sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Nota da Marcha Mundial das Mulheres pela anulação da portaria nº2.282


A violência contra as mulheres é estrutural, autorizada e naturalizada diariamente na nossa sociedade. Os assédios e abusos físicos e psicológicos, a violência doméstica, o feminicídio, a cultura do estupro deixam o mundo mais perigoso para as mulheres.
O Brasil registra 180 estupros por dia. A cada hora, quatro meninas brasileiras de até 13 anos são estupradas. Em 2018, foram mais de 66 mil estupros no Brasil, sendo que 53,8% de meninas com menos de 13 anos, e a maioria negra.  26 mil partos de meninas com idade entre 10 e 14 anos são registrados em média por ano no país. 

Se considerarmos a subnotificação dos casos de violência sexual/estupro no Brasil, com certeza a realidade dos dados é ainda mais alarmante. No entanto, vivemos em uma sociedade patriarcal e racista, na qual muitas meninas e mulheres não se sentem seguras em denunciar a violência ou demoram para fazê-lo, como foi o caso da menina de 10 anos do Espírito Santo.

11 dias após a garota ter finalmente conseguido realizar o aborto, o governo Bolsonaro quer institucionalizar a perseguição a vítimas de estupro no Brasil, torturar e criminalizar as mulheres.
De acordo com o artigo 128 do Código Penal Brasileiro de 1940, uma menina ou mulher que sofre violência sexual tem o direito ao aborto legal, o que significa o pleno atendimento na rede de saúde pública a partir do momento que a vítima dá entrada no serviço de saúde. Não é necessário autorização jurídica nem policial, a palavra, a vontade da vítima são suficientes para que a lei seja cumprida. O Código Penal não exige qualquer documento para a realização do aborto nesse caso, a não ser o consentimento da mulher.
No entanto, mesmo sem o código penal exigir nenhum tipo de documento, já havia uma série de procedimentos a serem seguidos a fim de se conseguir a autorização para o aborto legal. A portaria nº 2.282 de 27 de agosto de 2020 muda esses procedimentos, criminalizando mais ainda as mulheres e dificultando o acesso ao aborto legal para as vítimas de estupro.
A primeira das mudanças afeta diretamente as mulheres cuja gravidez é de risco. O procedimento de autorização para o aborto legal é feito em 4 fases. Os protocolos anteriores afirmavam que as mulheres cuja gravidez representasse risco à sua vida não eram obrigadas a seguir todos esses passos. Agora, com o novo texto, mesmo as mulheres com gravidez que representa risco terão que fazê-los, demorando mais ainda para poderem abortar.
A nova portaria também obriga médicos, demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde a notificarem a polícia nos casos em que a gravidez a ser interrompida seja decorrente de estupro. Além do mais, a portaria estabelece também que os profissionais de saúde são obrigados a preservar, por exemplo, fragmento do embrião, para entregá-lo à polícia. Os profissionais da saúde podem sim guardar evidências do crime de estupro, mas isso só deve ser repassado à polícia caso a mulher (ou garota) queira seguir com a denúncia do crime.
Mas a polícia não tem nada a ver com o procedimento de aborto. Caso a mulher queira seguir com uma denúncia de estupro, aí sim irá à polícia. Mas o procedimento de aborto não tem absolutamente nada a ver com ela. Obrigar os profissionais de saúde a envolver a polícia fere a autonomia das mulheres e autoriza a quebra de sigilo entre médico e paciente, expondo as mulheres. Não cabe aos profissionais de saúde atuar de forma investigativa. Cabe à mulher, e somente a ela, a decisão de seguir com uma denúncia ou não.
Outra grave violação na portaria consiste na possibilidade do(a) médico(a) sugerir à vítima a visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia. A exposição desse tipo de imagem a uma vítima já em situação extremamente vulnerável pode muito bem ser classificada de tortura contra as mulheres, uma grave violação dos Direitos Humanos. Isso abre espaço para que profissionais religiosos pressionem as mulheres a não realizarem o aborto.
Dentre as diversas consequências da violência sexual, a gravidez é uma das piores para a mulher. Além disso, a gravidez decorrente de estupro também coloca a mulher na circunstância de escolher o desfecho da gestação – mantê-la ou interrompê-la. Nesse sentido, forçar uma mulher a manter essa gravidez sofrido pode ser considerado uma segunda violência. É preciso afirmar sem medo: todo e qualquer procedimento que dificulte o acesso ao aborto legal em caso de estupro viola o direito constitucional da mulher vítima de violência.
Nós, da Marcha Mundial das Mulheres, exigimos a anulação da portaria nº2.282, que legitima mais uma forma de violência contra a mulher, ao obrigá-la a viver situações de torturas durante um procedimento de saúde garantido em lei que preserva os direitos fundamentais da mulher em situação de violência.
Afirmamos também que a descriminalização e legalização do aborto é a forma legítima e definitiva de manter o direto das mulheres à soberania e autodeterminação dos seus corpos. A decisão de manter ou não uma gravidez é das mulheres, e somente delas.

Ressaltamos, ainda,  a urgente necessidade de que a classe trabalhadora brasileira reaja de forma vigorosa para pôr fim a esse desgoverno Bolsonaro, que está promovendo o genocídio da população mais pobre e o desmonte de todas as políticas públicas, os direitos e a democracia, no intento de implementar o projeto ultra neoliberal e fascista no Brasil.
Basta de violência contra a mulher!
Aborto seguro, público e legal é direito de toda a mulher.

Pela legalização do aborto no Brasil!

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