segunda-feira, 4 de maio de 2020

4º módulo da Jornada de Formação Feminista da Marcha Mundial das Mulheres - Ecofeminismos

Olá a todas as marchantes,

Seguindo nosso compromisso com a Jornada de Formação Feminista da Marcha Mundial das Mulheres para a 5º Ação Internacional, e também dando sequência ao que assumimos como compromisso em estar compartilhando, apresentaremos durante o mês de Maio o 4º módulo da jornada, publicando uma série de artigos sobre ecofeminismos, feminismo e ecologia, feminismo e meio ambiente e etc. Os encontros estavam organizados em formato presencial, mas frente a Pandemia causada pelo Covid-19, estamos reorganizando as agendas e encontrando a melhor maneira de estarmos conectadas – virtualmente, e manter forte nossa rede feminista durante este período de distanciamento social*.

A partir dos nossos encontros de formação e reuniões organizativas das militantes da MMM RS, principalmente naqueles que tivemos a presença das militantes das Amigas da Terra Brasil (movimento parceiro histórico da MMM), sentimos a necessidade de aprofundarmos sobre estes temas. Sabemos que há diversas linhas e teorias sobre “ecofeminismo”, porém nossa intenção aqui é inicialmente, entender este conceito e, assim, aprofundar nosso conhecimento sobre o tema sob a perspectiva feminista anti-sistêmica e anti-patriarcal, e criticando a realidade imposta da divisão sexual e racial do trabalho, bem como ampliar nossa visão ao apontarmos caminhos alternativos e soluções

Iniciamos traduzindo a revista Madreselvas – Tecendo Ecofeminismos, publicada em Novembro de 2018 pelas Amigas da Terra Argentina com colaboração da MMM Argentina. (disponível em <https://amigosdelatierra.org.ar/biblioteca/>)Os textos serão publicados, a princípio, a cada semana no nosso blog estadual e ficará disponível online de forma pública. Após a tradução desta revista, traduziremos e disponibilizaremos outros textos e artigos de autoras feministas como Yayo Herrero Ariel Salleh, que pensam a necessidade de considerarmos a intrínseca conexão entre o capitalismo acumulativo, colonialista, racista, extrativista e degradante da natureza com o patriarcado.

Orientamos as militantes da MMM a lerem estes textos também pensando em um futuro encontro de formação quando for possível (após pandemia. Por enquanto, fique em casa se puder!). É fundamental nos mantermos atualizadas aos debates sobre feminismo e natureza, e atentas as falsas soluções de proteção ao meio ambiente que as empresas apresentam, principalmente as transnacionais** – responsáveis pela degradação ambiental, expulsão dos povos dos seus territórios de origem e acaparramento destes territórios – maquiando o capitalismo de verde, mas mantendo sua lógica violenta e injusta, principalmente sobre as mulheres. Estas transnacionais, junto aos governos e estados, investem no marketing e propaganda de suas empresas com os slogans de “responsabilidade social corporativa”, entre outros termos do vocabulário financeiro e administrativo, apresentando pontuais ações em específicas regiões como se compensassem o seu grandioso poder de propriedade privada e de degradação em cima dos territórios a partir da mercantilização da natureza.

Boa leitura! Resistimos para viver, Marchamos para transformar!

Leia também:

*Jornada de Formação Feminista – módulo 2: A violência contra a mulher em tempos de Covid-19 e isolamento social. <http://mmm-rs.blogspot.com/2020/04/jornada-de-formacao-feminista-modulo-2.html>

Módulo 3 - Tema: O poder feminista contra as transnacionais 

**Documento internacional de chamado às 24 horas de solidariedade feminista contra as empresas transnacionais: http://www.marchamundialdasmulheres.org.br/24-de-abril-de-2020-24-horas-de-solidariedade-feminista-contra-as-empresas-transnacionais/




Madreselvas – Tejiendo Ecofeminismos


EDITORAL (p.3-p.4)
A publicação desta revista se dá em um contexto particular para nossa região: a realização da Cúpula do G20 em Buenos Aires. Mais uma vez, os países mais poderosos do mundo – promotores das políticas de ajuste dos estados “emergentes” e responsáveis por 82% do CO2 emitido a nível mundial – se reuniram em nosso país para estabelecer uma agenda de falsas soluções sociais, econômicas e ambientais em nosso território. Em um marco geopolítico de empoderamento das direitas latinoamericanas que assiste um futuro de agudização da precarização da vida humana e ambiental, acreditamos ser estratégico fortalecer e articular nossas lutas feministas anticapitalistas.

Somos parte da organização Amigos da Terra Argentina, membro da Federação Amigos da Terra Internacional. Trabalhamos pelo desmantelamento do patriarcado e pela justiça de gênero frente a toda forma de opressão que explora e desvaloriza as mulheres, os povos e a natureza. A revista Madreselvas surge com a intenção de abrir um novo espaço de diálogo e encontro para as vozes das mulheres, lésbicas, trans, travestis e demais identidades dissidentes que convergem na luta pela defesa do ambiente e dos territórios em contextos de profunda crise, mas também – e sobretudo- de efervescência das lutas feministas, sociais e ambientalistas. Com Madreselvas temos a intenção de promover encontros de experiências, entramar redes sororas e possibilitar debater políticos sobre nosso fazer cotidiano para abonar nosso construção e desconstrução coletiva.

Madreselvas é uma revista ecofeministas porque entendemos que o capitalista, o patriarcado, o colonialismo, o racismo e o ecocídio são caras de uma mesma moeda de um paradigma que provoca a profunda crise social, econômica, financeira e ambiental que atravessa nossos territórios. Somos ecofeministas compreendendo que a luta pela autonomia e autodeterminação dos corpos, dos povos e dos territórios somente será libertadora se compreender a dominação masculina sobre a natureza, a mulher e as identidades dissidentes.

Enfrentamos a divisão sexual do trabalho, a cisão entre cultura e natureza e a mercantilização dos corpos e dos territórios. Assim como é impossível sustentar a vida sem a natureza, tão pouco é possível sustentar sem a enorme quantidade de trabalho que implica a reprodução das vidas humanas. No entanto, o mesmo sistema que pretende anular o vínculo intrínseco entre as pessoas e as naturezas, nega e invisibiliza os papéis fundamentais que as mulheres tem ocupado - à força de imposições patricarcais – como produtoras e cuidadoras da vida.
Em um contexto geopolítico de aprofundamento das desigualdades entre o norte e o sul global – produto da exacerbação das políticas de ajustes, exploração de territórios e apropriação dos bens comuns -, são as mulheres, lésbicas, trans, travestis e demais identidades dissidentes, racialidades, indígenas, campesinas e afrodescendentes e migrantes que se encontram na faixa de maior vulnerabilidade econômica e social. Da mesma forma, são as mulheres que tem desenvolvido historicamente um papel fundamental na defesa do território, uma vez que, ao serem colocadas como “reprodutoras e cuidadoras”, conseguiram acumular uma série de aprendizados e conhecimentos que serviram para proteger o meio que permite o desenvolvimento da vida.

Em Madreselvas pretendemos nos encontrar atravessadas por transversalidades de gêneros, territórios, classes sociais e diversidades culturais e perspectivas ecofeministas. Nesta primeira edição, nos acompanha o relato de mulheres defensoras dos territórios frente a mineração a céu aberto, os monocultivos e o uso de agrotóxicos; nos aproximamos do trabalho em rede de mulheres defensoras do ambiente; recorremos à luta pela liberdade de escolha sobre nossos corpos e ao Encontro Plurinacional de Mulheres, Lésbicas, Travestis e Trans; pensamos a soberania alimentar desde uma perspectiva feministas e problematizamos a incidência do extrativismo e a divisão sexual do trabalho na vida das mulheres e dissidentes.

NOVEMBRO DE 2018
www.amigosdelatierra.org.ar
amigosdelatierra@amigos.org.ar "



TEXTO 1 (p.5-p6.): CONSTRUINDO SOBERANIA ALIMENTAR ENTRE TODES, por María Mercedes Gould – Amigos da Terra Argentina
A produção e o consumo de alimentos são organizados pelas sociedades desde os tempos ancestrais. No entanto, em um mundo globalizado, estes processos de encontram atualmente sujeitos a políticas internacionais. Nas últimas décadas, sob o impacto do neoliberalismo, a lógica capitalista se impulsionou com maior ênfase na força de produzir e distribuir alimentos.

Parece que não estamos mais diante da discussão de como gerar um novo ciclo de acumulação de capital, e sim nos encontramos frente a uma crise que é muito mais profunda, cuja a solução é complexa e implica uma radical reconfiguração das relações sociais, econômicas, políticas e culturais, que na atualidade são regidos pelo consumo desmedido e desigual, atravessado por explorações extrativistas, socialmente injustas e ambientalmente destrutivas. No entanto, sobretudo, esta crise implica uma grande desigualdade de gênero.

A medida que a globalização econômica guiada pelas grandes corporações multinacionais e pelas políticas desmedidas de livre comércio avançam sobre as comunidade rurais em todo o mundo, as organizações campesinas estão se unindo na luta pela soberania alimentar: uma alternativa política que consiste no direito que cada povo tem de definir suas próprias políticas agropecuárias e na matéria de alimentação, a proteger e regulamentar a produção agropecuária nacional e o mercado doméstico. Se trata de recuperar nosso direito a decidir sobre o que, como e onde se produz aquilo que comemos; que a terra, a água, as sementes estejam na mão dos campesinos e campesinas e que sejamos soberanos no que respeita nossa alimentação.

No entanto, é necessário repensar esta alternativa ao modelo agrícola dominante, incorporando uma perspectiva de gênero. Na América-Latina, as mulheres são as principais produtoras de comida, as encarregadas de trabalhar a terra, manter as sementes e colher os frutos, conseguir água e cuidar do gado. Se encarregam de cultivos básicos como o arroz, o trigo e o milho que alimenta as populações mais empobrecidas. Mas, apesar do seu papel chave na agricultura e na alimentação, elas são, junto as crianças, as mais impactadas pela fome.

As mulheres campesinas tem se responsabilizado, durante séculos, pelas tarefas domésticas, ocupando uma esfera privada e invisível. Apesar disso, as principais transações econômicas agrícolas tem sido, tradicionalmente, realizadas pelos homens, ocupando a esfera publica. Esta divisão de papéis, atribui as mulheres ao cuidado de casa, da saúde, da educação e de suas famílias, e atribui aos homens o manejo da terra de dos maquinários, mantendo intactos os papéis socialmente construídos de masculino e feminino que ainda hoje perdura.

Apesar disto, atualmente, existe uma notável incorporação das mulheres ao trabalho agrícola assalariado. Deste modo, muitas acessaram pela primeira vez um posto de trabalho remunerado, com renda, que permite um maior poder na tomada de decisão e a possibilidade de participar das organizações a margem do âmbito doméstico. Esta incorporação das mulheres ao âmbito laboral remunerado implica uma dupla carga de trabalho para elas, já que por um lado continuam executando o trabalho de cuidado de seus familiares enquanto trabalham para obter renda, majoritariamente, em empregos precarizados com remuneração inferior em relação a renda de seus companheiros pelas mesmas tarefas.

As políticas de ajustes e as privatizações repercutem de forma particular sobre elas. Como apontou Juana Ferrer, responsável pela Comissão Internacional de Gênero da Via Campesina em 2006: “Nos processos de privatizações dos serviços públicos as mais afetadas tem sido as mulheres, sobretudo em áreas como saúde e educação, já que as mulheres, historicamente, carregamos com as responsabilidades familiares mais fortes. Na medida em que não temos acesso aos recursos e aos serviços públicos, se torna mais difícil ter uma vida digna para as mulheres”. Somando a isto, o acesso a terra não é um direito garantido para muitas mulheres: em vários países as leis as proíbem deste direito e naquelas onde legalmente tem acesso, as tradições e as práticas as impedem de dispor de suas terras.

Como já dissemos antes, frente a este modelo agrícola dominante que tem um impacto muito negativo no meio ambiente e nas sociedades, especialmente as mulheres, surge o paradigma da soberania alimentar. Mas, se as mulheres são a metade da mão de obra no campo em escala mundial, uma soberania alimentar que não inclua uma perspectiva de gênero estará condenada ao fracasso. Este novo paradigma implica romper não somente com o modelo agrícola capitalista, mas também com um sistema patriarcal que oprime e sujeita as mulheres. Para isso, é necessário avançar na construção de alternativas ao atual modelo agrícola e alimentar e incorporar uma perspectiva de gênero.

O feminismo e a agroecologia tem transitado por diferentes caminhos, mas desde a um par de décadas tem coincidido com diálogos e práticas interdisciplinares. Por um lado, tem entendido que a destruição da natureza evidencia o vínculo entre o capitalismo e o patriarcado, ambos com efeitos muito negativos para a população em geral, mas sobretudo para as mulheres. Por outro lado, ambas perspectivas – agroecologia e feminismos – buscam melhorar as condições de vida, considerando que é necessário e urgente a restauração e preservação da natureza, a gestão integral dos territórios e das relações entre os gêneros.”


Resistimos para viver, marchamos para transformar!

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