enfrentar a exploração dos trabalhadores.
Precisamos de um novo 1° de Maio. Uma nova explosão de lutas. Por elas passa a sobrevivência da humanidade.
Por que celebramos o 1° de Maio?
Em 1866, a Internacional (AIT – Associação Internacional doa trabalhadores, também conhecida como 1a Internacional) declarou a jornada de trabalho de 8 horas como luta central dos operários. Anos depois, em 1884, a Federação Americana do Trabalho (AFL – American Federation of Labor) realizou um congresso no qual ficou decidida a realização de uma greve geral pelas 8 horas, em todo o país (EUA), em 1886.
Em abril de 1886, em várias cidades americanas explodem greves isoladas muito reprimidas pela polícia. Na madrugada do dia 30, véspera do dia 1° de maio, debaixo das portas das casas dos operários de Chicago, apareceu um panfleto que dizia: “A partir de hoje, nenhum operário deve trabalhar mais de 8 horas por dia. 8 horas de trabalho, 8 de repouso e 8 de educação”.
Numa dessas greves, a polícia ataca e mata nove grevistas.
No dia 4 de maio, os trabalhadores fazem um comício para protestar e chorar seus mortos. De repente, misteriosamente, uma bomba explode no pelotão dos policiais. É a senha para eles começarem a atirar sobre os manifestantes. Enquanto isso, a polícia cerca o palanque e prende todos os oradores. Sete líderes sindicais são presos: August Spies, Sam Fielden, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Schwab, Louis Lingg e Georg Engel.
Todos foram julgados culpados em 9 de outubro de 1886: Parsons, Engel, Fischer, Lingg e Spies são condenados à forca; Fielden e Schwab, à prisão perpétua; Neeb, a 15 anos de prisão. As últimas palavras de Spies, antes do enforcamento, são: “Adeus, o nosso silêncio será muito mais potente do que as vozes que vocês estrangulam”. E assim foi.
Em 1891, a Internacional Socialista, no seu 2° Congresso, decreta que o 1° de Maio seja comemorado todo ano como Dia Internacional dos Trabalhadores.
E assim é… Mesmo quarentenados, nós estamos aqui e vamos celebrar o 1° de Maio. Mais sobre essa linda história, só lendo o Caderno do NPC.

Em agradecimento a todos os que vieram antes de nós, em todas as partes do mundo, o Núcleo Piratininga coloca à disposição para download a sua cartilha sobre a história do 1° de Maio.


Núcleo Piratininga de Comunicação disponibiliza cartilha com a História do 1° de Maio - Faça o download!

Nossos agradecimentos especiais aos nossos professores Vito Giannotti e Reginaldo Carmelo de Moraes (in memorian), e a José Luiz Del Roio, pelo livro “A História de um Dia 1° de Maio”, que foi nossa fonte de inspiração para esse trabalho.

*Jornalista, historiadora e fundadora/coordenadora do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC)
Edição: Katia Marko

A Uberização do trabalho: uma velha conhecida das mulheres

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*Por Luisa Caminha


Após 76 anos da criação da CLT, nunca imaginaríamos que o desenvolvimento tecnológico presente em 2019 seria considerado pelos defensores dos direitos trabalhistas, uma grande ameaça. Os smartphones, notebooks e tablets trouxeram para a realidade das mais diversas classes sociais o acesso à lojas de aplicativos, que prometem, através de seus produtos – os chamados “apps”-  dinamizar serviços ao mesmo tempo em que o custo diminui. Alcançamos a era onde o número de trabalhadores e trabalhadoras considerados pelo IBGE (através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD) como  “autônomos e empreendedores” cresce frente ao vertiginoso aumento do desemprego mundial, consequência histórica das crises do capitalismo.
Hoje, mais de 4 milhões de pessoas trabalham para empresas de aplicativos dos mais diversos tipos de serviços – caronas, entregas e serviços gerais – no Brasil. Os empregados, são tratados pelas empresas como “parceiros”, onde defende-se que também são patrões: por terem recorrido por “livre e espontânea vontade” aos aplicativos para receberem pedidos de entregas ou viagens, é consolidada uma imagem de um trabalhador autônomo, eximindo a empresa de qualquer obrigação no que tange relações trabalhistas, visto que mera disponibilização de serviços não configura emprego formal.
O reconhecimento destas novas configurações de trabalho ocorreu através de manifestações em tom de denúncia, relativas às más condições de trabalho e o claro vínculo e pressão que a empresa desempenha sobre seus prestadores de serviços, bem como os estudos realizados a partir dos desdobramentos sociais relativos aos impactos do uso indiscriminado de aplicativos pela população. Contudo, com base em pesquisas realizadas por estudiosas da área, compromissadas com as questões de gênero implicadas, conclui-se que tal forma de precarização do trabalho seria, na verdade, uma velha conhecida das mulheres.
Desde o ano passado, assistimos diversas queixas de trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos acerca da insegurança jurídica, econômica e física decorrentes das longas jornadas enfrentadas em seus expedientes, exigida pela rotina de uso dos aplicativos como facilitadores de suas atividades laborais. Entretanto, outro modelo muito semelhante, já foi – e ainda é –  testado pelas grandes empresas do segmento de maquiagem, tendo como público alvo mulheres. As  revendedoras de cosméticos, que através de meios próprios, disponibilizam revistas, colhem pedidos, entregam produtos e arcam com os riscos de ofício “autônomo”, constroem uma das estruturas que mais enriquece empresas sem os custos gerados por uma relação de trabalho formal: através das chamadas vendas diretas, onde a vendedora direta é aquela que está ingressa no sistema de distribuição e venda de produtos de uma empresa sem ter nenhum vínculo empregatício com esta.
Em um primeiro momento, o perfil alcançado por essa espécie de ofício era de donas de casa, mães, de classe baixa, em sua ampla maioria negras, que de alguma forma enxergaram na oportunidade, uma forma de sustento e volta para o mercado de trabalho, tão difícil para esse segmento social. Com a estrondosa adesão, chegando a alcançar as brancas e da classe média, como uma forma auxiliar de complementação de renda ou para facilitar o consumo próprio, o modelo consolidou-se como uma forma das empresas lucrarem sem assegurar os mínimos direitos trabalhistas de suas empregadas, uma vez que a lei considera empregada aquele que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Assim como o serviço doméstico não remunerado, os serviços informais desempenhados por mulheres, pobres, em grande parte, negras, como costura, manicure, diaristas e revendedoras, enquadram-se ao segmento de serviços invisíveis, tendo em vista o gênero dominante que os desempenha historicamente. Por estarem à margem, ao mesmo tempo em que são estruturais para o mundo do trabalho, as mulheres negras e pobres representam um segmento fértil para teste de modelos de flexibilização de trabalho, que posteriormente poderiam ser aplicados perante um público mais amplo. Como ensina a socióloga Ludmila Costhek Abílio, estudiosa do fenômeno da uberização do trabalho e relações entre trabalho informal e gênero, “toda grande transformação que envolve a flexibilização das relações de trabalho tem início entre trabalhadoras do sexo feminino.”
Portanto, é fundamental que o campo progressista, bem como estudiosos, pesquisadores, militantes de movimentos sociais, partidos políticos e sindicatos, atentem-se aos desdobramentos da cultura patriarcal frente ao mundo do trabalho. O debruçamento sobre desigualdades já conhecidas, como a dificuldade do acesso ao ensino superior, bem como as diferenças salariais entre homens e mulheres, é necessário, porém, uma análise radicalmente feminista e anti-racista sobre o trabalho no mundo contemporâneo, globalizado e tecnológico, é fundamental para as lutas que iremos encontrar no futuro.
Nós da Marcha Mundial das Mulheres acreditamos que a uberização do trabalho é um conceito que grita uma realidade de superexploração. Em um Brasil de bases coloniais e escravocratas, as mulheres pobres, ao mesmo tempo em que são colocadas à margem da política, economia e dos empregos formais, são protagonistas de uma imensa rede de relações informais, que tangem desde as ligações de afeto, até as relações provenientes do mundo do trabalho. Os aplicativos podem significar uma novidade, mas o projeto de flexibilização das leis trabalhistas é um projeto histórico e direcionado para a manutenção do sistema capitalista, cabendo às organizações de esquerda o dever de enxergar o mundo através dos olhos feministas, antirracistas, anti-LGBTfóbicos, decolonizados e socialistas, traçando assim novas formulações e construindo novos projetos e respostas de oposição frente ao plano de retirada de direitos dos governos e grupos ultra liberais e conservadores que crescem à cada crise mundial do capitalismo.

Referências Bibliográficas
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/23/economia/1558606597_597104.html
https://epoca.globo.com/tecnologia/noticia/2018/05/uberizacao-do-trabalho-no-seculo-xxi.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=quadro-sintetico
https://apublica.org/2019/05/a-uberizacao-do-trabalho-e-pior-pra-elas/
Livro: Sem maquiagem – o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. (Ludmila Costhek Abílio)

*Luisa Caminha é militante da Marcha Mundial das Mulheres no Rio de Janeiro.

Cientista política acredita que o trabalho precarizado agrava a pandemia

Professora Céli Pinto afirma que os trabalhadores perderam todos os direitos como nunca na história

"O trabalho está completamente precarizado, uberizado no mundo, e no Brasil pior ainda porque é o segundo país mais desigual do mundo" - GIG/Repórter Brasil
A cientista política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Céli Pinto afirmou que enquanto a burguesia se manteve nos padrões que sempre existiu, acumulando riquezas e priorizando o lucro, neste século os trabalhadores perderam todos os direitos e tiveram o trabalho precarizado como nunca na história. Para ela este é um dos grandes problemas da atualidade.
No caso brasileiro, segundo ela, a situação ainda é pior, pois somente os servidores públicos mantiveram algum direito e vem sustentando o Estado. Já as pessoas que deveriam estar governando estão vendendo todos os ativos e toda a riqueza para investidores de fora. “O grande problema do capitalismo é que os detentores do capital se mantiveram muito constantes. A burguesia, no que pese as suas transformações ao longo de dois séculos, ainda pode ser identificada nos textos do Marx. Te põe a ler os textos do Marx e tu identificas a burguesia. A burguesia de hoje, mesmo que ela seja internacionalizada, mesmo que não exista mais essa burguesia nacional, mesmo que ela seja financeira, a preocupação dela, sua razão de existir é a acumulação de capital e o lucro. É o princípio do capitalismo.”
Porém, segundo Céli, se olhar para o lado do proletariado, aquele que o Marx descrevia lá no século XIX, a gente não encontra mais. Ou seja, o capitalismo ao longo da história transformou completamente o proletariado. E essa é uma das questões complicadas que hoje nós temos que enfrentar. “Pois nós temos uma burguesia que trabalha constantemente para reproduzir  o capital desde o século XVIII, século  XIX, século XX, século XXI; e temos um proletariado que se transformou numa classe popular extremamente heterogênea, que foi expulsa em grande medida das indústrias, tanto no Sul Global, como no Norte.”
A professora explica que nós temos uma classe popular. Uma grande camada de população pobre, não proletária e precariamente trabalhando. “E isso vem de antes do vírus, antes até mesmo do governo Bolsonaro no Brasil. Nos últimos 20 anos tivemos uma transformação do trabalho no mundo. E esta transformação se dá contra, ao contrário do que ocorreu no século XX, que foi uma transformação a favor das classes populares.”
“Quem sustenta o mínimo do Estado, são os servidores públicos”
Conforme Céli, esta pandemia encontra o capitalismo em um momento de grande desigualdade social, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Com um aumento da pobreza e um emprego extremamente precarizado. “Nestas condições, sem governo como nós estamos no Brasil, quem sustenta o mínimo do Estado, são os servidores públicos. Esta é uma questão muito irônica, porque o governo Bolsonaro bate sem parar nos servidores públicos e este país ainda não parou única e exclusivamente devido ao fato dos servidores públicos existirem, porque o governo não existe mais.”
Para ela, isso é fantástico, principalmente neste momento “em que o servidor público é tão combatido por essa coisa disforme que está em Brasília e que eu me nego chamar de governo, e mesmo de desgoverno, não existe mais governo no Brasil. Existe o Estado que é o conjunto dos servidores públicos. Então parece que é o único setor do trabalho que conseguiu se manter”.
O país é como um barco à deriva
Céli acrescentou que “o ministro da Saúde teve a capacidade de dizer um dia destes que o importante não eram os dados, mas as interpretações de dados. O que é divertido porque qualquer introdução ao trabalho científico sabe que só pode interpretar dados se tu tiveres os dados”. Para a cientista política o que se tem neste momento de pandemia é uma tragédia em relação as pessoas de baixa renda, as classes populares, porque o trabalho está completamente precarizado, uberizado no mundo, e no Brasil pior ainda porque é o segundo país mais desigual do mundo. Parece que só o Haiti é mais desigual que o Brasil. E ao mesmo tempo é um país extremamente rico. É uma das 20 maiores economias do planeta.
“Então a situação atualmente é realmente calamitosa. E vai ficar cada vez pior. Não existe projeto nenhum no governo. Não existe um núcleo pensante nestas pessoas que estão em Brasília. É uma coisa assustadora. Se tu pegares o regime militar, com todos os inúmeros defeitos, uma ditadura horrorosa, tinha um grupo que pensava. Economia, Justiça, Educação. Atualmente ninguém pensa e isso é muito assustador.”
Na sua análise, o país é como um barco à deriva e só não está mais à deriva porque tem um corpo de funcionários públicos profissionais em alguns setores de altíssimo nível e que estão segurando o país. “São estes que Bolsonaro e o Paulo Guedes odeiam tanto. Se precarizou o trabalho todo. Se tirou todo e qualquer direito dos trabalhadores. Eles perderam a carteira de trabalho e foram dirigir aplicativos ou fazer tele entrega. Uma quantidade imensa de gente pedindo dinheiro na rua. Não existe nenhuma garantia de trabalho. O trabalho é completamente precarizado”, concluiu.

Edição: Katia Marko

ESPECIAL 1° DE MAIO


       Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora terá ato virtual nesta sexta (1º)

O 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora, será bem diferente em 2020 diante da quarentena e do isolamento social por causa da pandemia do novo coronavírus. As tradicionais manifestações de rua pelos direitos dos trabalhadores ganham um formato virtual nesta sexta-feira em todo o Brasil, tendo como principais bandeiras solidariedade, saúde, emprego, renda e democracia.

📺 A transmissão será no Facebook da Rede Soberania

📱 Veja a programação completa do ato no site do Brasil de Fato: https://bit.ly/3bWcRwO